Parte do que tornou Demolidor tão eficaz na sua primeira temporada foi como a história era uma progressão lógica dos acontecimentos no universo cinematográfico da Marvel, mas ao mesmo tempo foi contada de uma forma independente, possibilitando desfrutar da narrativa sem saber nada dos Vingadores ou Guardiões da Galáxia. A segunda temporada, da qual assistimos sete episódios, segue isso mas agora é comandada menos por um enredo e mais por protagonistas.
Em seu retorno, Demolidor está mais confiante, mais certa do que quer ser e mais dirigida por personagens. Se a primeira temporada baseava-se num enredo que se encaixava dentro deste universo, a segunda foca em ações de pessoas que fazem sentido em relação às mudanças na cidade de Nova York, particularmente Hell's Kitchen. Depois de seu embate com Wilson Fisk, Matt Murdock (Charlie Cox) se tornou um protagonista mais firme, com uma missão mais clara.
O Demolidor sempre foi um dos personagens mais heróicos da Marvel. É possível argumentar que ninguém no universo, com exceção talvez do Capitão América, tenha um senso de justiça tão forte quanto o de Murdock, e por se tratar de seus primeiros momentos como vigilante de Hell's Kitchen, a primeira temporada não conseguiu deixar isso tão claro. Não vamos entrar em detalhes específicos do que acontece nos primeiros episódios, mas é seguro dizer que ser colocado face a face com o Justiceiro (Jon Bernthal) força o protagonista a caminhar a linha tênue entre herói e anti-herói sem cruzar para o outro lado, e requer dele uma firmeza que não existia contra Fisk. Na primeira temporada, havia um vilão e um mocinho claramente definidos, mesmo que o Kingpin acreditasse que estava correto. Agora, a batalha do Demolidor não é mais entre ideologias, mas sim entre visões de mundo, interpretações da palavra justiça e do caráter humano. Os dois primeiros episódios são uma construção com um ritmo aceitável, colocando as peças nos seus lugares iniciais, mas quando a série pisa no acelerador, e o tabuleiro começa a se mover, é que fica claro o quanto essa temporada acerta. Frank Castle é um personagem trágico e rico muitas vezes transformado num badass com uma arma e não muito mais, mas os showrunners Doug Petrie e Marco Ramirez, junto com a equipe de roteiristas, não caem nesse erro.
Mais uma vez, não vamos entrar em específicos, mas a segunda temporada não é uma repetição da primeira em termos de confrontos. O Justiceiro não é uma figura misteriosa como Fisk, se escondendo nas sombras para depois se revelar. Ele não liga pra isso, ele não liga pra que saibam seu nome. Ele vai pras ruas deixar sua marca com extrema precisão, e o seu caminho cruza com o Demolidor relativamente cedo na narrativa. O interessante é o que acontece depois. Esses são dois homens marcados por tragédias e que resolvem fazer algo sobre isso de maneiras bem diferentes. Enquanto um ainda vê a luz da redenção nas pessoas, o outro acha que apaga-las é a única solução para limpar o mundo.
Ambos Cox e Bernthal brilham com o material que lhes é dado para trabalhar. Há uma certeza na atuação de Cox que não existia antes, e parece que o ator cresceu junto com quem interpreta. Já Bernthal sempre foi bom em ter um certo charme que tornava seus personagens simpáticos apesar de terem características detestáveis, mas aqui ele vai além, encontrando o desespero por trás disso tudo e emitindo isso na sua raiva ou tristeza. Seria muito fácil simplesmente entregar a resposta como "obviamente o Demolidor está certo" mas a série felizmente não faz isso, ela não facilita a vida de Murdock - ou de Castle - quando força os dois homens a defenderem suas causas, e o embate psicológico entre eles é fenomenal e muito mais eficaz do que qualquer troca de socos.
Mas não se preocupem, porque as trocas de soco estão lá e continuam muito boas. É fascinante ver como o Demolidor evoluiu na sua forma de combate. Ele está mais seguro, se arrisca menos, age de forma mais inteligente e estratégica, ao invés de simplesmente entrar numa competição de quem aguenta mais chutes no estômago. Ação só funciona se informar algo sobre a história e o personagem, seja por aumentar os riscos que dependem da luta, ou mostrar o crescimento de alguém. Assim como Matt está certo do papel do Demolidor, ele também está firmado em como demonstrar esse papel na hora de quebrar algum bandido. O uso de seus poderes e habilidades nos combates é muito mais eficaz e presente agora, nunca saindo de um quase-realismo mas sempre mostrando a diferença entre o Demolidor e as outras pessoas envolvidas na pancadaria. Há uma cena no terceiro episódio que rivaliza a luta do corredor na primeira temporada em termos de coreografia, fotografia e progressão, e é ainda mais ambiciosa no que tenta fazer.
Os personagens secundários da vida de Matt também cresceram bastante, ao ponto de que chamá-los de "secundários" parece ser injusto. Foggy (Elden Henson), particularmente, faz um belíssimo trabalho como advogado e é uma pessoa muito mais presente nas ações da Nelson & Murdock nessa temporada. Henson continua eficaz como alívio cômico ou olhos humanos nesse mundo, mas o ator eleva seu nível com base nas cenas importantes que lhes são dadas pelos roteiristas. Karen (Deborah Ann Woll) também continua como uma força pro-ativa, nunca satisfeita com o que está acontecendo, mas eu sinto que ela podia ser mais usada. Ann Woll claramente quer participar mais, tanto a atriz quanto a personagem pulam como um tubarão faminto em cada oportunidade de exercer diferença na história, e eu sinto que a decisão de mantê-la no escuro quanto aos segredos de Matt impede-a de fazer isso o tanto quanto poderia.
E então temos Elektra (Elodie Yung), que, desde sua primeira cena na temporada, emana uma sensualidade e arrogância que não existe em mais ninguém na história. Entretanto, o que os primeiros sete episódios mostram dela não vai muito além disso. Ela também faz um contraste com Matt, mostrando visões diferentes de mundo e apesar de sabermos que ela é mais....solta, Demolidor ainda não justificou isso como poderia. Eu tenho fé que isso é algo que vai mudar na segunda metade, e eu espero que Yung se mostre uma atriz flexível em sua atuação quando as oportunidades de aprofundar quem é Elektra surgirem.
Demolidor, tanto a série quanto o personagem, cresceram com a oportunidade que lhes foi dada depois da primeira temporada. Antes o apelo era ver um lado mais sombrio, sério e violento do universo Marvel, mas agora, nós somos convidados a acompanhar essa jornada para ver pessoas mudando e sendo desenvolvidas. É uma série mais confiante, que não se esconde dos momentos difíceis mas também não nega o seu lado super herói. Nós vamos fazer uma continuação deste texto, com spoilers, quando vermos o final da temporada, mas podemos dizer com alívio que Demolidor não se preocupou em repetir a primeira temporada ou se tornar algo que não é, e como consequência, está contando ótimas histórias comandadas por ótimos personagens.
Demolidor - 2ª Temporada estréia dia 18 de março na Netflix.