É possível duas interpretações da mesma premissa coexistirem na mesma franquia? Essa parece ser uma realidade para A Morte do Demônio (ou Evil Dead). Ao longo da última década nos cinemas, na TV e nos games, a saga conseguiu satisfazer tanto o fã nostálgico quanto os novatos ou ansiosos por uma modernização.
O lado saudosista sempre pareceu ganhar mais atenção, com três excelentes temporadas da série Ash vs. Evil Dead e o jogo Evil Dead: The Game, bastante elogiosos à trilogia original de Sam Raimi e Bruce Campbell. Para quem buscava uma reinterpretação mais violenta, o remake A Morte do Demônio (2013) segue como um queridinho cult, mas poucas movimentações haviam acontecido - até agora.
A Morte do Demônio: A Ascensão, que chega agora aos cinemas, retoma a linha do remake depois de uma década: reimaginar a essência da saga por uma ótica mais sádica, sombria e grotesca que a trilogia clássica. O resultado vem com ressalvas, claro, mas definitivamente convence pela brutalidade.
Constantes e Variáveis

O longa segue Beth (Lily Sullivan), uma roadie que busca a ajuda da irmã distante Ellie (Alyssa Sutherland) ao descobrir estar grávida. Hospedada em sua casa ao lado dos dois filhos dela, a jovem vê sua relação fraternal se tornar ainda mais amarga quando Ellie é possuída por algo perverso e começa a ameaçar a vida de todos os envolvidos.
Em termos de estrutura, A Ascensão joga seguro. Todos os elementos que se espera de um Evil Dead estão presentes: o livro, os demônios de boca-suja, os heróis incomuns, e a luta pela sobrevivência até o amanhecer. O filme reconhece que não vai reinventar a roda, e há algo curiosamente satisfatório nisso.

Pode não ser a abordagem mais empolgante, especialmente quando os originais de A Morte de Demônio influenciaram todo um subgênero do horror. Mas ainda assim é uma forma interessante de tocar em uma franquia tão amada sem se render à nostalgia barata. Não é nada de novo, mas também não é apelativo ao ponto de novamente girar em torno de Ash e aquela fatídica noite oitentista.
Mortos ao Amanhecer

Assim como nos originais, a noite maldita avança em uma verdadeira sucessão de desgraças, ao ritmo que a maldição toma pessoa por pessoa como uma infecção. Com a família isolada no conjunto habitacional, todo objeto cotidiano pode ter uso deturpado para fins sanguinolentos. Uma personagem possuída devora uma taça de vinho como se fosse cereal, mastigando e engolindo os cacos de vidro, enquanto outra cena traz um ataque brutal… com um ralador de queijo. Tudo isso só aumenta a imprevisibilidade das criaturas, que podem transformar qualquer coisa do apartamento em arma.
O filme é dirigido e escrito por Lee Cronin, cineasta escolhido por Raimi e Campbell para tocar o projeto após chamar a atenção com O Bosque Maldito (2019). Ainda que demonstre certa pressão em ser elogioso aos antecessores, o cineasta parece se divertir com o desafio de manter tudo visualmente interessante dentro do confinamento da locação única, e também de abraçar o uso de efeitos práticos sempre que possível.

Cronin acerta a mão ao buscar estabelecer sua própria identidade visual para Evil Dead, que flerta muito com a estética de movimentos europeus como a Nova Extremidade Francesa, pelo seu uso contido de locações e apego por despertar aflição no espectador com sua violência e avalanche de sangue (literal, até).
Seu maior problema é não saber como manter a tensão constante entre suas doses esporádicas de desgraças. O cineasta frequentemente deixa a bola cair, com trechos que não são silenciosos o bastante para reiniciar o suspense, e nem intensos o suficiente para tirar o fôlego. Para muitos, isso pode ser o suficiente para dar a noção de algo que não engata, mas sim que pega nos trancos e barrancos.
Mesmo com problemas de ritmo e originalidade, A Morte do Demônio: A Ascensão é um ótimo capítulo para uma franquia na ativa desde os anos 1980. O longa utiliza da mesma premissa da trilogia de Sam Raimi e pega a estética estabelecida por Fede Alvarez, e expande esse rol com sua própria voz e estilo. Ainda que possa soar um pouco repetitivo para os fãs de longa data, ainda merece atenção por sua experiência criativa, contida e muito sanguinária, feita sob medida para divertir e deixar aflito em medidas iguais. De certa forma, isso só mostra um ótimo entendimento da essência de Evil Dead.