Como muitas das histórias que começam há muito, muito tempo; em um lugar tão, tão distante, Raya e o Último Dragão traz uma terra estranha, repleta de criaturas fantásticas, mas povoada por pessoas que não são tão diferentes de nós.
A trama se passa em um local que anteriormente era conhecido como Kumandra e agora se divide em cinco nações. Todas elas são nomeadas como uma parte do dragão: Coração, Presa, Espinha, Garra e Cauda.
Cada grupo olha para os outros com desconfiança, preconceito e desdém, mesmo que façam parte do mesmo mundo. O pai de Raya, a protagonista, insiste que só precisa que alguém tome o primeiro passo para que todos voltem a se unir. Claro que, assim como no nosso mundo, nada é tão simples e é difícil deixar de lado a imagem preconcebida que se tem sobre alguém que não conhecemos.
As nações não estão em uma guerra declarada, apenas divididas. Existe um ar de rivalidade e ninguém parece ter a intenção de colaborar para acabar com o Druun, uma maldição antiga que ameaça a todos. É cada um por si.
Enquanto isso, a praga dismorfa e sem face avassala tudo por onde passa. Ela chega de repente, transformando os seres vivos em estátuas de terracota independente de quem seja e há pouco a ser feito para se proteger dela.
Cabe então à Raya procurar o último dragão e também os fragmentos de uma joia que pode acabar com a ameaça de uma vez por todas.
Um mundo fantástico
Tudo em Raya e o Último Dragão é espetacular, desde o Druun, que é representado como uma espécie de fumaça roxa que consome tudo, até a ambientação das nações. Embora próximas, os hábitos, trajes e construções de cada uma das regiões se diferenciam enormemente. Cada uma delas traz influências de diferentes culturas do sudeste asiático, o que é uma escolha criativa diferente e rica, já que normalmente esses países não são tão explorados na cultura pop quanto os do leste asiático.
Os detalhes e textura de alguns objetos, como a água, plantas, animais ou mesmo as estátuas de terracota praticamente saltam da tela, fazendo com que você se sinta dentro daquele universo mesmo assistindo em uma TV. O visual aqui é, de longe, o ponto alto. É até assustador lembrar de algumas animações da década passada e ver quão rápido tudo evoluiu.
Para melhorar tudo isso, as vozes originais têm uma energia incrível, com destaque para Awkwafina como Sisu, o último dragão. A interpretação dela oscila entre momentos épicos e pura ingenuidade, trazendo um contraste bom com Raya (Kelly Marie Tran), uma protagonista séria e desconfiada por conta das perdas que sofreu.
A jornada delas é bem previsível e segue a mesma receita de bolo e os altos e baixos de tantas outras histórias que já foram contadas pela Disney, mas é impossível não ser cativado pelo carisma das duas e também das pessoas que elas encontram pelo caminho.
Esses novos personagens que surgem na jornada servem justamente para desafiar algumas ideias preconcebidas que Raya, ou mesmo o espectador, podem ter por conta de um primeiro contato e mostrar que humanos são multifacetados.
As quase duas horas de filme passam em um piscar de olhos por conta do esmero colocado em cada cantinho para tornar os cenários mais ricos e os personagens mais interessantes. A única que acaba não sendo tão bem desenvolvida é Namaari (Gemma Chan), a rival de Raya, embora essa escolha seja compreensível dentro da história.
Raya e o Último Dragão traz um mundo de fantasia, mas a mensagem é muito mais real do que os filmes clássicos do Walt Disney Animation Studios que apostam em um único vilão sem redenção, um par romântico e um protagonista perfeito. Humanos são falhos e podem fazer coisas terríveis em nome de proteger seus interesses, mas podem também ter um outro lado que não fica sempre à mostra e que é muito mais fácil de se identificar.