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A Baleia não se redime, mesmo com atuações admiráveis | Crítica
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A Baleia não se redime, mesmo com atuações admiráveis | Crítica

Longa tem performance marcante de Brendan Fraser, mas direção de Aronofsky tira força da história

Max Valarezo
Max Valarezo
23.fev.23 às 09h30
Atualizado há mais de 1 ano
A Baleia não se redime, mesmo com atuações admiráveis | Crítica
A Baleia/A24/Divulgação

Poucas performances recentes conseguiram gerar tanta expectativa quanto a de Brendan Fraser em A Baleia, novo drama dirigido por Darren Aronofsky (Mãe!, Cisne Negro, Réquiem para um Sonho). Desde as primeiras exibições do longa-metragem no ano passado, Fraser recebeu aplausos em pé, venceu um prêmio no Critics Choice Awards e foi indicado a Melhor Ator no Oscar 2023. Com a estreia do longa nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (23), o público pode atestar como Fraser está, de fato, impressionante. Ficará evidente, contudo, que o brilho do ator não esconde como a direção de Aronofsky faz A Baleia parecer não apenas uma obra contraditória, mas também insincera.

No filme, Fraser interpreta Charlie, um professor de inglês que vive socialmente isolado em um apartamento, por estar em condições de obesidade mórbida. Quando começa a suspeitar que não tem muito tempo de vida restante, o protagonista inicia um esforço para se reconectar à filha adolescente Ellie (Sadie Sink), com quem perdeu contato há anos. Assim, acompanhamos uma semana da vida de Charlie, em meio a brigas familiares, memórias traumatizantes e episódios de quase-morte causados pelo declínio da saúde.

Todos esses eventos acontecem no confinamento do apartamento de Charlie, único cenário do longa. Se isso remete à limitação espacial de uma peça de teatro, é porque o filme adapta uma peça homônima escrita por Samuel D. Hunter (autor, também, do roteiro do longa-metragem). E fica claro como direção de arte, fotografia e desenho de som entram em sincronia para ambientar a história.

No apartamento de Charlie, móveis de madeira no plano de fundo são filmados com uma luz azulada, enquanto se ouve o som frequente da chuva no lado de fora. É uma combinação que lembra um navio antigo em alto-mar e faz o cenário complementar a temática marítima do título da obra. Enquanto isso, os personagens em primeiro plano são filmados com luz quente amarelada. O resultado é uma ambientação capaz de despertar sensações de intimidade e de melancolia.

Não à toa, esses sentimentos ditam o rumo da trama. Charlie tenta criar instantes calorosos de intimidade em meio a uma crise. No entanto, isso não é suficiente para evitar que as pessoas da vida dele sejam tomadas por tristeza, raiva e medo ao verem o agravamento do estado de saúde do protagonista e ao lembrarem como ele lhes causou sofrimento no passado. São emoções conflitantes que ganham mais camadas a cada cena e revelam como o roteiro de Hunter cria personagens multidimensionais.

Se tudo isso ganha vida com força na tela, é também graças às performances muito capazes do elenco, com destaque especial aos dois indicados ao Oscar: Hong Chau (Melhor Atriz Coadjuvante) e Brendan Fraser. A primeira interpreta Liz, enfermeira e amiga de Charlie. Com destreza, Chau traduz o peso emocional carregado por essa mulher que precisa ser, de uma só vez, a confidente e a salvadora de Charlie.

Já Fraser entrega uma das melhores performances da carreira. Quando cenas exigem uma resposta emocional intensa, o ator faz Charlie transbordar em lágrimas honestas. Mas é nas cenas mais calmas que Fraser realmente hipnotiza, graças à sutileza com a qual transita entre dois estados emocionais quase opostos: a mágoa por ser tratado pelos outros como um ser repulsivo, e o otimismo cego sobre a bondade do espírito humano.

Observe os olhos de Fraser nesses instantes e você sentirá a vulnerabilidade de um homem empenhado em encontrar o melhor nos outros e em si mesmo, após uma vida marcada por erros. É uma performance que faz Charlie parecer uma fonte infinita de dor e de esperança. E, por isso, o trabalho de Fraser merece tantos elogios aqui.

Mas se a ambientação, o roteiro e as atuações de A Baleia criam um senso genuíno de empatia com Charlie, como é possível que o filme ainda pareça ter um lado cruel? A resposta está no homem que dirige o longa-metragem.

Quem tem medo de Charlie?

Sadie Sink em cena de A Baleia Sadie Sink, de Stranger Things, encara papel dramático em A Baleia (A Baleia/A24/Divulgação)

Se tem algo que Darren Aronofsky deixou claro com a filmografia dele, é o empenho em fazer obras impactantes. Aronofsky gosta de fazer o público sair de seus filmes com o sentimento de soco no estômago. Uma estratégia que funciona em longas-metragens como Pi, Cisne Negro ou Mãe!. Mas ao trazer esse ímpeto escandalizante para a direção de A Baleia, Aronofsky cria contradições muito difíceis de ignorar.

Isso porque, em diferentes momentos, o cineasta parece empenhado em filmar a obesidade de Charlie de maneira sensacionalista. A começar pelas cenas nas quais vemos o tronco despido do personagem, criado com um traje de gordura vestido por Fraser.

Nesses instantes, Aronofsky segura a câmera na imagem nua de Charlie não como quem quer criar um senso de intimidade, mas sim como quem quer impactar o público dizendo “vejam como é impressionante a maquiagem do meu filme.” É como se, nesses instantes, a prioridade fosse usar o corpo obeso artificial mais como proeza técnica chocante do que como um recurso narrativo para nos conectar a Charlie.

Uma ideia similar é vista nas cenas em que Charlie tem episódios de estresse e começa a comer compulsivamente. É um comportamento crucial para entendermos a psicologia dele. Porém, Aronofsky, novamente, usa isso para escandalizar. Ele faz a trilha sonora de Rob Simonsen trazer acordes dissonantes que remetem a filmes de suspense ou de terror. Ele cobre Charlie de gordura e restos de comida e orienta Fraser a atuar com fúria. Tudo se combina numa tentativa de transformar um reflexo traumático genuíno em algo, supostamente, repulsivo de se ver.

Em filmes com outras propostas, talvez essas escolhas de Aronofsky poderiam fazer sentido. Mas em uma história como A Baleia, elas só criam uma grande contradição. Por um lado, o filme quer fazer o público entender Charlie de forma profunda, para que a obesidade do personagem seja vista num contexto maior de depressão e de luto. A atuação de Fraser evidencia a complexidade psicológica de Charlie e como ele não pode ser facilmente reduzido a sua condição física. E o filme mostra, repetidas vezes, como o protagonista se sente magoado quando os outros enxergam ele como uma pessoa nojenta.

Mas todas essas nuances e sensibilidades se perdem em meio à insistência de Aronofsky em espetacularizar a obesidade do protagonista. É uma escolha que rouba grande parte da honestidade por trás do filme. E assim, resta a impressão de que, se o público sai de A Baleia sentindo empatia por Charlie, não é graças à direção de Aronofsky, mas sim apesar dela.

Não surpreende, portanto, que, ao longo dos últimos meses, tenhamos ouvido mais elogios à atuação de Brendan Fraser do que ao filme como um todo. Porque a performance sincera do ator dá vida a um personagem dramaticamente rico e fascinante. Só é uma pena que essa mesma sinceridade não esteja presente também no olhar do homem por trás das câmeras.

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