Sweet Tooth estreou na Netflix com a triste coincidência de sair durante a pandemia de COVID-19. Porém, a adaptação lidou com a própria natureza com sensibilidade, ao suavizar a atmosfera deprimente da HQ de Jeff Lemire e focar mais no lado aventuresco da jornada. Três temporadas depois, a produção chega ao fim recuperando o brilho inicial, com a coragem de amadurecer sem perder a ternura.
A temporada final acompanha o garoto-cervo Gus (Christian Convery) e o “grandão” Tommy Jepperd (Nonso Anozie) indo ao Alasca em busca de Birdie (Amy Seimetz), a mãe do garoto. Acompanhados de Wendy (Naledi Murray) e Ursa (Stefania LaVie Owen), eles precisam sobreviver à nova ameaça de Helen Zhang (Rosalind Chao), que pretende usar o menino para dar fim aos híbridos na Terra.
O grande acerto da nova etapa foi recuperar algumas das qualidades do primeiro ano que se ficaram pelo caminho no segundo. Com a ânsia de expandir o mundo que cerca Gus, seus amigos e inimigos, a série se perdeu em um emaranhado de tramas paralelas pouco interessantes, que só não condenaram a produção graças ao carisma do elenco e de pontos altos construídos com capricho.
Com a tarefa de encerrar a história, o time capitaneado pelo showrunner, diretor e roteirista Jim Mickle tomou a sábia decisão de recolocar o foco em Gus, fazendo com que cada elemento ao redor contribua para torná-lo interessante. Uma medida necessária no momento em que a narrativa coloca o garoto para confrontar alguns dos lados mais sombrios do mundo que habita.
Na crítica da primeira temporada, apontei que, por vezes, a narrativa colocava “uma rede de proteção em volta dos espectadores para tirar o gosto amargo dos contratempos”. Talvez por estrear no momento pós-pandemia, a terceira temporada retira esse véu e insere Gus e companhia em situações graves e tristes o bastante para não serem tratadas levianamente.
Não que o garoto-cervo já não tivesse experimentado sua cota de tristezas, mas a reta final de Sweet Tooth conclui a mudança de fase do garoto com a seriedade devida. Um dos melhores exemplos é a chegada Helen Zhang e sua família como vilões. Esse novo núcleo traz não apenas ameaça, como abre espaço para que os temas da história sejam debatidos sem se perder na caricatura, como aconteceu ao General Abbot (Neil Sandilands) anteriormente.
Com uma atuação certeira por parte de Rosalind Chao, a personagem traz uma crueldade elegante que a torna odiável cada vez que surge em tela. Um sentimento de insegurança constante graças ao fato de que seus planos e crenças torpes afetam até mesmo os que os cercam, como a filha, Rosie (Kelly Marie Tran).
Outro resgate importante feito por Sweet Tooth foi o do senso de aventura. Assim como na temporada inicial, a última mostra o crescimento de Gus em uma travessia que o leva por diferentes cenários. A descoberta de cada novo lugar, com possibilidades e obstáculos próprios, é muito bem aproveitada pelo pelo time de diretores composto por Toa Fraser (Stargirl), Robyn Grace (Armas em Jogo), Ciaran Foy (A Maldição da Mansão Bly) e o próprio Jim Mickle.
O retorno das viagens e da exploração cai muito bem com a temporada final, que se dedica a finalmente revelar a origem dos híbridos e do flagelo. É verdade que a produção conta com muita boa vontade do espectador para amarrar todas as jornadas na mesma hora e local, mas é um preço pequeno a pagar por uma sequência de episódios que soube dosar seus principais ingredientes.
Até porque se Sweet Tooth demonstrou coragem ao estrear propondo uma história situada em um mundo devastado por uma pandemia, a série chega ao fim refletindo sobre o que vem depois de um momento tão sombrio. Dispondo de diferentes perspectivas e crenças, a trama traz uma perspectiva esperançosa tão genuína, que emociona.
Será uma pena se parte do público, que conferiu e se engajou na etapa inicial enquanto ficava em casa durante a pandemia, não voltar em peso para conferir essa conclusão. Mais do que um fechamento de ciclo, essa é uma história que celebra justamente a importância de contar histórias para recordarmos do que passou e para sonhar sobre o que vem a seguir.
As três temporadas de Sweet Tooth estão disponíveis na Netflix.