No Place for Bravery pode ser descrito como um RPG de ação em 2D, com toque soulslike, criado por brasileiros. No entanto, apenas essa descrição não faz jus a tudo que o jogo realmente entrega.
Desenvolvido pelo estúdio brasiliense Glitch Factory, o game é uma experiência desafiadora e profunda sobre perda e sanidade, que conta com narrativa e jogabilidade que conversam entre si.
Nem tudo é o que parece…
A história acompanha Thorn, um guerreiro aposentado que é assombrado pelo desaparecimento de sua filha, supostamente sequestrada por uma figura misteriosa conhecida como o Feiticeiro.
10 anos após o incidente, ele finalmente descobre uma pista do paradeiro da menina e decide partir em uma jornada de busca, com a ajuda de Phid, um garoto que nasceu com as pernas desabilitadas e foi adotado pelo guerreiro.

A jornada é dura e sangrenta, e foca na pergunta: "até que ponto Thorn é capaz de ir para descobrir o que aconteceu com a filha?". A parte mais curiosa é que a resposta depende do próprio jogador. Isso porque o título conta com um sistema de escolha em partes específicas da trama, em que cabe a você decidir se é hora da busca incessante de Thorn acabar ou não, o que leva ao fim do jogo.
Assim, há finais alternativos em momentos diferentes do game, uma proposta ambiciosa e inusitada, e que funciona muito bem na prática. Na minha experiência, a curiosidade em desvendar os mistérios por trás do desaparecimento da menina falaram tão alto que, até quando Thorn começou a ter atitudes duvidosas, continuei até o fim. Mas é melhor parar por aqui para não entregar spoilers, apenas deixo o aviso de que nem tudo é o que parece…
No Place for Bravery se passa no mundo fictício de Dewr, um universo inédito com uma mitologia própria. Apesar do foco em Thorn, a história encontra espaço para explorar os conceitos desse universo, que é relativamente complexo e envolve magia, guerras políticas e até uma criatura gigante capaz de destruir o mundo como conhecemos.
Um soulslike pixelado e divertido
Assim como a narrativa, a proposta da jogabilidade de No Place for Bravery também é ser desafiadora. O jogo apresenta um estilo 2D e câmera top-down (ou seja, com visualização de cima) e foca na mistura de combates intensos e exploração.
O mapa conta com seis regiões diferentes, que apresentam um level design simples, mas com espaço para puzzles de ambiente e áreas com conteúdo opcional. Há até um toque metroidvania, com lugares que você terá que deixar para trás pois só serão acessíveis no futuro.

Já o combate tem um tom soulslike. Thorn pode alternar entre três armas que são adquiridas ao progredir na história: a espada com escudo, o martelo e a besta. O interessante é que cada um tem suas próprias funcionalidades tanto para combate quanto exploração. A espada gera ataques rápidos e defesa com escudo, já o martelo quebra barreiras mágicas, e a besta permite luta a longa distância – além de todos serem usados em quebra-cabeças diferentes pelo mapa.
Além das armas, Thorn também tem habilidades especiais, como empurrão, tiro rápido de virotes e corrida rápida (dash), que tornam os conflitos mais dinâmicos. Já os sistemas de defesa são bloqueio com escudo, esquiva e o clássico “parry”, e todos são efetivos da mesma maneira para escapar de golpes.
De forma geral, as mecânicas de combate dependem de timing, ou seja, acertar o tempo certo para atacar, contra-atacar ou defender. Os inimigos e os chefões (que apresentam barras imensas de vida) são variados e apresentam padrões diferentes de ataque. Então é preciso se adaptar e atacar da maneira mais efetiva em cada confronto.
Toda a mistura gera muitas possibilidades para as lutas, que são instigantes até com inimigos comuns, incentivando o jogador a alternar entre armas e habilidades no meio da pancadaria. Acredite, usar tudo que Thorn oferece é muito satisfatório e viciante!

Morrer em No Place for Bravery causa a perda de uma quantidade de moedas, além de forçar o jogador a voltar para o último Memorial de Batalha (que funciona como a “bonfire” de Dark Souls) e faz com que os inimigos reapareçam. Isso torna comum e repetitiva a situação de refazer caminhos inteiros até voltar para onde estava antes. No entanto, isso não passa uma sensação punitiva, sendo mais um elemento desafiador que precisa ser abraçado (e superado) pelo jogador.
Grandiosidade em pixels
Uma das características mais chamativas de No Place for Bravery é o visual. Os gráficos são em pixel art, mas com um estilo moderno e não retrô. Os cenários apresentam muito sangue, cadáveres, monumentos e detalhes variados, além de serem grandiosos em certos momentos, com elementos inusitados e chamativos visualmente, como um imenso crânio de monstro e espadas gigantes.
As animações em pixels são muito bem feitas, sendo violentas e até sangrentas. Finalizar inimigos, por exemplo, resulta em cenas com tripas, cabeças explodindo e por aí vai. A câmera ainda se movimenta para dar mais destaque ou revelar mais das ambientações, algo que também acontece em lutas contra chefões, que passam a impressão de que somos seres minúsculos e aumentam a pressão do confronto.
A trilha sonora acompanha a grandiosidade do visual e o clima medieval da trama, com músicas que intensificam os momentos tensos da história e estabelecem o tom frenético das lutas.
Por fim, o game conta com três níveis de dificuldade, que oferecem uma experiência mais casual e fácil, voltada para quem quer apenas curtir a história, até algo mais desafiador e difícil para aqueles que se sentirem mais corajosos. Também há modificadores isolados, que se aproximam de opções de acessibilidade e consistem em aumentar a vida ou o vigor de Thorn, por exemplo.

No Place for Bravery é uma boa novidade do cenário independente de jogos no Brasil, além de ser um dos indies que mais me conquistaram neste ano.
O jogo da Glitch Factory é ambicioso e bem pensado, com uma narrativa que surpreende do início ao fim, um visual que encanta – mesmo com algumas tripas, braços decepados e rios de sangue aqui e ali – e uma jogabilidade viciante. Uma jornada única que, se você der uma chance, dificilmente sairá da sua cabeça tão cedo.
Este review foi feito com uma cópia cedida pela Glitch Factory.
No Place for Bravery está disponível para PC e Nintendo Switch.