171 dá um passo em direção ao sonho do GTA brasileiro

A indústria de games brasileira passa por seu melhor momento, com um fluxo de jogos incríveis como Unsighted, Blazing Chrome, Fobia - St. Dinfna Hotel e muitos outros sendo lançados em um curto período de tempo. Ainda assim, para muitos jogadores, o ápice só chegará quando os desenvolvedores daqui forem capazes de emular os Triple A do exterior. É o caso de 171 - popularmente conhecido como “o GTA brasileiro”.

O jogo te coloca em uma típica cidade brasileira, em um mundo aberto que te permite traçar seu próprio caminho - seja através do trabalho ou do crime. Por enquanto, ainda não há história ou missões, apenas exploração e atividades secundárias. Mas caminhar pela cidade já mostra a maior qualidade do projeto: a atenção aos detalhes para retratar o cotidiano brasileiro.

Com uma equipe de sete desenvolvedores, o estúdio Betagames Group toca o projeto desde 2015, e só recentemente lançou uma versão Alpha no PC, em Acesso Antecipado. Já é possível testar uma parte de 171, que demonstra bem o enorme potencial do título, ao mesmo tempo que reforça que realizar esse sonho talvez ainda esteja um pouco distante.

Jeitinho brasileiro

A franquia GTA recria e satiriza a vivência estadunidense em cidades como Los Angeles, Nova York e Miami, então tudo - do design ao humor - é muito particular da cultura norte-americana. 171 entende que não basta só criar um mapa parecido com algo brasileiro, e sim realmente abraçar toda a irregularidade, variedade e os contrastes entre beleza e precaridade que definem as cidades do país.

O game então apresenta sua própria versão de um típico município do interior, com suas ladeiras, terrenos baldios, e quarteirões que transitam entre asfalto, paralelepípedos e ruas de terra até na mesma quadra.

Há um esforço admirável em retratar a variedade das casas, dos mais diferentes materiais e acabamentos, e também em criar estabelecimentos que poderiam sim existir na vida real. Mercados, padarias e pizzarias virtuais acertam tanto no design barato e deliciosamente cafona, que até levantam dúvidas se não foram pinçados de comércios de verdade.

Os desenvolvedores fizeram um trabalho tão bom em analisar e reconstruir um típico cenário brasileiro, que até a paisagem sonora é assustadoramente precisa. Durante uma missão nas horas finais da madrugada, foi possível ouvir a icônica ‘sirene do guardinha’, aquele alerta sonoro do guarda do bairro que ronda as madrugadas de moto. Já de tarde, ao desligar a rádio do carro - que, por sinal, tem rádios que vão do funk pesadão ao rap -, uma rua tranquila trazia o canto dos pássaros bem-te-vi.

Em todo canto que você cutucar de 171, encontrará a essência do Brasil perfeitamente traduzida ao videogame. Isso significa comprar roupas em uma vendinha de bairro, daquelas que colocam manequins na calçada e tudo, ou então ser revivido e curado pelo posto de saúde, que traz até campanhas de conscientização contra a dengue em seu exterior.

O maravilhamento do jogo se dá pelo fato de que a cultura brasileira, em toda sua imperfeição, dá excelente ambientação para games, e ainda assim foi pouco explorada. Isso, porém, não significa que o trabalho de 171 está feito. Na verdade, o título ainda está bem longe de ser finalizado.

Sonho é um doce difícil de conquistar

Chamar a versão de testes do Alpha parece ainda bastante precipitado. Não só o game está mal otimizado, como também há pouquíssimo conteúdo para testar, de fato. O mapa é grande e impressiona, deixando claro que acertar o feeling de caminhar por um “GTA brasileiro” é a prioridade dos desenvolvedores. Mas o que o jogador fará nesse mundo ainda precisa ser definido.

O mesmo charme do cenário se aplica nas atividades presentes, como trabalhar de motorista por aplicativo ou então como motoboy. Não é surpreendente que essas tarefas tão mundanas sejam alvo de fascínio virtual. Como já falamos aqui antes, há todo um segmento de jogos brasileiros dedicados à verdadeira cultura do país, especialmente nos celulares. O problema é que tudo fica repetitivo rapidamente.

Ainda assim, as mecânicas de direção são minimamente satisfatórias, e o mesmo vale para os tiroteios, muito presentes nas atividades ilegais, como dominar territórios tomados por gangues. Tudo isso serve para dizer que 171 tem todos os ingredientes certos, mas ainda precisa de bastante tempo no forno - e isso não deveria ser alvo de críticas.

Nem a Rockstar construiu a franquia GTA da noite para o dia, especialmente os jogos em 3D. Foram preciso décadas, centenas de funcionários (muitos deles explorados, moídos e sem receber horas extras) e muito investimento, tanto público quanto privado. Trabalhar com games pode parecer mágico e divertido, mas é um trabalho como qualquer outro.

Sendo assim, sete anos em desenvolvimento, e apenas sete funcionários, é pouco para um projeto que quer conquistar os mesmos resultados que um blockbuster de orçamento milionário e equipes gigantescas. Especialmente num país que pouco dá atenção para o setor audiovisual e que menospreza a ideia de uma economia criativa.

Considerando o enorme desafio de adaptar as peculiaridades de uma cultura para outra completamente diferente, os desenvolvedores de 171 correm atrás de um ideal que é sim um pouco elusivo, mas mostram que estão empenhados em trazer esse sonho para a realidade.

O jogo ainda não está próximo de realizar isso, e sua versão lançada mais se parece com um pré-Alpha ou um teste de conceito, mas é um sólido primeiro passo na direção correta de um longo caminho. Só é preciso de mais tempo, recursos, muito esforço, e também paciência e compreensão dos jogadores.