Yellowjackets definitivamente não é uma série tranquila. Se a promessa de acompanhar jovens lutando para sobreviver na mata após um acidente aéreo parece sinistra, a abertura dobra a aposta ao mostrar uma delas sendo morta e devorada por parte do grupo logo de cara. Esse é só o ponto de partida para uma das produções mais surpreendentes, envolventes e angustiantes dos últimos anos.
Caso a ideia de jovens que recorrem à brutalidade após se perderem na natureza soe familiar, não estranhe. A ideia para a série surgiu do anúncio de que a Warner faria uma nova adaptação de O Senhor das Moscas, famoso romance de William Golding com essa exata premissa, com um elenco feminino.
Esse projeto não se tornou Yellowjackets – e sequer foi adiante –, mas a repercussão negativa chamou a atenção de Ashley Lyle, roteirista de Narcos. Muitos comentários duvidaram que um grupo de mulheres recorreria à barbárie como ocorre aos garotos do livro.
A descrença debochada se tornou a semente que levou a escritora a sugerir a Bart Nickerson, marido e parceiro criativo, uma história nesses moldes. Tomando o livro de Golding e filmes como Vivos (1993) como ponto de partida, a dupla buscou inspiração em clássicos da TV, do cinema e até eventos reais para expandir a história e torná-la muito mais que “O Senhor das Moscas para garotas”.

Decifra-me enquanto te devoro
Yellowjackets se passa em dois períodos distintos. O primeiro é o ano de 1996, quando o time de futebol feminino que dá nome à série sofre um acidente aéreo que as prende em uma mata por um ano e meio. O segundo é 2021, quando o acidente completa 25 anos. Às vésperas do aniversário, a tragédia volta a ganhar atenção e leva algumas das sobreviventes a reviver os dias de terror que juraram guardar em segredo.
Com essa estrutura, a produção original do Showtime estabelece seus principais trunfos. O primeiro deles, obviamente, é o mistério. Ao sugerir que as protagonistas cometeram canibalismo logo nos primeiros minutos, a série instantaneamente atiça a curiosidade – em partes, mórbida – do público em entender como as coisas chegam neste ponto.
Um objetivo claro dos criadores, como explicado por Bart Nickerson. Ao Thrillist, ele explicou que Yellowjackets é focada “não em ‘o que’ aconteceu, mas ‘por quê’”. Trazer versões adultas das personagens só torna essa pergunta ainda mais inquietante, já que o resgate não significa o final feliz que costuma acontecer nessas histórias.
Pelo contrário, o presente traz sua cota de problemas e mistérios ao ponto de que a história nunca fica massante. Mais do que reagir às tenebrosas memórias dos acidentes, elas são atormentadas por diversos novos problemas e dúvidas, que se somam à grande incógnita que é: o que diabos aconteceu naquela floresta 25 anos atrás?

Com essa nuvem de perguntas pairando, Yellowjackets parte da história de sobrevivência e passeia por outros subgêneros que vão de suspense psicológico ao terror rural e sobrenatural, passando por horror corporal e além. E o grande trunfo da série é passar por todos eles com o propósito de levar a história adiante.
Além de uma clara construção de mitologia enquanto avança, o enredo também foca nas nas personagens e suas relações. Nesse ponto o conceito de “versão feminina de O Senhor das Moscas” se torna uma espécie de bússola que guia os caminhos da história, que se apropria de questões do amadurecimento.
Diretora e produtora do seriado, Karyn Kusama (Garota Infernal) explicou ao New York Times que “a ideia de garotas sentindo que precisam destruir umas às outras me pareceu emocionalmente familiar. Achei algo interessante para explorar e permitiu que a metáfora fosse poderosa e direta, ainda que o evento seja uma bagunça extrema.”

Criadora, Ashley Lyle concorda e explica que cada reviravolta e novo acontecimento foi pensado para “honrar os riscos e circunstâncias em que essas garotas estão. A série é muito sobre a fragilidade do corpo humano e o horror de ser uma adolescente”. Mas a roteirista é esperta e sabe que uma história bem contada tem um potencial universal:
“A ideia de sobreviver na mata e viver o evento terrivelmente traumático de uma queda de avião é muito específico, mas sentimos que contar [a história] em duas linhas do tempo nos permitia também fazer algo universal, já que todo mundo viveu algum tipo de trauma. Você não precisa estar em uma queda de avião para ter experimentado um trauma”, refletiu à EW.
E veja bem, por mais que Yellowjackets seja excelente com terror, a série brilha em outras searas, como o drama e até o humor. Citando Família Soprano como exemplo, Lyle explica que trazer outros elementos permite que as personagens sejam mais autênticas. E isso nos leva ao outro grande acerto da série: o elenco.
O incrível elenco de Yellowjackets
É simplesmente impossível indicar Yellowjackets sem citar as talentosas atrizes que dão vida à história. Se o texto apresenta personagens complexas em suas qualidades, defeitos, filosofias e crenças, o elenco dá um show a parte.
Cronologicamente, isso é visto desde o começo quando voltamos à 1996 nos dias antes do acidente. Com a experiência de projetos que vão de séries da Disney como Zack & Cody e Star Wars a grandes produções como A Menina Que Roubava Livros, Mad Max e Pânico, as jovens seguram a responsabilidade de mostrar como adolescentes comuns embarcam em uma espiral de loucura que desemboca em canibalismo.
É assim que nomes como Ella Purnell (Jackie), Sophie Nélisse (Shauna), Sophie Thatcher (Natalie), Jasmin Savoy Brown (Taissa), Liv Hewson (Van), Samantha Hanratty (Misty) e Lottie (Courtney Eaton) se tornam o pilar de sustentação ao equilibrar horror, drama e até comédia.

As jovens se saem tão bem, que justificam a escalação de grandes estrelas para viver suas versões adultas. Estamos falando de atrizes do calibre de Christina Ricci (A Família Addams), Melanie Lynskey (The Last of Us) e Juliette Lewis (Assassinos por Natureza), cuja presença ainda evoca outro tempero de Yellowjackets: a nostalgia.
Considerando que parte da história se passa na década de 1990, faz todo o sentido trazer atrizes que estouraram justamente naquela época. Porém, mais do que afagar a memória afetiva, as escalações se mostram brilhantes ao estabelecer quem as garotas estão fadadas a se tornar. Uma relação que assusta graças às semelhanças entre as versões jovens e maduras das personagens.

Se não acredita, tire como base o Emmy, grande premiação da televisão norte-americana. A cerimônia de 2022 lembrou de todo o time na indicação de Melhor Elenco em Série Dramática e ainda destacou Lynskey e Ricci, que disputaram Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente.
Somadas às indicações de Melhor Série Dramática, Melhor Direção e Melhor Roteiro, é justo dizer que a produção caiu nas graças da crítica e do público nos EUA. Uma fama que justificou a renovação para a segunda e terceira temporadas.
Como os criadores planejam cinco temporadas ao todo e a segunda acabou de chegar ao Brasil pelo Paramount+, esse é um bom momento para se embrenhar nesse enigma da esfinge moderno, que te devora enquanto você o decifra.
Yellowjackets ganha episódios inéditos às sextas-feiras no Paramount+;