Matéria Escura é a nova empreitada do Apple TV+ na ficção científica. A série adapta o famoso livro homônimo de Blake Crouch, que atua como criador, produtor executivo e roteirista da versão live-action. Um controle criativo que dá frutos já nos dois primeiros episódios, que marcam um início intrigante, mas lento, para a produção.
O seriado conta a história de Jason Dessen (Joel Edgerton), um físico e professor universitário que construiu família ao lado da artista Daniela (Jennifer Connelly), com quem teve o filho Charlie (Oakes Fegley). Essa vida estável é virada de cabeça para baixo quando ele é sequestrado e enviado para uma versão alternativa da própria vida em que tudo é diferente do que conhecia.
A sinopse acima é propositalmente vaga para não roubar algumas das surpresas daqueles que ainda não sabem do que se trata, ou não tenham lido o livro original. Mas por meio dela já é possível comentar algumas das forças e fraquezas da etapa inicial de Matéria Escura.
A produção começa com um retrato sóbrio da vida de Jason Dessen. O cotidiano do professor e sua família não demonstram nada de especial além do carinho e amor que os une. Até porque essas relações, além de sentimentos internos a respeito dos rumos que a própria vida está tomando, servem de base para que as mudanças forçadas sejam impactantes.
Afinal de contas, Jason é levado a um mundo paralelo contra a própria vontade e precisa lidar com essa nova situação em um local quase tão comum quanto o lar que deixou para trás. E a palavra "quase" é a chave, pois nesse novo local, ele desperta o interesse de pessoas as quais nunca viu e por motivos que ele próprio não compreende.
Todas essas questões não são inéditas dentro da ficção científica, mas Matéria Escura conquista pela forma como constrói a situação e seus personagens. O roteiro escrito pelo próprio Blake Crouch, autor do livro original, ganha vida em interpretações certeiras do elenco, em especial Joel Edgerton e Jennifer Connelly.
Donos da maior parte do tempo de tela dos capítulos iniciais, os atores demonstram uma química invejável quando juntos e são certeiros nas diferentes construções de seus personagens isoladamente. Afinal de contas, Jason e Daniela têm duas versões que se mostram diferentes o suficiente para sabermos que se tratam de outras pessoas, mas não tão distintos ao ponto de descaracterizá-los.
Um feito que se deve também à direção de Jakob Verbruggen (Black Mirror), que foca em retratar esses personagens de forma sóbria, mas atenta para quando deve se aproximar ou distanciar deles. A forma como o cineasta conduz as cenas dos Jasons, por exemplo, não só realça as diferenças entre eles, como cria uma identidade visual própria que diz muito antes que qualquer palavra seja dita ou gesto seja feito.
O grande problema dos episódios iniciais de Matéria Escura está em seu ritmo. A produção aposta em cozinhar a trama de forma lenta, o que não seria um problema se ela não abaixasse o fogo justamente na hora em que as coisas deveriam entrar em ebulição. O episódio de estreia, por exemplo, leva muito tempo para revelar a Jason algo que o espectador já percebeu há muito tempo.
É uma decisão estranha, porque a própria trama fornece as pistas necessárias para que o público descubra e depois gasta longos minutos até permitir que o protagonista faça o mesmo. Uma espera que poderia ser justificada caso a trama trouxesse elementos novos ou apontasse para novas questões, mas é como se tudo estacionasse na espera do protagonista nos alcançar.
Nesse ponto, faz sentido que a produção faça uma estreia com episódio duplo. Afinal de contas, é no segundo que a produção mostra a que veio ao oferecer respostas que alimentam mistérios e mantém o público atento por não estar à frente dos próprios personagens. Especialmente porque finalmente escancara as portas da ficção científica e mostra que os riscos são mais altos do que qualquer personagem poderia prever.
Uma conclusão impactante que se torna um gancho forte para o restante da temporada, que tem diante de si o desafio de fazer jus a um livro tão aclamado. Resta saber se todo investimento – incluindo do próprio autor – vai se pagar, ou se é melhor ficar apenas na obra original.
Matéria Escura estreia nesta quarta-feira (8), no Apple TV+, e ganha novos episódios semanalmente.