Uma máxima que circula entre os teóricos que analisam a ficção científica é que o gênero é uma extrapolação da realidade afim de abordar temas humanos de sua época. "Twice Upon a Time", o próximo especial de Natal de Doctor Who, abraça essa afirmação e encerra o arco de Peter Capaldi de um jeito emocionante e profundamente humano.
No episódio, os dois Doutores estarão encalhados em uma nevasca enquanto se recusam a encarar a regeneração. Enquanto isso um capitão do exército britânico, aparentemente destinado a morrer na Primeira Guerra Mundial, é levado das trincheiras para cumprir seu papel na história do Doutor.
Apesar da trama principal girar em torno de um grande conflito de nossa espécie, "Twice Upon a Time" subverte expectativas e traz uma narrativa mais intimista, que se preocupa mais em discutir temas como identidade, lembranças, perdas e escolhas do que apresentar um vilão grandiloquente que quer destruir o tecido do tempo e do espaço.
O grande destaque é a dinâmica entre o 12º Doutor (Capaldi) e o 1º Doutor (David Bradley) — aqui, o roteiro de Steven Moffat cria um senso de circularidade para a série como um todo, criando uma coerência entre os episódios clássicos e os mais recentes. "Twice Upon a Time" também explora como o mundo mudou desde a década de 60: isso é feito a partir de diálogos que evocam o cenário sociopolítico do século 20 às mudanças na moda que aconteceram nos últimos cinquenta e poucos anos.
Capaldi apresenta uma performance consistente com o que foi visto na décima temporada, sem tirar nem pôr. Bradley consegue imitar com maestria os trejeitos do Doutor vivido por William Hartnell em 1963 — do tom de voz aos gestos pomposos, além, claro, da personalidade rabugenta.
"Twice Upon a Time" também marca o fim da era de Steven Moffat como showrunner e deixa várias possibilidades em aberto para que Chris Chibnall ao lado da Doutora de Jodie Whittaker renovem a série de forma drástica — assim como foi na regeneração de David Tennant para Matt Smith.
Com seus temas centrais, "Twice Upon a Time" nos faz pensar que, apesar de todas as nossas guerras, de todo o nosso ódio, da polarização que domina nossos tempos, dos conflitos que afligem nosso cotidiano e de tudo que nos faz perder a fé na humanidade, nossa espécie tem potencial para ser gentil e construir um futuro melhor do que o presente — uma aula de como se faz uma boa ficção científica.
A análise foi feita a partir do episódio cedido ao Jovem Nerd News pela BBC.