O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder tem 2ª temporada mais coesa, apesar dos problemas

Existem experiências que só os fãs de grandes sagas da cultura pop conseguem ter. Uma delas é a sensação de “voltar a um lugar familiar” ao revisitar produções que marcaram momentos importantes da vida. E, sem dúvida alguma, muitas pessoas sentem isso com O Senhor dos Anéis, história criada por J.R.R. Tolkien. Felizmente, a segunda temporada de Os Anéis de Poder, produção do Amazon Prime Video, trouxe tal emoção de volta.

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Desde que adquiriu os direitos para adaptar parte da história da Terra-média, a empresa sabia que estava com algo grande em mãos. Afinal, o universo idealizado por Tolkien habita o imaginário de fãs há gerações, teve três boas adaptações aos cinemas, e outras três não tão boas. A linha entre o “erro” e o “acerto” sempre foi tênue em relação à franquia, e a própria primeira temporada sofreu com decisões narrativas questionáveis e pouco equilíbrio entre tantos núcleos.

Passado o estranhamento inicial, do público e dos realizadores, parece que O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder chegou ao segundo ano com mais segurança da história que quer contar. Diferente do começo da trama, que serviu para estabelecer muitas coisas, os novos episódios focaram mais em pontos importantes da história da Terra-média, e se aproveitaram da melhor forma possível da presença de um antagonista claro.

O poder de Sauron

Imagem da 2ª temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder

Sendo uma história clássica sobre o bem e o mal, O Senhor dos Anéis cresce quando tem um vilão contra o qual todos possam se unir. E tal personagem chegou à segunda temporada na figura de Annatar, confirmada posteriormente como Sauron (Charlie Vickers). Porém, o grande ser sombrio que vemos não é o olho retorcido em chamas, muito menos a figura de capuz preto que cria o Um Anel nos livros e filmes.

O Sauron do segundo ano de Os Anéis de Poder é charmoso, compreensivo, sabe como usar as palavras e, especialmente, os sentimentos das pessoas a seu favor. Mérito do roteiro e também da boa atuação de Charlie Vickers, que surpreendeu nos novos episódios após entregar a figura do mortal Halbrand na primeira temporada.

A performance contundente de Vickers constrói um Sauron tão cativante, que por muitos momentos o público se pega entendendo as ações de Celebrimbor (Charles Edwards), o ferreiro élfico enganado para forjar os Anéis de Poder. Claro, nos episódios mais recentes a enganação se tornou mais clara, mas a produção acerta ao não colocar o elfo em um lugar de ignorância completa, mas sim de uma fraqueza originada pelo ego.

Como a temporada não se cansa de repetir, quando o vilão consegue enxergar o coração das pessoas, ele usa cada fragilidade contra quem quer dominar e, no caso de Celebrimbor, sabe que há um desejo por grandeza, ainda que não exista maldade. Com isso, ótimas cenas de toda a temporada foram protagonizadas por Vickers e Edwards, que construíram uma bela dinâmica entre os dois personagens.

Ao colocar isso em tela, O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder teve o trunfo de expressar claramente uma das grandes características da escrita de Tolkien, especialmente em relação à Segunda Era da Terra-média. Afinal, é claro que devemos temer um olho retorcido em chamas em cima de uma torre (risos), mas também é importante ficar atento a quem habita ao nosso redor, porque as forças sombrias atuam de várias formas no mundo, e só a luz é capaz de vencê-las.

Mas nem tudo são as flores dos Valar

A indiscutível melhora na segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder não quer dizer que os novos episódios não tiveram problemas. Apesar de ter evoluído, o equilíbrio entre os vários núcleos ainda incomoda em alguns momentos, especialmente quando a série precisa dar atenção para personagens cuja jornada está mais lenta em comparação ao resto. Alguns caminhos felizmente já se uniram, mas não há como negar um certo sentimento de “bagunça” em outros momentos.

Porém, o maior ponto de atenção da produção do Prime Video é a dicotomia entre repetir os filmes de Peter Jackson, mas tomar certas liberdades narrativas que podem comprometer a trama nas próximas temporadas.

Neste sentido, a produção parece ter uma necessidade quase patológica de replicar cenas e diálogos da trilogia de O Senhor dos Anéis, quase sem nenhuma mudança. É de se imaginar que o foco é em um claro espelhamento e repetição de algo familiar para o público. Mas o resultado passa longe disso, e entrega, na verdade, uma sensação de que a série tem medo de caminhar com os próprios pés e criar cenas memoráveis por si só.

Curiosamente, em outros momentos, Os Anéis de Poder vai na direção oposta e cria coragem até demais, mudando coisas que possuem reflexos narrativos de longo prazo e com os quais a produção terá que lidar no futuro, como a revelação sobre O Estranho no último episódio.

E, antes que isso soe apenas como uma “reclamação do fã raíz de Tolkien”, o que incomoda é a série usar apenas o que acha conveniente, e ignorar outros pontos que são de igual importância. Para quem ama esse universo, tais decisões soam meramente mercadológicas e sem um foco claro em contar uma boa história na Terra-média.

Dessa forma ambígua, mas ainda pendendo mais ao positivo, O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder encerra a jornada de sua segunda temporada com muitas perguntas a responder. Se, do primeiro para o segundo ano, a evolução foi clara, resta agora esperar que o salto de qualidade narrativo aconteça novamente, e de forma ainda mais profunda, na vindoura terceira temporada.