O lançamento de Senua’s Saga: Hellblade II está na porta, e sabe o que é uma boa preparação até lá? Assistir aos Dev Diaries do primeiro jogo. Lançados no Youtube entre 2014 e 2017, os vídeos acompanham o cotidiano da desenvolvedora Ninja Theory tentando tirar o projeto do papel, com todos os altos e baixos do processo.
Além de ser um fascinante mergulho no desenvolvimento de jogos, uma área que ainda é muito misteriosa para a maioria dos gamers, os vídeos evidenciam as condições em que Hellblade: Senua’s Sacrifice (2017) foi feito: sem publicadora, com uma equipe de pouco mais de 20 pessoas, e todo tipo de tecnologia improvisada. O objetivo era desafiar as tendências dos jogos Triple A da época, demonstrando que era possível criar aventuras de curta duração, focadas em single-player e sem deixar a desejar nos gráficos.
Olhar para o passado se torna muito curioso em comparação com os dias de hoje. Em 2017, o primeiro Hellblade fez sucesso no PlayStation 4 e PC, e brilhou ainda mais quando chegou ao Xbox One no ano seguinte, ao ponto de convencer a Microsoft a comprar o estúdio todo.
Atualmente, a Ninja Theory é parte da família Xbox, tem um escritório bem maior e praticamente quadruplicou a equipe, com cerca de 80 funcionários para desenvolver a continuação. Mas será que ainda existe algo daquele espírito independente, ou a desenvolvedora cedeu ao corporativismo? Para descobrir, o NerdBunker foi até Cambridge, no Reino Unido, para conversar com os desenvolvedores do novo game.
“Continuamos trabalhando da forma que queremos, mas agora com um pouco mais de apoio”, esclarece Mark Slater Turnstill, diretor de efeitos visuais em Hellblade II. “Na época do primeiro jogo, tínhamos várias restrições. Nossa equipe era de cerca de 20 pessoas porque não tínhamos dinheiro para mais — mas também não queremos nos tornar um estúdio gigantesco.”

“Para nós, ficar abaixo das 100 pessoas é importante porque te permite tomar mais riscos criativos. Estamos fazendo esse jogo porque queremos fazer. Talvez não seja para todos, mas acreditamos que existe um público que queira esse tipo de experiência. Tem sido ótimo que a Microsoft confia em nós para continuar fazendo o que amamos. É ótimo ter um pouco mais de apoio, mas sem perder a mão, mantendo a mesma moralidade do primeiro jogo. Ainda é aquilo de 'indie Triple A’.”
A ideia é aproveitar os novos recursos sem perder a alma do estúdio. Lara Derham, roteirista e diretora de captura de movimentos do novo game, afirmou que uma das principais mudanças com a compra do Xbox é poder interagir com outras desenvolvedoras do grupo: “Tem sido incrível poder trocar conhecimentos com os outros estúdios, e ter o apoio da Microsoft nos permitiu nos aprofundar na captura de movimentos, com mais capacidade para usar a tecnologia”, disse. “Mas, em coração, ainda somos a Ninja Theory.”
Essa dualidade entre a cultura de um estúdio pequeno, e a infraestrutura de uma grande desenvolvedora, fica bastante evidente no tamanho das equipes. O departamento de ambientes, por exemplo, conta com oito pessoas, encarregadas de criar todos os cenários de tirar o fôlego. Já os efeitos especiais, que tocam componentes da atmosfera do game, como iluminação, névoa, lama, poeira e afins, tem apenas cinco funcionários.
O segredo, segundo os desenvolvedores, está na expertise dos envolvidos. A Ninja Theory se orgulha de ter muitos veteranos, que não só tem bastante estrada na indústria como também muito tempo de casa. “Nós temos temos gente muito talentosa na nossa equipe”, falou Dan Atwell sobre o departamento de ambientes. “Somados, temos mais de 120 anos de experiência no desenvolvimento de games entre nós. Todo mundo é praticamente autônomo e fazem a minha vida ser um sonho porque eu posso só mandá-los para diferentes tarefas. Também temos boa retenção de talentos porque as pessoas gostam do ambiente e temos uma equipe muito forte.”

Há preocupação de que o desempenho de Hellblade II possa comprometer o futuro da Ninja Theory. Na época da nossa visita ao estúdio, essa ainda não era uma questão, já que tudo aconteceu meses antes da Microsoft encerrar outras desenvolvedoras. Ainda assim, Mark Slater Turnstill afirmou que uma das vantagens do estúdio é não crescer além da conta, o que impacta diretamente no desenvolvimento:
“Nós temos algumas coisas em nosso favor. Uma das partes boas de ser uma equipe pequena é poder reagir muito rapidamente. Em um jogo como Hellblade, a intenção é transmitir um sentimento, então temos que implementar mudanças e melhorias com eficiência. Muitas vezes você coloca algo e só não funciona, então precisamos saber o que todos estão fazendo para poder agir rapidamente e tentar coisas diferentes. Acredito que a velocidade que uma equipe reduzida trabalha é uma vantagem.É preciso saber as próprias forças, também, para não tentar fazer coisas que são além do escopo dos recursos que você tem, que é como surgiram muitas das decisões a respeito dos jogos que fazemos: single-player, focado em narrativa, sem árvores de habilidade ou qualquer coisa que não seja importante para contar a história. Economizamos muito tempo ao escolher não fazer essas outras coisas, podendo nos concentrar no que é importante para a trama.”
Confiança no jogador

A filosofia no estúdio, repetida entre todos, é de que a trama é o foco, e tudo que atrapalhar o desenvolvimento narrativo não têm lugar no jogo. Isso significa sequer ficar sinalizando botões a serem apertados na tela, para não quebrar a imersão de quem está envolto pela história: “Nós colocamos muita fé nos jogadores porque todos sabem que é preciso colocar o analógico para frente para correr”, falou Dan Atwell, diretor de arte ambiente, aos risos. “Não precisamos de mais um tutorial para isso!”
80 pessoas pode ser bastante para um projeto indie, mas não é tanto para os blockbusters, que cada vez mais precisam de equipes de centenas e centenas de funcionários pelo mundo todo. Ainda assim, a Ninja Theory consegue transitar entre esses dois extremos do desenvolvimento, e não se deixar levar pelos vícios de nenhum dos lados por conta do foco afiado na narrativa e, acima de tudo, em dar um próximo passo digno para Senua, a protagonista.

A partir disso, o estúdio busca formas de criar visuais incríveis, combate tenso e um mundo histórico de atmosfera rica a partir da boa sintonia entre departamentos. “É maior que a soma de todas as partes”, reforça Mark Slater Turnstill. “Nada realmente funciona até você ter os efeitos visuais, o áudio, as animações, as cutscenes e o cenários. Uma área depende da outra.”
No fim das contas, parece que a Ninja Theory conseguiu a árdua tarefa de não deixar a noção de crescimento subir à cabeça. Em vez disso, aproveita da segurança do grupo Xbox para continuar criando algo confiante, que não tem medo de correr riscos.
“Há muito espaço para experimentação nos games, não acredito que seja preciso ficar seguindo padrões que todos estão seguindo”, falou Turnstill. “Há tantos indies incríveis que fazem as coisas de jeitos diferentes e se destacam. Esse é mais um dos vários jeitos que a gente reforça nossa ideia de ‘indie Triple A’, porque tentamos coisas diferentes. Nem sempre funciona, mas quando dá certo, é muito legal.”
Senua’s Saga: Hellblade II chega ao Xbox Series X | S e PC em 21 de maio. O jogo estará disponível no catálogo do Game Pass logo no lançamento.
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