"Você é um bruxo, Harry".
Harry Potter é um dos maiores fenômenos literários da história e a segunda obra de ficção mais vendida de todos os tempos, com mais de 450 milhões de cópias em 78 línguas diferentes, só ficando atrás de Dom Quixote, clássico de Miguel de Cervantes, que vendeu cerca de 500 milhões, desde 1605.
Nessa segunda-feira (26), o livro de J.K. Rowling completa 20 anos de sua primeira edição. Para celebrar, conversamos com a editora do livro no Brasil – que apostou e pôs a mão na massa, literalmente –, também com a tradutora que teve que adaptar as expressões do mundo bruxo por aqui e, claro, não deixamos a nova geração de escritores e os fãs da série de fora!
Os livros de Harry Potter no Brasil
Depois de ter sido rejeitado muitas vezes por ser “bobo” ou “infantil demais”, Harry Potter encontrou uma casa na Bloomsbury, em 1997, com a tiragem de 500 exemplares. O livro fez sucesso, logo ganhou uma segunda edição e começou a fazer barulho na Inglaterra, chamando atenção de outras editoras mundo afora. J. K. Rowling chegou aos Estados Unidos pela Scholastic, que pagou cerca de US$ 100 mil em adiantamento pelos direitos da obra (uma aposta e tanto para uma autora iniciante).
Em 1998, na Feira do Livro de Frankfurt, a Rocco começou a negociar a vinda de Harry Potter para o Brasil: o fenômeno finalmente desembarcaria aqui nos anos 2000.

Monica Figueiredo, editora de todos os volumes publicados no Brasil, explica que desde o começo a Rocco acreditou no potencial da obra, mas que não fazia ideia de que ela se tornaria um produto cultural tão relevante quanto se tornou:
Desde o início, acreditamos no potencial de sucesso dos livros por se tratar de uma narrativa de fantasia original e bem construída, mas não imaginávamos que a série fosse se tornar o fenômeno em que se transformou.
Para Monica, o fenômeno Potter demonstrou o valor transformador da literatura através de seus temas e personagens, que cativaram pessoas de todas as idades. "Harry Potter recuperou e renovou valores importantes para os jovens – uma das características da literatura voltada para esse público –, adaptando-se aos novos tempos e estimulando a imaginação, mas um fator determinante no sucesso extraordinário da série de J.K. Rowling é que ela ultrapassou fronteiras – de línguas, culturas e, principalmente, de idade – conquistando igualmente crianças, jovens e adultos. ", explica.
Com as adaptações cinematográficas chegando, a base de fãs aumentou e o processo de trabalho na editora se intensificou. Lia Wyler, tradutora dos sete volumes, mantinha contato constante com a editora britânica para achar a melhor forma de adaptar a linguagem e o estilo de Rowling para o público nacional — Wyler chegou ao ponto de inventar palavras, como "pomorim", o pássaro que era usado pelos bruxos para se jogar quadribol antes do uso dos pomos de ouro. Todas as criações foram aprovadas pela editora e pela própria Rowling, segundo a tradutora
Na reta final da série, as traduções chegaram a ser feitas em três meses, com Wyler trabalhando em regime de exclusividade e o processo de revisão sendo feito simultaneamente com a adaptação para o português. Isso resultou em fãs formando filas em livrarias pouco tempo depois dos livros serem lançados no exterior, garantindo que os brasileiros soubessem o que acontecia na história rapidamente.
Geração Harry Potter
Harry Potter e A Pedra Filosofal chegou ao Brasil e logo explodiu, principalmente com a chegada do primeiro filme e os sete livros da série, combinados, venderam mais de 4 milhões de cópias.
Mas, além do sucesso de mercado, a obra também foi base para novas amizades que se formaram em comunidades online, nas filas de cinema ou para garantir o exemplar do livro o quanto antes.
Renato Augusto Ritto, um dos editores do Potterish, o maior site feito por fãs do Brasil, a obra de Rowling foi decisiva até mesmo em sua vida profissional:
Me interessei muito pela área editorial, comecei a ler muito e procurar cada vez mais coisas sobre o ramo. Fui estudar Letras porque me apaixonei por literatura, voltei minha graduação para editoração e acabei transferindo meu curso, realmente entrando para Editoração na USP e trabalhando em uma editora. Isso tudo porque um dia essa história entrou na minha vida.
Apesar de ser incrivelmente popular, Harry Potter também é muito novo: 20 anos é pouco tempo, analisando de uma maneira geral, mas alguns escritores famosos já declaram a paixão e a influência da série de livros em suas obras, como Daniel Handler (o nome real de Lemony Snicket, de Desventuras em Série) e Christopher Paolini (Eragon). E muitos jovens escritores ainda estão surgindo, como no Wattpad, por exemplo. Na plataforma de publicação independente, não faltam fanfics com os personagens dos livros e histórias que expandem o universo de forma não oficial. Felipe Sali, um dos embaixadores no Brasil, escreveu Mais Leve que o Ar, romance entre uma druida, Melissa, e um inventor, Pablo, no Reino de Amberlin, agora publicado pela Lote42.
Os livros me ensinaram como usar elementos mágicos da forma mais natural possível, como se fosse mesmo possível você sacar a varinha e fazer algo voar no seu dia a dia. A cada livro, Harry envelhece um pouco e eu fui envelhecendo exatamente na mesma proporção que ele. As minhas experiências de vida meio que se misturavam com a do personagem e eu fico até meio triste em saber que vai ser bem difícil que outra obra de ficção entre na minha vida dessa maneira.
Alguém duvida que J.K. Rowling será citada como influência para uma nova geração, assim como J. R. R. Tolkien, Edgar Allan Poe, Sir Arthur Conan Doyle, Julio Verne, Agatha Christie e tantos outros?
O universo expandido e o futuro da franquia
A história de Harry Potter é contada em sete livros principais (ou oito filmes), mas também possui um vasto universo expandido que dá margem para que a franquia continue viva por muito tempo. Em 2016, foi lançada a peça Harry Potter e a Criança Amaldiçoada que, apesar de ser criticada pelos fãs, é considerada canônica e mostra o que aconteceu ao final do sétimo livro.
O Mundo Bruxo também é expandido no parque The Wizarding World of Harry Potter, que possui três unidades ao redor do mundo: em Orlando, na Califórnia e no Japão. Lá, os fãs podem se sentir parte do mundo criado por Rowling, com direito a um tour por dentro de Hogwarts, uma fuga de Gringotes e uma (deliciosa, diga-se de passagem) cerveja amanteigada no bar Caldeirão Furado. A área temática de Orlando possui recriações de Hogsmeade e do Beco Diagonal, com o Expresso de Hogwarts interligando as duas localizações (que ficam em parques vizinhos, porém separados). Precisa de uma varinha? Sem problemas! É só visitar o Sr. Olivaras e uma irá te escolher. Quer provar os Feijõezinhos de Todos os Sabores? É fácil! É só dar um pulinho na Honeydukes. Está tudo lá, enchendo os olhos dos fãs e dando uma sensação mágica e única (eu posso ou não ter deixado algumas lágrimas escorrerem quando pisei lá).

Em 2016, também tivemos a estreia de Animais Fantásticos e Onde Habitam, primeiro filme de "uma nova era do Mundo Bruxo". O longa, primeiro de uma franquia com outros quatro vindo por aí, mostra as aventuras de Newt Scamander (Eddie Redmayne), um magizoologista que viaja pelo mundo catalogando criaturas mágicas. As próximas histórias dessa série mostrarão o jovem Dumbledore e ampliarão a mitologia da obra de Rowling.
Por enquanto, nem a autora e nem a Warner Bros. possuem planos para a franquia depois da conclusão de Animais Fantásticos e Onde Habitam, mas histórias não faltam: há anos os fãs pedem por histórias que mostrem os Marotos (os amigos do pai de Harry), para um livro que fale sobre os fundadores de Hogwarts e até mesmo por um mergulho ainda mais profundo no passado de “você sabe quem”.
A Bloosmbury e a Rocco estão lançando as versões ilustradas pelo artista Jim Kay — o segundo volume, Harry Potter e a Câmara Secreta, chegou ao Brasil no primeiro semestre desse ano. Além disso, o mercado brasileiro recebeu recentemente o roteiro original de Animais Fantásticos e Onde Habitam e novas edições de Os Contos de Beedle, o Bardo; Quadribol Através do Século e o próprio Animais Fantásticos.
Harry Potter inspirou pessoas, despertou paixões pela literatura, gerou amizades, teve um impacto cultural e mercadológico sem precedentes. Nem mesmo a professora de Adivinhação da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Sibila Trelawney, reclusa em uma torre, teria previsto algo assim.
E isso tudo em apenas 20 anos.