Entre tantos aspectos, a arte pode abraçar talento, conhecimento, habilidade, esforço, cultura e/ou expressão. Também traz sensibilidade ou brutalidade, partindo do âmago de quem a cria, e se reflete em diferentes formas — ora como algo mais abstrato, ora como algo mais palpável.
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E o mais interessante é que esses conceitos se aplicam tanto ao desenvolvimento de Clair Obscur: Expedition 33, quanto ao conteúdo que o jogo oferece.

Clair Obscur significa "chiaroscuro", palavra italiana para “luz e sombra” ou, mais literalmente “claro-escuro”, o contraste que afeta toda uma composição. Trata-se de uma estratégia da pintura renascentista do século XV e, acredite, o nome do jogo não foi escolhido à toa. A review a seguir não tem spoilers e, honestamente, lhe encorajo a viver essa experiência, se possível, sem saber de nada do enredo.
Estreia do Sandfall Interactive é uma carta de amor aos JRPGs
Apresentado oficialmente ao público durante o Summer Game Fest 2024, o game se identifica como um RPG cinematográfico com elementos de ação em tempo real e combate estratégico por turnos, e o estúdio Sandfall Interactive não esconde quais foram as inspirações para a criação de Clair Obscur.
O diretor criativo Guillaume Broche já afirmou anteriormente que ele e a equipe “adoram JRPGs como Final Fantasy, a série Tales Of, Lost Odyssey e Persona”, no que diz respeito a visuais e jogabilidade. E todas essas franquias (e muitas outras como Nier, Legend of Dragoon, Shadow Hearts e Dark Souls, até), ajudam a compor as paletas de Clair Obscur: Expedition 33, preenchendo diversos momentos da jornada com referências e homenagens.

Sediada em Montpellier, na França, vale citar que o Sandfall Interactive foi fundado em 2020 e conta com diversos veteranos da indústria, incluindo ex-funcionários da Ubisoft. Dito isto, Clair Obscur é o jogo de estreia do estúdio, com publicação pela Kepler Interactive. E a premissa do game é bastante peculiar.
“Quando um cai, nós seguimos”
No mundo de Clair Obscur, uma vez por ano, uma entidade conhecida como Artífice acorda e pinta um número em seu Monólito. Neste mesmo dia, todos que passaram da idade que ela literalmente tingiu em pedra, sofrem um gommage, palavra francesa que significa basicamente “apagamento”. Isso porque as pessoas literalmente esfumaçam e desaparecem.
Ano após ano, cada vez mais pessoas morrem e, para impedir isso, foram criadas expedições com o objetivo de derrubar a Artífice, para que ela nunca mais possa pintar a morte. Geralmente, os membros das expedições são voluntários que estão em seu último ano de vida, e que buscam um futuro melhor para as gerações futuras — enquanto essa possibilidade ainda existe. O game tem início quando a Expedição 33 parte da cidade portuária de Lumière para executar essa missão.

Antes deles, houveram outras 67 expedições e, embora nenhum dos membros desses grupos tenha retornado, todos deixaram um rastro de informações, passagens e segredos para os expedicionários seguintes. Por isso, dois dos principais motes do game são “por aqueles que virão” e “quando um cai, nós seguimos”.
Embora o game tenha diversos momentos de exposição de informações para o jogador (e não disfarça que está fazendo isso), em termos de construção de mundo e mitologia, Clair Obscur é extremamente bem construído. Lumière e todo o mapa que circula a cidade é recheado de culturas, biomas e espécies distintas, com camadas e camadas de conceitos, informações e nuances aplicadas.
Os personagens do game também são bem desenvolvidos e, ao término da jornada, me vi apegada a todos eles de uma forma que não estava prevendo. Suas histórias, traumas e objetivos são bem trabalhados, sim, mas também ajuda o fato de o elenco de voz ser um absurdo, com talentos incríveis na dublagem em inglês.

A exemplo, temos Charlie Cox (o Demolidor da Marvel) como Gustave, Jennifer English (de Baldur’s Gate III) como Maelle, Andy Serkis (de O Senhor dos Anéis e Pantera Negra) como Renoir, e Ben Starr (o Clive de Final Fantasy XVI) como Verso.
Shala Nyx (de Cyberpunk 2077: Phantom Liberty), Kirsty Rider (creditada em Sandman), e Rich Keeble (de Good Omens) também estão no game nos papéis de Sciel, Lune e Monoco, respectivamente. A performance vocal de todo o elenco de voz está impecável em Clair Obscur, mas a sincronização dos lábios para a dublagem em inglês deixa um pouco a desejar — nada que uma atualização não possa resolver.
Vale mencionar ainda que a progressão da narrativa tem um ótimo ritmo. Dividido em três atos, o enredo consegue prender e intrigar o jogador com inúmeros mistérios que são solucionados gradativamente, e muitas vezes acompanham surpresas ao longo de suas mais de 40 horas.
Camadas e camadas de sistemas e mecânicas

Se por um lado a narrativa avança em um ótimo ritmo (e a dificuldade dos combates acompanha naturalmente a progressão, por sinal), o gameplay e as mecânicas (e outros detalhes) me cansaram um pouco. Isso porque Clair Obscur oferece um sistema de batalha bastante completo, mas repetitivo.
Caso você não esteja familiarizado com RPGs clássicos de lutas por turno, aqui vai uma breve explicação: o panorama de combate é composto por uma linha do tempo com a ordem dos turnos mostrada no canto superior esquerdo, de modo que o jogador consegue saber quando (e quais) inimigos vão atacar, podendo montar táticas para triunfar nas batalhas.
Então, durante os turnos dos personagens do seu grupo, você escolhe uma ação e a executa, podendo usar itens de recuperação, desferir ataques básicos, usar habilidades especiais, dentre outras opções. Cada membro da Expedição 33 possui uma mecânica própria de combate, e isso por si só torna o sistema do game em algo único.

Maelle, por exemplo, pode aplicar mais dano ou se defender de maneira mais efetiva dependendo de sua Postura (ofensiva, defensiva ou virtuosa). Sciel, por sua vez, atribui Predições aos inimigos e depois as consome com algumas técnicas específicas, para causar mais dano. Monoco, por fim, tem a mecânica de combate que mais gostei: ele possui uma Roda Bestial que gira e influencia todas as suas ações, dependendo da posição que cair e de quantos Pontos de Ação (PAs) o personagem tiver. Isso, combinado à sua habilidade especial de Transfiguração, fazem dele um dos membros mais poderosos da Expedição 33.
Esse mundo de mecânicas e recursos únicos para cada personagem torna as lutas uma experiência divertida, mas que cansa rápido, infelizmente. Isso porque o jogador precisa acertar prompts de eventos rápidos (quick time events, ou apenas QTEs) em todas as habilidades especiais. Todas.
Se os QTEs fossem atribuídos apenas aos golpes ultra poderosos, por exemplo, não haveria problema. Mas as batalhas exigem que você use e abuse das habilidades especiais dos personagens nos combates para infringir fraqueza com um elemento ou status, então você vai passar a maior parte do tempo entendendo o timing dos prompts (que podem ser mais rápidos ou espaçados).

Também existe a possibilidade de esquivar dos ataques dos inimigos, ou de aparar — o que causa um poderoso contra-ataque, se for bem executado. E além dos ataques básicos, os personagens podem disparar projéteis com a mira livre (cada tiro custa 1 PA). Essas mecânicas levam tempo para que o jogador consiga dominá-las, e dependendo das Luminas equipadas, você pode ser muito beneficiado ou prejudicado nesses momentos.
Luminas, por sua vez, são técnicas passivas que nascem dos Pictos — essência de habilidades que podem ser dominadas. As Luminas também concedem mais atributos aos personagens (vida, velocidade, defesa, etc).
Por fim, os personagens empunham armas distintas que podem evoluir com os materiais certos; e pontos de atributos que devem ser distribuídos nas árvores de habilidades de cada um deles.

Sim, é muita coisa para o jogador gerenciar, e cada membro da Expedição 33 tem uma mecânica própria de combate ainda por cima. A boa notícia é que esses sistemas e recursos são apresentados aos poucos ao longo da aventura, então você provavelmente não vai se sentir sobrecarregado com tantas informações de uma só vez. Talvez só fique cansado(a) de acertar QTEs ao executar habilidades, mas enfim.
Vale mencionar ainda que o jogo está repleto de desafios extras (que podem ser acessados, em sua maioria, apenas na reta final), e testes diversos espalhados pelo mapa, que vão te fazer investir pelo menos mais 30 ou 40h no jogo; incluindo batalhas épicas contra criaturas lendárias. Contudo, em meio a tantos sistemas, aventuras e mecânicas, senti uma falta absurda de alguns detalhes que fariam toda a diferença na qualidade do gameplay, como um mapa para me guiar durante a exploração nas masmorras, a interface de usuário mostrar o nome dos inimigos comuns (geralmente o jogo mostra apenas os títulos dos chefes), e a opção de reiniciar os combates.
Afinal, Clair Obscur: Expedition 33 vale a pena?
Antes de mais nada, preciso mencionar que tive alguns problemas técnicos jogando no PC, incluindo um erro que fez o jogo fechar sozinho. O anti-aliasing, por sua vez, não atualizou em diversos momentos, percebi bugs gráficos aqui e acolá, e os testes no Steam Deck também deixaram a desejar, com uma queda significativa de qualidade ao jogar no portátil. A Kepler Interactive já tem atualizações programadas, que prometem corrigir essas e muitas outras questões, então a experiência certamente será melhor do lançamento em diante.

Agora, o veredito. Pessoalmente, Clair Obscur: Expedition 33 demorou para me conquistar. Embora seja bastante completo, o sistema de combate me deixou com um sentimento misto pela repetição de QTEs a cada habilidade executada; mas nem isso foi o bastante para me fazer desistir de jogar Clair Obscur, já que o game equilibra a experiência com personagens cativantes e bem desenvolvidos e uma narrativa instigante com ótimo ritmo de progressão.
A dificuldade acompanha esse aspecto (ou seja, grinding pra ficar mais forte só se você realmente quiser enfrentar os desafios extras perto do final). E, é importante também mencionar os visuais belíssimos e a trilha sonora incrível assinada pelo compositor Lorien Testard, com participação da cantora Alice Duport-Percier, que trazem canções envolventes, marcantes e melancólicas, que contrastam de forma excelente com o tom do game.
O game é uma amálgama muito bem intencionada do gênero JRPG, deixando claro em diversos aspectos de onde tirou suas inspirações e quais franquias clássicas está homenageando; ainda que com ressalvas. Como conjunto da obra, Clair Obscur: Expedition 33 é uma peça única, que eleva o significado do que é “jogo arte”. Mistura o abstrato e o palpável com personalidade, traz sensibilidade e brutalidade em uma experiência impactante, e acrescenta muitas outras expressões em seu quadro repleto de tons, indo além do chiaroscuro. Sem dúvidas é um dos títulos obrigatórios de 2025.
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Com legendas em português, Clair Obscur: Expedition 33 chega em 24 de abril para Steam, Epic Games Store, Xbox Series X|S e PlayStation 5. O game também estará disponível para assinantes do Xbox Game Pass Ultimate desde o lançamento. Esta análise foi feita com uma cópia antecipada para PC cedida pela Kepler Interactive.
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