O mais novo sucesso da Netflix é Dahmer: Um Canibal Americano, série que conta a história de Jeffrey Dahmer, um dos maiores serial killers da história. Ao longo de 10 episódios, a produção detalha os crimes, a investigação (ou a falta dela) e até a vida do assassino na prisão. Curiosamente, o seriado deixa de fora uma porção fundamental da história do criminoso, que é contada em uma outra obra.
Meu Amigo Dahmer é uma HQ escrita e desenhada pelo premiado quadrinista Derf Backderf, que foi amigo de Dahmer na adolescência. Vencedora de diversos prêmios, a graphic novel foi a forma que o autor encontrou para extravasar a descoberta que um de seus colegas de escola havia cometido atos tão horrendos.
O quadrinho se dedica exclusivamente à adolescência de Jeffrey Dahmer, o período que Backderf conviveu com o assassino. Partindo de sua perspectiva única enquanto amigo próximo, o quadrinista se debruçou sobre todas as informações disponíveis a respeito dos anos do homicida no colegial.
Além de assistir a depoimentos e entrevistas que o criminoso e seus pais deram à imprensa, o quadrinista entrevistou colegas, professores e até visitou a casa que Dahmer morou na juventude. Tudo isso para colocar a peça que falta no quebra-cabeças que é entender como esse monstro foi criado.

Talvez por partir de um ponto de vista pessoal – afinal de contas, é o autor tentando entender como o carinha esquisito da escola se tornou um maníaco –, Meu Amigo Dahmer não tem interesse pelo espetáculo. O maior trunfo da HQ é justamente sua visão analítica da situação, fugindo de um discurso raso que poderia facilmente cair no erro de se sustentar na exploração do choque dos atos do assassino.
Backderf expõe a descida de Dahmer ao inferno de forma honesta, reunindo os vários elementos que gradativamente levaram à crueldade que ainda choca o mundo, décadas depois. É uma reflexão de cada degrau dessa espiral perversa, que parte de graves problemas dentro de casa, passa por invisibilidade social, negligência por parte das instituições, alcoolismo e por aí vai. Etapas que costumam ser ignoradas por parecerem menores diante dos perturbadores crimes que o tornaram famoso.
Sem a pretensão de chocar, o autor prova que não são os detalhes sórdidos que tornam essa história digna de estudo. Alguns dos momentos mais inacreditáveis sequer têm a ver com crimes, como descobrir que a personalidade caótica de Dahmer lhe rendeu uma espécie de Fã Clube na escola, ou que ele chegou a se encontrar com um vice-presidente dos EUA usando apenas a lábia.

Os paralelos que a HQ faz entre pequenos eventos da juventude de Dahmer com o que ele viria a ser são mais sutis por fugir da apelação. O quadrinho sequer conta qualquer um dos assassinatos de Dahmer, e nem assim perde o fator de denúncia. O choque vem da conclusão que um criminoso cruel e mundialmente famoso pode ser formado bem debaixo dos narizes de familiares, autoridades e até amigos.
Nesse ponto, vale notar também o cuidado de Derf Backderf para preservar os envolvidos na história. Praticamente todos tiveram seus nomes alterados ou foram desenhados de forma ligeiramente diferente do que aparentavam na realidade, justamente para evitar o desgaste dessas pessoas. Um cuidado valioso que se destaca no momento em que familiares das vítimas condenam a Netflix por transformar sua dor em entretenimento.

Por contar um dos momentos mais chocantes da história moderna através de uma perspectiva pessoal, Meu Amigo Dahmer se mostra um relato potente contado por um artista de mão cheia. Com o retorno do interesse pelo assassino, a HQ é uma boa recomendação tanto para quem conferiu a série da Netflix e ficou curioso pelo tema, quanto para quem quer conhecer o caso mas não tem apetite por sanguinolência.
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Meu Amigo Dahmer foi publicada no Brasil pela DarkSide Books.