São poucos os estúdios que podem dizer que se tornaram referência para algum gênero, ainda mais um tão antigo e tradicional como o JRPG (o RPG japonês) — e esse é o caso da Atlus. Com Persona e Shin Megami Tensei, a empresa criou jogos com uma identidade única não apenas nas franquias, mas também em si próprio, o que conquistou uma legião de fãs ao redor do mundo.
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Agora, a Atlus busca um passo mais ambicioso com Metaphor: ReFantazio que, desde o anúncio, foi descrito como a culminação de toda a experiência dos desenvolvedores com as franquias passadas, mas com a temática inédita de fantasia.
E, apesar das altas expectativas provenientes da declaração, o jogo cumpre o objetivo e surpreende com uma experiência que não apenas faz jus a todas as marcas registradas do estúdio, como também usa a fantasia para aperfeiçoá-las.
Intrigas da realeza (e reais)
Ambientado em um universo no qual magia e monstros existem, Metaphor: ReFantazio coloca o jogador no meio de uma imensa trama com intrigas políticas e morais.
Pouco antes de ser assassinado, o rei de Euchronia lançou uma “maldição” no reino, estabelecendo que o próximo a ser coroado não será da família real, mas alguém escolhido pela própria população. Uma magia verá a verdade no coração de cada cidadão, fazendo com que aquele que conta com mais apoio se torne o novo governante.
O problema é que um dos favoritos do povo é Louis, o próprio assassino do último rei, que não poupa esforços para esconder o crime, deixando claro que vai derramar o sangue que for preciso para ter mais poder em mãos. Apesar de ser um monstro, o vilão mantém um exército de seguidores (o que não é tão distante da nossa realidade, né?), e resta aos protagonistas tentarem impedi-lo de conquistar o trono.

No meio de toda a trama política, há ainda alguns mistérios paralelos que guiam o grupo protagonista, como a correlação entre o universo fantasioso do jogo e a nossa realidade. Isso porque a noção de sociedade contemporânea — em que todos os cidadãos são vistos iguais perante as leis, e não existe magia — é um “conto de fadas” quase inalcançável para o reino, que é assolado por discriminação, preconceito e intolerância, e regido pela “lei do mais forte”.
Assim, Metaphor: ReFantazio mantém a seriedade necessária para a abordagem importante de temas relevantes e atuais, mas sem deixar de ter leveza e humor nos momentos certos. Como era de se esperar da Atlus, o coração da história está na construção dos personagens e da relação entre eles, e não faltam reviravoltas — apesar de alguns pequenos clichês aqui e ali — para manter o jogador preso naquele mundo a todo momento.

Falar em reviravoltas nos leva à estrutura de Metaphor: ReFantazio, que se difere de outros jogos da Atlus que são mais “pré-estabelecidos” em termos de ritmo narrativo. Apesar de um objetivo inicial um tanto direto, a premissa leva o grupo principal por uma sequência inusitada de eventos, transmitindo a impressão de ser mais “solto” narrativamente. Um deles, por exemplo, mostra os protagonistas presos no estômago de um verme-de-areia, recorrendo ao furico da criatura para escapar do local antes da digestão começar — e nem preciso dizer quantas risadas foram soltas com essa surpresa.
Essa ideia também é refletida na exploração, uma vez que o jogo repete a noção de progressão de tempo de Persona para progredir nos conteúdos principal e secundário, com o sistema de calendário. Ou seja, o jogador precisa escolher tarefas diárias opcionais até o prazo para avançar na campanha começar a apertar, e saber gerenciar bem o tempo livre.
Só que a sensação é levemente diferente na prática, graças ao tema de fantasia, já que ela impõe algumas regras específicas. As viagens entre cidades e masmorras (as famosas “dungeons”), por exemplo, são feitas por um Trotador, uma imensa máquina com pernas, o que adiciona alguns dias de “viagem na estrada” ao calendário. E há uma mecânica de clima, na qual chuvas e tempestades podem afetar a dificuldade dos inimigos (anulando pontos fracos) e até o humor de comerciantes.
São vários pequenos detalhes do tipo que moldam o mundo de Metaphor: ReFantazio, afetando a exploração e adicionando um toque único ao jogo.

Algo importante do conteúdo opcional da exploração é o “social link” — ou seja, os vínculos com personagens específicos que, ao se aproximarem do protagonista, dão melhorias e habilidades de jogabilidade. Ao todo, são mais de 10 NPCs que oferecem laços que podem ser estreitados, e muitos resultam em upgrades importantes e tramas paralelas que aprofundam ainda mais os principais pilares da narrativa.
A má notícia, no entanto, é que o romance não está presente em Metaphor: ReFantazio. Segundo os desenvolvedores, a ausência se deve ao fato de que a história pesa em seriedade, então o protagonista não poderia ter distrações do tipo — como poderia um estudante de Persona, por exemplo. Como fã dos momentos românticos das franquias do estúdio, sinto que o motivo não traduz na prática, já que, assim como mencionado antes, a trama entrega momentos descontraídos apesar do tom sério. Então o que alguns dates soltos em tabernas trariam de mal?

Desafiador de forma inteligente
Chegamos à jogabilidade de Metaphor: ReFantazio, que gira em torno de combates em turnos e do uso de Arquétipos, criaturas mágicas que podem ser despertadas pelos protagonistas — e se assemelham aos Persona. São eles os responsáveis por ditar o combate, adicionando toda a magia às lutas, com danos elementais, efeitos de avarias, feitiços de proteção e cura, porradas diretas mais potentes e por aí vai.
É possível equipar qualquer Arquétipo em qualquer membro da equipe, o que amplia as possibilidades de estratégia ao somar com outras mecânicas de combate, como formação e posicionamento dos personagens, pontos fracos dos inimigos, acessórios equipados e até noção de saber a hora de atacar ou defender. Porque acredite: você vai precisar pensar (e muito) para sobreviver a cada luta!
A dificuldade, de forma geral, pende para um aspecto punitivo e impiedoso, principalmente em masmorras. Se o jogador não estiver bem preparado, basta um simples erro ou falta de atenção para enfrentar consequências desastrosas. Cada dungeon ainda apresenta particularidades e adversários específicos, mas todas têm um “level design” simples e direto (com poucas áreas secretas ou baús difíceis de serem encontrados), apostando em peso nesse aspecto desafiador.
O balanceamento, então, vem por meio das próprias possibilidades de “build” — ou seja, a formação da equipe e dos Arquétipos — e mecânicas que favorecem quem está com o controle em mãos, como a opção de “reiniciar” uma luta do zero, aumentar as rodadas ao acertar pontos fracos ou poder derrotar inimigos mais fracos sem entrar no combate em turno. A ideia é que, ao mesmo tempo em que aumentam a dificuldade, os desenvolvedores também dão as ferramentas necessárias para superá-la.
Assim, esse nível de dificuldade leva a uma experiência que é recompensadora e satisfatória quando o jogador consegue superar os desafios, mas também pode ser frustrante ao apresentar uma masmorra com especificidades demais ao ponto de perder progresso e ser forçado a retroceder no calendário, só porque a ausência do acessório certo ou de um Arquétipo podem impedir o jogador por completo, por exemplo.

Basta uma espiada em qualquer cena de Persona ou Shin Megami Tensei para descobrir de qual jogo se trata — e com Metaphor: ReFantazio não é diferente, graças à excelente direção de arte que constrói uma identidade visual única.
Com inspiração em pinturas (e até referências diretas a obras reais), o jogo apresenta uma estética artística que conversa diretamente com o tema de fantasia medieval, esbanjando cores frias e aspectos da realeza. Além de ter indicativos visuais chamativos e bem pensados, que resultam numa interface estilosa, o que faz jus ao histórico da Atlus.
O mesmo pode ser dito do design de monstros, que reflete os temas da história ao brincar com misturas bizarras com elementos humanos e antropomórficos. Espere por muitos pássaros com rosto humano e óculos, dentes que andam, peixes com pernas e outras criaturas do tipo! Um detalhe interessante é como o estúdio cuida em detalhes dos visuais dos inimigos até no combate em turno, uma vez que comportamento e aparência do adversário muda ao receber golpes.

Em tudo que propõe, Metaphor: ReFantazio tenta ser grandioso, e esse aspecto é intensificado pela trilha sonora e efeitos sonoros. Com orquestras que ecoam um sentimento épico, as músicas tornam cada momento mais impactante, seja no meio da pancadaria contra um chefão ou em conversas com companheiros e simpatizantes da causa.
Por fim, não dá para deixar de falar sobre a presença de localização em português brasileiro para texto e legendas, especialmente pela importância de ser um JRPG com muito diálogo, em que é fácil ficar perdido se não souber o que está acontecendo. Além de ser o primeiro jogo inédito da Atlus a chegar na nossa língua logo no lançamento.
Toda a tradução está cuidadosa e bem feita, mantendo termos específicos e importantes para o entendimento da trama (como “ignitor” e “magla”) e adaptando bem os trocadilhos (como o calendário com dias apelidados de “ócio-feira”, “aqua-feira”, “flama-feira” e por aí vai). Finalmente os brasileiros foram vistos pelo estúdio — e felizmente com uma localização mais do que satisfatória.
Novo clássico da Atlus?
Desde que foi anunciado, Metaphor: ReFantazio carregou muita pressão sobre os ombros. Não apenas é o mais novo projeto dos criadores de Persona e SMT, como também chega para “acalmar” a espera por um Persona 6 após o excelente Persona 5 — uma tarefa praticamente impossível.
Mas a Atlus consegue surpreender mais uma vez. Épico e grandioso em tudo que faz, Metaphor: ReFantazio aperfeiçoa a fórmula que tornou as franquias anteriores do estúdio tão conhecidas, e dá início a um universo ainda mais vasto em possibilidades. Uma experiência de cerca de 70 horas que é obrigatória a todo fã de JRPG, e um dos melhores de 2024.
Esta review foi feita com uma cópia de PlayStation 5 cedida pela Atlus.
Metaphor: ReFantazio será lançado em 11 de outubro para PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series X|S e PC (via Steam), com legendas em português.
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