Hi-Fi Rush é uma anomalia, mas não de um jeito ruim. Para começar, o mais novo título da Tango Gameworks foge completamente do tom dos macabros projetos anteriores do estúdio, como The Evil Within e Ghostwire: Tokyo. Além disso, é um jogo focado em single-player, colorido, que não se leva a sério, e que fez a façanha de ser lançado no mesmo dia que foi anunciado.
Nenhuma dessas práticas são recorrentes na atual indústria, e o título já mereceria atenção apenas por desafiar tantos lugares-comuns dos videogames. Felizmente, Hi-Fi Rush também é um game ótimo e muito divertido, que demonstra a ambição do seu estúdio em expandir seus talentos para além do horror.
Ambientado em um mundo futurista, o título acompanha um jovem chamado Chai, que sonha em ser um astro do rock, e acredita que se alistar como cobaia de um estranho experimento da corporação Vandelay o deixará próximo desse sonho. Ao invés disso, ele ganha um braço robótico, e acidentalmente se vê fundido com seu player de música.
Quando Chai começa a ser caçado por robôs da corporação como um defeito da linha de produção, o jovem esbarra em uma enorme conspiração envolvendo tecnologia de controle da mente, e se junta com lutadores da rebelião para combater um perverso CEO e o alto escalão de executivos.
Correndo ou Arrastando?

O jogo não chega a te limitar, mas encoraja fortemente que você ataque seus inimigos no ritmo para criar combos poderosos e dar mais dano. O mesmo vale para a defesa, já que os robôs também golpeiam de acordo com a música. O resultado é uma dança frenética, em que é preciso ter ouvido afiado e boa coordenação motora para aproveitar ao máximo tudo que a jogabilidade tem para oferecer.
É um pouco desafiador se manter no ritmo de início, mesmo nas dificuldades mais baixas, que exigem menos precisão. De qualquer forma, é surpreendente o quão natural essa habilidade se desenvolve ao ritmo que a campanha avança. A abordagem poderia ser cansativa, um truque barato que cansa rápido, mas o enorme comprometimento da obra com sua principal característica é sustentado por mecânicas excelentes.
Hi-Fi Rush é, ainda, um game de ação na mesma pegada de Devil May Cry ou Bayonetta, em que é preciso administrar hordas de inimigos em batalhas corpo-a-corpo intensas, com um arsenal enorme para alcançar combos gigantes que aumentam sua pontuação. Com uma guitarra feita a partir de pedaços de sucata, Chai golpeia os robôs, fatia e os arremessa para os ares, de forma que não deixaria nenhum Dante ou Vergil da vida envergonhados.

E isso tudo acontece sem abrir mão da pegada musical. Há bônus de dano e pontuação para se manter no ritmo, com combos que precisam ser executados no timing certo, ou então inimigos que só baixam a guarda após o jogador rebater seus golpes especiais com satisfatórias sequências de defesas ritmadas.
Faz sentido se parece que você já viu isso em outros jogos de ação. Hi-Fi Rush não é exatamente uma revolução, mas é bastante sagaz por ter entendido que títulos como Devil May Cry têm um componente rítmico como subtexto. Nos jogos da CAPCOM, por exemplo, Dante mata hordas de demônios, alternando entre pistolas e espadas, enquanto uma música frenética toca e os medidores de pontuação e estilo decolam. É uma dança, e o game da Tango Gameworks apenas dá o nome certo..
Em Ritmo de Luta

Além de RPGs japonês, a principal influência do game são os filmes de Edgar Wright, cineasta de Scott Pilgrim Contra o Mundo, Baby Driver e muitos outros. Na verdade, o diretor Jon Johanas já afirmou anteriormente que toda a ideia do projeto surgiu por conta de uma cena de Todo Mundo Quase Morto, em que o grupo liderado por Simon Pegg mata zumbis no ritmo de “Don’t Stop Me Now”, do Queen.
Mesmo sem saber dessa conexão direta, a influência é perceptível. Isso significa que a premissa é retratada através de muita comédia visual, transições estilosas e, claro, momentos de ação sincronizados com música. Mesmo a estrutura, de ter o grupo buscando e enfrentando o alto escalão da Vandelay, traz à mente a luta de Scott Pilgrim contra os ex-namorados de Ramona Flowers. Sim, é um pouco irônico que um filme inspirado por videogames agora inspire um jogo.

Hi-Fi Rush é um prato cheio para os ouvidos, mas também para os olhos. Ao rejeitar qualquer intenção de realismo, e se assumir como videogame em seu estado mais bobo e divertido o possível, o jogo usa toda sua criatividade para criar um mundo vibrante, mas com gostinho de humor ácido no fundo.
Para combinar com a pegada musical, os ambientes são repletos de cor e movimento. Árvores e latas de lixo dançam com a música, quase como um desenho antigo, e a estética é complementada por um excelente traço cel shading, que reforça a pegada descolada de HQ absurda. Melhor ainda, é sutil a implementação de tecnologias modernas, como reflexões realistas de ray tracing no chão e nas paredes, que enchem ainda mais os olhos.
O Poder da Amizade Contra o Capitalismo

É um jogo que entende que é um jogo, mas que sabe falar diretamente com o jogador sem quebrar a quarta parede. Os cenários são cheios de setas que indicam o caminho correto e, em certo ponto, é possível encontrar os diários do robô que recebeu a função de encher os locais de setas indicadoras. Em outro momento, um colecionável opcional narra a revolta de um robô que, cansado de seu trabalho, decide sabotar as cafeteiras para as máquinas só soltarem café descafeinado - uma reclamação frequente dos chefões nas cutscenes.

“Surpreendente” define tudo sobre Hi-Fi Rush. O game chegou sem aviso e sem expectativas, e mesmo assim entregou algo muito melhor do que qualquer um poderia pedir: jogabilidade de alto padrão de qualidade, visuais impecáveis, personagens memoráveis, e humor bem equilibrado entre o pastelão e o culto.
Esse acerto não surgiu da noite para o dia - o jogo está em desenvolvimento desde 2017 -, e dificilmente criará uma nova tendência na indústria. Ainda assim, a Tango Gameworks merece aplausos por conseguir tirar de letra algo tão arriscado, criativo e diferente. O estúdio japonês andou na contramão de seus trabalhos anteriores, e o esforço vingou ao ponto de colocar a desenvolvedora como uma das mais promissoras do momento - independente do gênero e do estilo que vão trabalhar.
Hi-Fi Rush está disponível para Xbox Series X | S e PC. A review foi feita com base na versão de Xbox Series X, disponível no catálogo do Xbox Game Pass.