Sejamos objetivos: um prelúdio não tem razão de ser. Sim, há os casos de adaptação de um material extenso, a exemplo de sagas literárias, ou aqueles em que o realizador já tinha a intenção patente de expandir seu universo, como George Lucas e a segunda trilogia de Star Wars.
Na maioria das vezes, porém, o que se vê são roteiristas, diretores e produtores ignorando o óbvio. Um autor geralmente toma uma escolha consciente ao fazer determinado recorte narrativo e omitir as origens de um personagem ou a explicação para um acontecimento — seja porque quer conferir mistério ou obscuridade, seja porque considera que aquilo simplesmente não importa.
Assim, ao tentar ampliar esse recorte para responder a perguntas que ninguém fez, o prelúdio começa sempre em desvantagem: além de ter a obrigação de se conectar de maneira satisfatória à história original, ele precisa provar sua relevância.
A Primeira Profecia, como o título sugere, é a prévia de A Profecia (1976), clássico do terror sobrenatural escrito por David Seltzer, dirigido por Richard Donner e centrado no garotinho Damien Thorn, o anticristo — na tradição bíblica, o falso profeta satânico que tentará iludir e corromper a Humanidade no final dos tempos. Sucesso de bilheteria, o longa-metragem rendeu três sequências (em 1978, 1981 e 1991) e um remake (2006), além de uma série de tevê (2016).
Pois o novo capítulo da franquia se concentra nos eventos que levaram à concepção e nascimento de Damien. Na trama, ambientada em 1971, a noviça Margaret (Nell Tiger Free) chega a Roma, vinda dos Estados Unidos, a fim de trabalhar em um orfanato antes de fazer seus votos perpétuos.
No novo lar, ela passa a testemunhar estranhos eventos em torno de uma das residentes, a menina Carlita (Nicole Sorace), que disparam lembranças de sua própria infância problemática. Ao mesmo tempo, é abordada pelo padre Brennan (personagem do primeiro filme, aqui interpretado por Ralph Ineson), que tenta convencê-la de que a órfã faz parte de um plano para trazer o anticristo ao mundo.
Em sua estreia em longas, a diretora Arkasha Stevenson demonstra competência para o terror ao explorar de forma particular certos recursos do gênero — em especial, sua aparente predileção por esticar a preparação para os sustos, estendendo o suspense ao máximo antes de liberar a tensão. Embora seja interessante, a escolha tem resultados irregulares: funciona muito bem na cena em que Margaret está sozinha em seu apartamento e, mais tarde, no “quarto do mal”, mas acaba em comicidade não intencional na sequência inicial e na que sucede o atropelamento.
A cineasta também consegue estabelecer uma atmosfera perturbadora ao longo de todo o filme com decisões simples, porém eficientes. Exemplos disso são o modo como ela reflete a psique perturbada da protagonista na geografia do orfanato e nas ruas de Roma, retrata uma ordenação religiosa como se fosse um ritual macabro e, em mais de uma instância, oferece uma perspectiva feminina para o subgênero do body horror.
Por sua vez, o roteiro, assinado por Stevenson, Tim Smith e Keith Thomas, a partir do argumento de Ben Jacoby, se apoia em uma reviravolta que está longe de ser surpreendente. Espectadores atentos vão perceber as pistas visuais e deduzir que uma passagem aparentemente desconexa e gratuita no primeiro ato está diretamente ligada à trama central. E, os mais familiarizados com os clichês hollywoodianos, vão saber que atores conhecidos não costumam ser escalados à toa.
Assim como acontece com muitos derivados, a necessidade mercadológica de se preparar terreno para eventuais continuações abre espaço para inconsistências. A principal aqui é o destino da protagonista, que torna uma sequência decisiva do filme original — envolvendo Robert Thorn (Gregory Peck), o fotógrafo Keith Jennings (David Warner) e um bando de rottweilers — totalmente desprovida de sentido.
O problema maior, no entanto, está nas explicações que o novo filme propõe para o grande tema da franquia. O texto parece não se satisfazer com a ideia de um culto operando sob influência direta do coisa-ruim e, em seu lugar, traça um plano excessivamente intrincado, que mira em comentário social e acerta em paródia acidental de teoria da conspiração.
Fosse uma obra isolada, autônoma, A Primeira Profecia poderia ser um filme de terror bastante razoável e interessante. Como parte de um conjunto, todavia, acaba sofrendo dos males que acometem todo prelúdio: ter sua razão de ser e sua relevância questionadas.
O longa está em cartaz nos cinemas nacionais.