Quando Hellblade: Senua’s Sacrifice saiu, em 2017, rapidamente conquistou os fãs e a crítica pela narrativa macabra, que acompanhava uma guerreira celta lutando contra horrores e contra as vozes da própria cabeça rumo ao inferno viking, para resgatar a alma de seu falecido amado.
Senua é uma protagonista fascinante pela determinação em meio a uma realidade violenta, que segue em frente mesmo à beira da insanidade. No meio disso tudo, a personagem ganha vida por uma atuação muito poderosa por Melina Juergens — que, curiosamente, estreou como atriz em Hellblade. Antes disso, ela era uma editora de vídeo da Ninja Theory, o estúdio que desenvolve o game.
O NerdBunker teve a oportunidade de visitar a sede da Ninja Theory em Cambridge, no Reino Unido, para testar o vindouro Senua’s Saga: Hellblade II, e conversar com Melina Juergens sobre a jornada com a personagem, e sua inusitada conexão com o Brasil.
“Comecei na Ninja Theory há cerca de 12 anos, como fotógrafa e videomaker, editando trailers para jogos como DmC: Devil May Cry e de tudo que estávamos fazendo na época”, recapitulou a atriz. O desenvolvimento do primeiro Hellblade, realizado entre 2014 e 2017, foi bastante transparente, com a Ninja Theory soltando regularmente vídeos de bastidores e expondo publicamente as dificuldades, mudanças de planos e desafios enfrentados. Tudo isso foi gravado e editado por Juergens: “Fiz todos os materiais de bastidores para o primeiro Hellblade, como os Dev Diaries, e o especial sobre saúde mental.”

“Eu estava todos os dias no estúdio, filmando a todos trabalhando. Vez ou outra, quando eles queriam fazer algum teste ou algo do tipo, eles me pediam para ser a cobaia em coisas tipo 'Coloca esse capacete' ou 'Lê essas falas'. Tinha muita vergonha de fazer tudo isso, não estava nem um pouco acostumada a ficar na frente das câmeras, mas o pessoal sempre pedia pela minha ajuda. Depois de um tempo, me deram uma cena para atuar, o diretor gostou e pediu para eu considerar a possibilidade de interpretar a protagonista. Demorei para aceitar porque eu tinha muita ansiedade em atuar na frente das outras pessoas.”
Eventualmente, Melina Juergens aceitou e começou a gravar a captura de movimentos para a protagonista, tanto em termos de ações quanto expressões faciais. A partir disso, a Ninja Theory moldou Senua de acordo com a intérprete, repaginando o visual da guerreira e até mesmo levando-a para fazer demonstrações ao vivo. Em tela, é surpreendente o quanto de emoção a guerreira transmite, e ver Juergens atuando é igualmente fascinante.

“Aqui, na Ninja Theory, há muito respeito pela Mel porque atuação é algo que te deixa muito vulnerável”, complementou Dom Matthews, chefe do estúdio, que participou da entrevista ao lado da atriz. “Vê-la saindo de sua zona de conforto para fazer isso em uma performance tão crua e cheia de emoção é algo muito respeitável. Amamos muito ela por aqui.”
Conexão Cambridge x Mogi das Cruzes

“Fiquei chocada com a recepção dos fãs. Nunca ouvi tanta gente gritando o meu nome tão alto quanto no Brasil, foi algo novo para mim, fez eu me sentir uma celebridade”, falou a atriz, aos risos. “As pessoas estavam segurando pôsteres com o meu nome e gritando com tanto entusiasmo e paixão.”
Se me permitem uma anedota pessoal, conheci Melina Juergens nesta ocasião, meses antes de embarcar para Cambridge. Trombei a atriz em um hotel paralelo ao evento, em que entrevistei outro convidado da Xbox FanFest, e decidi abordá-la para uma foto. Muito simpática, ela topou, e ficamos conversando por alguns minutos depois. Perguntei se ela já estava indo embora do país, e ela respondeu (em inglês): “Ah, estou saindo de São Paulo só. Vou para Mogi das Cruzes.”
É, no mínimo, curioso ouvir o nome “Mogi das Cruzes” — município da Grande São Paulo, com pouco mais de 451 mil habitantes, localizado fora da capital — sendo citado por uma estrangeira. Acontece que essa não era a primeira vez de Melina Juergens no Brasil. Na verdade, a atriz tem uma longa história com o país.

“Minha conexão com o Brasil surgiu quando eu era adolescente, passei um mês de férias em Pernambuco com a minha família e aproveitei muito”, relembrou Juergens, durante o nosso papo em Cambridge. “Muitos anos depois, eu conheci meu futuro marido, que, por acaso, é brasileiro. Nos conhecemos em Hong Kong, na verdade. Por causa dele, eu voltei para o Brasil várias vezes, vamos praticamente uma vez ao ano visitar a família dele, que é de Mogi das Cruzes, e aproveitar as praias, surfar, fazer caminhadas. Amo o país e a comida, sempre fico feliz de voltar para lá.”
O marido é, no caso, Ederson Lion Macedo, lutador de MMA que já acumulou títulos na Bellator, a segunda maior liga dos EUA – e o cara que tirou a minha foto ao lado de Juergens (grato por isso), mas não vem ao caso. Falando com o pessoal na Ninja Theory, muitos me falaram dessa conexão da atriz com o Brasil, dizendo até que ela aprendeu a falar português para poder se comunicar com a família do marido. Nas vindas anuais ao país, Juergens já explorou as várias capitais e viajou por diversas cidades de praia, como Maresias e o Rio de Janeiro, para citar algumas.

Neste momento da entrevista, o papo já estava bem descontraído. Dom Matthews aproveitou para me fazer uma pergunta, com toda a sinceridade: por que raios os brasileiros gostam tanto de Hellblade? “É meio desproporcional porque tem muita gente no país que ama o jogo, e nós valorizamos muito isso... mas eu só queria entender melhor”, indagou, aos risos. “O que aconteceu no Brasil?! Não é assim em todo lugar, é especificamente no Brasil. As pessoas amam a gente e o jogo!”
Segundo ele, é um fenômeno que vem desde o primeiro jogo e se mantém forte para a continuação. O chefe do estúdio afirma que sempre há brasileiros interagindo com trailers, postagens nas redes sociais e afins, além da atriz ter testemunhado todo esse carinho em primeira mão. Honestamente, eu não soube responder com precisão. Falei que os brasileiros gostam de coisas nórdicas, como foi o caso de Vikings, série de TV que se tornou enorme sucesso no país. De resto, é um mistério para mim também — ainda mais se levado em conta que o título sequer é dublado na nossa língua. Vamos falar sobre isso.
Hellblade e a dublagem

Até o momento, nenhum Hellblade foi dublado em outro idioma. O áudio é em inglês apenas, e a localização acontece para mais de 20 línguas por meio de texto. Na reta final da visita, conhecemos o estúdio onde são gravadas as vozes da cabeça de Senua, com uma demonstração de como é feito o áudio binaural do jogo – ou seja, que chega aos ouvidos de lados diferentes, para dar uma sensação de que as vozes vêm da esquerda, da direita, atrás ou da frente, sempre cercando o jogador por todos os lados.
A demonstração foi impressionante. Sob o comando do diretor de áudio David Garcia, duas atrizes caminhavam pela sala, soltando frases afiadas contra um microfone com formato de cabeça humana. No jogo, as vozes da cabeça de Senua tomam posturas diferentes. Algumas são agressivas contra ela, outras são desconfiadas, ou acanhadas. Segundo Garcia, o processo depende bastante de improviso entre ele e as atrizes — e essa é a barreira para dublar para outros idiomas.
Espanhol, da cidade de Valência, o diretor de áudio explicou que o improviso é uma via de mão dupla: dá naturalidade à psicose de Senua, fazendo com que as vozes soem vivas e reativas, em vez de roteirizadas e robóticas; porém isso dificulta bastante a dublagem e mixagem em outras línguas, já que o áudio binaural é uma parte essencial da experiência. David Garcia afirmou que, caso a Ninja Theory decida dublar os jogos para outros idiomas, terão que fazer a dublagem no estúdio em Cambridge, sob a sua supervisão, para garantir o melhor resultado possível.

Na lata, a atriz apenas me respondeu: “Eu mesma faria a dublagem!”, declarou, arrancando aplausos de Dom Matthews, que apoiou a ideia. “Minha pronúncia é boa o bastante, eu possivelmente conseguiria dar conta com um pouco de ajuda.”
Talento, boa vontade e demanda dos fãs para dublar os jogos não faltam, e nem infraestrutura, já que o estúdio agora é parte do grupo Xbox. Assim, resta torcer para que a Ninja Theory e a Microsoft decidam encarar os desafios técnicos para trazer esse pesadelo nórdico ao nosso idioma.
Senua’s Saga: Hellblade II chega ao Xbox Series X | S e PC em 21 de maio. O título estará disponível no catálogo do Game Pass logo no lançamento.
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