Se a Pixar fosse uma pessoa, não seria difícil imaginar o Painel de Comando dentro de sua cabeça sendo liderada por Alegria, ao menos nos primeiros anos. Afinal, boa parte dos filmes da safra inicial, como Toy Story (1995), Vida de Inseto (1998) e Monstros S.A. (2001), foi primordialmente direcionada ao riso, à diversão, ao encantamento.
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Conforme o estúdio de animação foi amadurecendo e descobrindo o poder catártico das lágrimas, Tristeza começou a ganhar cada vez mais espaço, apertando os botões em momentos-chave de Toy Story 2 (1999), Procurando Nemo (2003) e Up: Altas Aventuras (2009). Até que as duas emoções chegaram ao equilíbrio, no agridoce final de Toy Story 3 (2010).
Nos anos recentes, a Pixar entrou em um novo período da vida, possivelmente com outro sentimento à frente das decisões — algo que se reflete em sua produção. Quando aposta em material original, muitas das obras carecem daquele brilho extra de outrora, casos de Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (2020), Luca (2021) e Elementos (2023). Quando investe em seu legado através das sequências, os resultados variam de razoáveis, como Procurando Dory (2016) e Os Incríveis 2 (2018), a decepcionantes, a exemplo de Toy Story 4 (2019).
Nesse sentido, Divertida Mente 2 ilustra com perfeição a fase atual. A continuação segue de onde o excelente primeiro longa-metragem (2015) havia parado, com Alegria (voz de Amy Poehler no original e de Miá Mello na dublagem brasileira) tendo encontrado um modo mais equilibrado de guiar a garota Riley, ao lado das colegas Tristeza (voz de Phyllis Smith/Katiuscia Canoro), Nojinho (voz de Liza Lapira/Dani Calabresa), Raiva (voz de Lewis Black/Leo Jaime) e Medo (voz de Tony Hale/Otaviano Costa).
Tudo muda, porém, quando um alarme dispara na Sala de Comando, avisando que Riley (Kensington Tallman/Isabella Guarnieri), agora com 13 anos, acaba de entrar na puberdade. E, para lidar com a nova realidade, novas emoções entram em cena: Ansiedade (voz de Maya Hawke/Tatá Werneck), Inveja (voz de Ayo Edebiri/Gaby Milani), Tédio (voz de Adèle Exarchopoulos/Eli Ferreira) e Vergonha (voz de Paul Walter Hauser/Fernando Mendonça).
O roteiro de Meg LeFauve e Dave Holstein, escrito a partir do argumento de LeFauve e do diretor Kelsey Mann, tem bons achados, como a justificativa simples e eficaz para o papel reduzido dos pais na nova história. Também funciona bem a decisão de evitar o clichê do romance adolescente e, em vez disso, retratar as agruras dessa fase por meio das interações sociais: Riley enfrenta o dilema de escolher entre se manter fiel às melhores amigas ou se enturmar com a ídola, a capitã do time de hóquei.
Uma armadilha da qual o segundo filme não escapa, no entanto, é repetir a mesma estrutura e unidades narrativas do primeiro. Se antes Alegria e Tristeza tinham de se aventurar nos recônditos da mente para recuperar as memórias base, aqui elas vão mais uma vez, agora à procura de outro MacGuffin — termo popularizado por Alfred Hitchcock e que se refere a qualquer artefato que faz o enredo avançar, mas não tem valor em si.
Até o aprendizado de Alegria — e, em decorrência disso, a conclusão do arco da personagem e o próprio clímax da trama — é basicamente igual ao do longa anterior, o que reduz a carga dramática de ambos. Como diria o saudoso Bing Bong: “lá está o déjà vu e lá está o déjà vu.”

A saída encontrada é costurar essas repetições com piadas avulsas para tentar criar a ilusão de frescor. E, nesse quesito, a animação se safa. Ainda que pouco relevantes, são divertidíssimas as sequências na Terra da Imaginação e, especialmente, no Cofre dos Segredos — esta já vale por preparar terreno para um hilário deus ex-pochete.
Algo similar acontece com o elenco estreante. Se, por um lado, Ansiedade é capaz de cativar com seu charme frenético, por outro, sua jornada não deixa de ser uma versão extremada daquela retratada no filme original: convicções bem-intencionadas porém equivocadas a fazem conduzir Riley a uma crise.
A diferença é que a nova personagem fica sem epifania e, portanto, sem um arco completo — seus percalços, afinal, funcionam como subtrama, um mero acessório para a narrativa principal, protagonizada por Alegria. E aqui, as piadas avulsas que costuram essa subtrama são os demais novatos. Com pouquíssimo tempo de tela, eles praticamente se resumem a dois ou três gracejos cada, tornando-se coadjuvantes ainda menores do que Nojinho, Raiva e Medo.
Entre tropeços e acertos, Divertida Mente 2 consegue fazer rir e pensar, ainda que sem a mesma sensibilidade ou deslumbramento de seu predecessor. É como se a Sala de Comando da Pixar fosse hoje liderada por Ansiedade, que atravanca os processos criativos, não consegue lidar com o passado e é pouco eficaz ao tomar novos rumos. Só nos resta torcer para que o estúdio recupere o foco e volte a deixar a imaginação correr — e que nunca entregue as rédeas para emoções como Vergonha ou Nostalgia.
O filme está em cartaz nos cinemas brasileiros.