Considerada como um clássico cult dos RPGs de ação, Dragon’s Dogma é uma daquelas franquias que conquista o jogador sem ele nem entender o motivo. Isso porque as “imperfeições” do jogo são tão responsáveis quanto as perfeições pelo que a experiência é, fazendo com que as características que atraem muitos fãs sejam as mesmas que afastam muitos outros.
Sob o comando (mais uma vez) da paixão do lendário Hideaki Itsuno, a franquia de dragões da Capcom retorna após mais de 10 anos e repete a mesma dose. Dragon’s Dogma 2 é uma sequência que reestabelece a saga como um dos RPGs mais marcantes, curiosos e malucos da indústria. Além de não abrir mão da essência do original por nem um segundo, o que faz a experiência não ser para todo mundo.
Ouroboros dracônico
Repetindo os ciclos do destino, Dragon’s Dogma 2 narra a clássica lenda do Nascen, um herói que teve o coração roubado por um dragão.
Ao perder o coração para a criatura, o protagonista desperta com habilidades especiais e com o direito de ser o novo rei da região. Só que a situação se complica com a aparição de uma rainha regente e um falso Nascen, que querem usurpar o trono. Assim, a trama se equilibra entre conflitos da realeza, as amarras de vidas predestinadas e ao questionamento de se o ciclo ligado ao dragão pode finalmente ser quebrado.

Com uma mitologia própria, Dragon’s Dogma 2 não depende do primeiro jogo e funciona bem sozinho, uma vez que o protagonista teve amnésia e não se lembra de nada. Pode até soar conveniente demais, mas é uma solução que dá brecha para termos, personagens e elementos específicos serem explicados sem estranheza. Há vantagens, é claro, em saber o que aconteceu anteriormente, mas nada que afete o entendimento da narrativa como um todo.
Dito isso, a história é dividida em dois atos bem delineados. Há situações em que a trama acerta em cheio ao ser grandiosa e surpreendente — principalmente em relação às consequências de desafiar o destino —, mas esquece tramas paralelas que foram construídas no caminho com frequência.
Isso resulta em uma narrativa que se perde e até confunde em alguns momentos, mas, quando acerta, é tão epopeica quanto um dragão. Há, por exemplo, uma reviravolta tão impressionante e bem elaborada, que mexe drasticamente com as emoções do jogador, o mundo aberto e até o menu principal (pois é!).

Além disso, é importante ressaltar que o ritmo e a duração da campanha principal são ditados pelo próprio jogador, podendo variar entre 20 a 30 horas na primeira jogada — médias que condizem com o original.
Uma odisseia medieval
Inevitavelmente, o que chama a atenção logo de cara é o visual de Dragon’s Dogma 2, que parece ter saído diretamente dos sonhos dos fãs.
A estética dá continuidade à essência medieval do primeiro jogo — e mantém a aparência de várias criaturas —, mas tudo é engrandecido com gráficos realistas, excelente iluminação e paleta de cores vibrantes. Existe até mesmo um cuidado com a física do jogo, o que rende animações e movimentações bem naturais dos personagens, como se desequilibrar na ponta de penhascos ou com pisadas de criaturas gigantes.
As ambientações, principalmente as florestas fechadas, são de encher os olhos em cada cantinho. Esse aspecto é intensificado pela trilha sonora, que também exala a temática medieval. Poucas vezes há silêncio por completo, dando espaço para melodias que exaltam a sensação de jornada heroica como se fizessem parte do cenário, sibilando com o soprar do vento. Além de ter músicas mais frenéticas em lutas e conflitos para impor um sentimento épico.

Esse cuidado da Capcom também reflete no mundo aberto como um todo, em que cada pedra foi colocada de forma pensada para fazer o jogador se sentir livre pelo mapa — e, não importa onde esteja, sempre encontrar alguma atividade interessante.
É preciso entender que Dragon’s Dogma 2 é um RPG de ação e, apesar de apresentar elementos similares a clássicos do gênero (como The Witcher 3 ou um soulsborne da FromSoftware), a verdade é que a franquia está longe de ser parecida com esses jogos. A sequência opta por dar continuidade à essência do que tornou Dragon’s Dogma conhecido (e divisivo), apresentando um DNA único que traça caminhos próprios em vez de acompanhar as tendências do gênero.
Isso acontece porque o mundo aberto tem regras e mecânicas que exigem paciência, mas sobretudo comprometimento e dedicação do jogador.

As regras são basicamente o que rege o mundo aberto, adicionando uma sensação de profundidade. A mais básica é a existência de um sistema de dia e noite — e isso reflete na dificuldade geral do jogo, no comportamento de personagens e inimigos e até na disponibilidade de atividades e missões.
Assim, o mundo parece vivo ao ser afetado com o passar do tempo. Ao cair da noite, fica extremamente difícil enxergar sem uma lanterna, há inimigos novos e mais agressivos ao explorar e alguns NPCs, é claro, vão dormir! As comidas têm validade mesmo dentro do inventário, então uma maçã pode amadurecer e ficar mais saborosa, e uma carne crua pode apodrecer e estragar. As pontes nas estradas podem ser quebradas e vão exigir alguns dias até serem consertadas.
Além disso, o ato de explorar livremente rende momentos caoticamente divertidos, como ser surpreendido e se deparar com quimeras, grifos, ciclopes e criaturas imensas e aterrorizantes ao explorar estradas, cavernas e montanhas.

Uma regra, no entanto, é um divisor de águas em Dragon’s Dogma. Partindo da filosofia de que “a jornada é mais importante do que o destino”, a locomoção pelo mundo aberto é limitada, e os pés do protagonista são o meio de transporte mais eficiente do jogo.
Não há montarias e as viagens rápidas são restritas. Você pode viajar entre cidades com carroças, por exemplo, mas não é um método tão eficaz, uma vez que o veículo pode ser destruído no caminho. Ou usar pedras de teletransporte, que são raras. Assim, longas caminhadas fazem parte da experiência, o que faz muitas missões serem demoradas. A ideia por trás disso, segundo o diretor, é que o mundo aberto é tão rico e divertido que anula a necessidade de montarias. Só que isso não se traduz totalmente na prática — funcionando com a história principal, mas não com o conteúdo opcional.
Muitas tarefas secundárias exigem que você transite entre dois pontos mais de uma vez. Então, ao passar pelo mesmo local duas, três ou até quatro vezes — e ter que matar os mesmos goblins duas, três ou até quatro vezes — a repetitividade se torna cansativa. É difícil fugir dos combates a pé e, ao somar com o tamanho relativamente grande das regiões, qualquer missão que tomaria cinco minutos facilmente leva uma hora (ou mais).
Isso resulta em uma cadência não apenas lenta, mas bem específica, que não fisga todos os jogadores logo de cara. Mas Dragon’s Dogma 2 reitera esse elemento como parte da personalidade da franquia, oferecendo um mundo que foi criado para “se perder” e não se importar com o tempo. Algo que é uma faca de dois gumes, dependendo de quem está com as mãos no controle.
Seja como for, todas as regrinhas acabam adicionando um tom desafiador ao jogo que, de forma inteligente, não se resume apenas em aumentar a dificuldade — mas ter um mundo pulsante que grita a todo momento que a jornada medieval não é mole não. Portanto, apesar de serem específicas, elas fazem sentido como um todo. Resta a você decidir abraçá-las ou não.

Como a cereja do bolo, o mundo aberto é regado de missões e conteúdos secundários, que não são marcados no mapa. Para encontrá-los, o jogador precisa ser curioso, conversar com NPCs e até prestar atenção em conversas alheias nas ruas. Fui pega de surpresa, por exemplo, ao “desbloquear” uma quest por comprar um simples item num mercador: ele está com problema de visão, então entrega a mercadoria errada, o que leva à busca de uma cura.
Muitas missões ainda têm mais de uma resolução — só que o jogo não explica isso e, mais uma vez, depende de instinto e curiosidade —, e algumas têm tempo para serem concluídas e podem desaparecer. Nada é entregue de bandeja, e muitas soluções e ações em missões só aparecem na base da tentativa e erro. Isso adiciona profundidade e até mesmo realismo (entendo que é difícil sentir isso em um mundo com dragões, quimeras e afins, mas vamos lá…), recompensando aqueles que são atentos e dedicados.
Espadas, magias e peões
Isso nos leva ao combate de Dragon’s Dogma 2, que mantém a pegada do primeiro jogo, mas a expande com mais possibilidades de build.
Há quatro classes iniciais, mas outras são desbloqueadas ao decorrer da história, sendo possível alterá-la a qualquer momento. Seja qual for a vocação escolhida, algo é certo: é preciso de tempo e dedicação para dominá-la, já que há várias habilidades e aptidões, e a jogabilidade tem estilo próprio, sem trava de mira ou esquiva — ausências que, confesso, foram meu tendão de Aquiles.
Leva tempo para aprender a atacar e se defender com eficácia, e isso se deve também ao fato de que os inimigos são bem variados, apresentando diferentes estratégias e pontos fracos entre si. Ainda fica o aviso: tome cuidado até com inimigos que parecem inofensivos, porque eles também podem ser fatais!

A sequência também mantém o sistema de peões, que são NPCs acompanhantes que ajudam na exploração e no combate.
Ao todo, você pode ter três peões, sendo um deles o seu principal, que tem participação ativa na história. Os outros dois são criados por outros jogadores — em um modo de multiplayer assíncrono, ou seja, sem contato direto —, e você pode contratar aqueles que melhor se adequarem ao seu estilo de combate.
A sacada com os acompanhantes é saber usá-los ao seu benefício, geralmente contratando aqueles que têm classes complementares à vocação do protagonista. Minha estratégia, por exemplo, foi usar espadas leves como classe principal e focar totalmente em dano corpo-a-corpo, mas ter um peão de mago para cura e um feiticeiro para dano elemental.
Além disso, Dragon’s Dogma 2 faz jus à grandiosidade da premissa e apresenta chefões que são divertidíssimos de enfrentar — com direito a vários tipos de dragões. A parte mais empolgante do combate é, de longe, escalar os monstros gigantes para alcançar um ponto fraco. Isso dá uma sensação incrível de poder e, ao mesmo tempo, não deixa esquecer que o protagonista ainda é minúsculo comparado à criatura.

Por fim, Dragon’s Dogma 2 apresenta texto em português brasileiro — algo que não teve no antecessor. A localização e a tradução são simples e diretas, com a intenção de manter a seriedade da trama e do universo, sem distrações ou erros que prejudicam o entendimento. O mesmo não pode ser dito da performance geral do jogo, no entanto. Há quedas bruscas de taxas de quadro (framerate) em áreas específicas. São poucas vezes, mas que acabam sendo difíceis de não serem notadas por prejudicarem a fluidez da jogabilidade.
Um dragão para a todos governar
Dragon’s Dogma 2 não é um RPG comum. Com um estilo próprio tanto em história quanto jogabilidade e estrutura, a fórmula é mantida na sequência — reiterando o dogma do dragão como uma das franquias mais únicas da Capcom e uma das mais inusitadas do gênero.
Seja para bem ou mal, também não é um RPG tão imenso. Levei cerca de 52 horas para finalizar a história e concluir boa parte das missões secundárias, apesar de sentir que há segredos que ainda não desvendei. Esse gostinho de “quero mais” é intencional, uma vez que há opção de reiniciar o jogo e manter personagem, nível e equipamentos logo após o rolar de créditos (mais de um deles, inclusive).
Com isso, temos o retorno de uma aventura que esbanja personalidade e acaba sendo uma experiência revigorante aos amantes de fantasia, além de ser nostálgica e obrigatória para quem já era fã. Fui conquistada mais uma vez pelo mundo grandioso — que, por vezes, também é audacioso e divertidamente esquisito —, que não vou esquecer tão cedo.
Esta review foi feita com uma cópia cedida pela Capcom para PlayStation 5.
Dragon's Dogma 2 será lançado no dia 22 de março para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC.
Aproveite e conheça todas as redes sociais do NerdBunker, entre em nosso grupo do Telegram e mais – acesse e confira.