Deadpool & Wolverine chega aos cinemas acompanhado do debate a respeito da fadiga dos filmes de super-heróis. O exemplo mais citado é o próprio Universo Marvel, que foi de sucessos estrondosos para uma inconstância entre os próprios fãs. Um dos sintomas desse esgotamento é a famosa “lição de casa”, ao exigir que público tenha assistido a determinados filmes e séries anteriores para aproveitar de verdade o lançamento da vez. Dessa forma, chega a ser curioso que o novo filme de Deadpool use essas tarefas como arma em uma aventura que atira para todos os lados e acerta os alvos principais.
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Essa veia fica clara na própria sinopse do projeto. Nele, o Deadpool (Ryan Reynolds) – em seu terceiro filme – parte em uma jornada para salvar o próprio universo com a ajuda do Wolverine (Hugh Jackman) – que estava aposentado após a despedida em Logan (2017), o nono filme em 17 anos. Tudo isso no Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), que está atualmente na Fase 5. Esse nó se torna tanto um desafio quanto uma bússola para o longa, que usa a sacada metalinguística do protagonista para construir a estrada pela qual passeia.
O primeiro grande trunfo do título é abraçar esse porte de filme-evento sem se esquecer quem é o dono da festa. Em poucos segundos, o espectador é lembrado de que esse é um filme de Deadpool, com o Mercenário Tagarela desembestado a fazer piadinhas obscenas, dilacerar adversários em lutas violentas e tudo o mais. A produção até segue algumas das tradições estabelecidas pelos longas anteriores para que todo mundo se sinta em casa.
E ninguém está mais à vontade do que Ryan Reynolds. Grande responsável por fazer a franquia decolar, o astro chega ao terceiro filme completamente seguro do que construiu com o personagem e traz de volta a verborragia indecorosa de sempre. É uma pena que o roteiro – escrito a 10 mãos, incluindo as do próprio Reynolds – nem sempre acerte nas piadas, especialmente quando repete a mesma estrutura em um curto espaço de tempo, tornando algumas delas gradualmente mais previsíveis antes de mudar o repertório.
Tirando o Wolverine da aposentadoria
Ninguém discute que o parquinho pertence ao Mercenário Tagarela, mas a produção faz valer a adição do Wolverine de Hugh Jackman. O ator desaposenta as garras em uma versão que é, ao mesmo tempo, uma celebração de tudo o que ele construiu no papel, e também uma bem-vinda exploração de aspectos que ficaram de fora na trajetória do personagem. Com isso, a produção sempre mantém uma sensação de familiaridade enquanto apresenta novas facetas de um dos grandes heróis das telonas.
Para a surpresa de ninguém, a dinâmica entre os dois faz valer toda a espera. A química entre Ryan Reynolds e Hugh Jackman dá vida a um roteiro que aposta no choque de suas personalidades para fazer essa dinâmica se desenvolver. O carisma da dupla serve de combustível não só para os pontos altos da trama, como ainda torna fácil fazer vista grossa para quando a trama pega atalhos em clichês, especialmente aqueles que já serviram esses personagens anteriormente.
A comédia, fortemente inspirada em clássicos de buddy cop – em que dois policiais opostos precisam unir forças para salvar o dia –, é um dos pontos altos da direção de Shawn Levy (Stranger Things). Experiente no gênero, o cineasta conhece os mecanismos para que as diferentes formas de fazer humor na produção ganhem espaço sem se canibalizar. Nesse ponto, brilham outros nomes do elenco, como Matthew Macfadyen (Succession), além de nomes que vamos manter em segredo para evitar spoilers. Especialmente porque uma das formas de fazer rir é através da ação, outro ponto em que a produção se sai bem. Ao menos na maior parte do tempo.
Reconquistando com pancadaria e nostalgia
Em grande parte, a pancadaria de Deadpool & Wolverine mantém o padrão estabelecido na franquia, especialmente pelo segundo, que teve direção do ex-dublê David Leitch. Com uma liberdade maior para a violência dentro do MCU, graças à classificação indicativa para maiores, os embates trazem a esperada dose de ossos partidos e sangue derramado, algo importante tendo em vista que os protagonistas são conhecidos justamente pela pancadaria.
Os combates mano a mano continuam sendo o ponto alto da produção, mesmo quando envolvem superpoderes, habilidades extraordinárias ou armas como garras de Adamantium. Alguns deles parecem saídos diretamente das páginas duplas das HQs, misturando a agilidade de coreografias dinâmicas e vistosas com poses impactantes criadas com o intuito de grudar na mente do espectador.
É uma pena que a ação decaia em alguns pontos, incluindo em combates de grande escala. Shawn Levy faz o que pode, mas não lida bem quando há várias lutas acontecendo ao mesmo tempo, por vezes adotando uma condução competente, mas sem brilho. Essa questão enfraquece alguns dos momentos planejados para fazer a alegria dos fãs, que chamam a atenção justamente porque decaem o nível em uma produção que também tem cenas grandiosas bem executadas.
Até porque, ao fim da rodagem, Deadpool & Wolverine deixa claro que o grande objetivo da produção é fazer a alegria dos fãs. Fãs esses que a produção sabe que foram cativados ao longo da trajetória desses personagens nos filmes anteriores. Afinal de contas, o Carcaju é o grande rosto dos X-Men, cujos filmes ajudaram a lançar a onda atual de super-heróis, enquanto o Mercenário Tagarela trouxe um novo fôlego ao propor essa fórmula boca suja e violenta como um caminho para os encapuzados.
Essa herança dá ao filme sua razão de ser. Consciente de que é resultado de uma longa história, escrita dentro e fora das telas, o título se esforça para celebrar – e zoar – esse legado com o show esperado por quem vai aos cinemas. Tal abordagem pode afastar quem não embarcar na proposta, especialmente porque pode ser percebida como vazia.
Por outro lado, esse tratamento pode ser um banquete pela forma como costura o passado com o presente em um comentário mais esperto do que pode parecer à primeira vista. Até porque, em algum lugar desse caos todo, há alguma reflexão sobre poder das histórias, interesses em franquias, rejeição dos fãs e muito mais. Mas isso fica para outra hora.
Hoje, imperfeito e apaixonado como é, Deadpool & Wolverine pode não ser a salvação do Universo Marvel ou dos super-heróis, mas é um caótico, obsceno e ocasionalmente singelo lembrete de que, às vezes, ainda há o que se aprender com lições de casa. Afinal de contas, há poucas coisas mais nerds do que encontrar diversão nas tarefas.
Único lançamento do Marvel Studios nas telonas em 2024, Deadpool & Wolverine chega aos cinemas do Brasil nesta quinta-feira (25).