Cada dia se torna mais difícil não ficar ansioso com o futuro, especialmente no que diz respeito ao trabalho. Os expedientes se tornam mais longos, os salários se mantêm estagnados, a precarização avança violentamente. Sensível à sociedade que está inserida, a cultura pop tenta explorar os complexos sentimentos de exploração, injustiça e cansaço generalizado, seja na TV, cinema ou nos games.
CorpoNation: The Sorting Process é um bom exemplo disso. Primeiro jogo do estúdio britânico Canteen, publicado pela PlayTonic (Yooka-Laylee), a obra insere o jogador em um mundo em que o corporativismo não só é um estilo de vida, mas a realidade toda.
Trabalhar Cansa

Logo, um movimento revolucionário, que busca acabar com esse pesadelo, tenta cooptar Max como infiltrado da causa, colocando o jogador na encruzilhada entre ser um funcionário exemplar, ou se arriscar para acabar com o sistema todo.
O game traz uma agradável estética retrô, com gráficos pixelados que remetem a clássicos japoneses de PC, o que aumenta a aura de distopia cyberpunk do conto. As mecânicas são simples, apenas com cliques do mouse, e tudo gira ao redor de um minigame de catalogação, que fica progressivamente mais complexo.
As amostras aparecem em tubos e é preciso separá-las, com critérios variados para isso, dependendo das demandas do dia. Ora é pelo formato molecular, ora pelo padrão das amostras, ora pela numeração e, ocasionalmente, por tudo isso ao mesmo tempo e mais. O tempo é curto, e erros são descontos diretamente do pagamento.

Em essência, remete a Papers, Please. O queridinho indie de 2012, sobre trabalhar na imigração de um país soviético, é influência direta e assumida dos desenvolvedores, mas aqui há outras prioridades. A jogabilidade, ainda que divertida, é menos empolgante do que a excelente escrita do jogo, que carrega a experiência nas costas.
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Ler as “notícias”, conversar com outros funcionários no bate-papo, receber e-mails infestados de slogans motivacionais e incentivos a gastar seus créditos suados — tudo isso dá um gostinho daquela bizarra realidade, que frequentemente se parece com a nossa, apesar de todos os exageros. É um caso de sátira tão absurda e na cara, que acaba sendo meio triste notar as semelhanças.
O game leva a outro patamar a idolatria a figura de executivos poderosos, ou a adoração a empresas, e coloca o jogador no centro de uma vida sem cor e sem sal, que têm pouco propósito além de trabalhar e gastar dinheiro. Quando surge a possibilidade de se aliar com os que querem derrubar a corporação, a mera ideia de quebrar essa dinâmica soa sedutora demais para se amedrontar pelo perigo de ser pego conspirando e desviando recursos.

Essa é a grande questão das distopias corporativas: confrontar o escapismo e oferecer uma dose de realidade, para nos lembrar que é possível lutar contra uma vida que não seja ideal. O impacto da mensagem vai de acordo com a energia de quem a recebe, mas obras como CorpoNation são um bom lembrete que há sim certa universalidade na desesperança e no cansaço de lidar com o mundo moderno. Pode ser sombrio, mas é estranhamente reconfortante, já que, no fim das contas, é um lembrete de que não estamos sozinhos nessas sensações.
CorpoNation: The Sorting Process está disponível para PC. A review foi feita com base em cópia cedida pela desenvolvedora. Aproveite e conheça todas as redes sociais do NerdBunker, entre em nosso grupo do Telegram e mais - acesse e confira.