Tudo em Senua’s Saga: Hellblade II grita brutalidade. O cenário imponente da Islândia viking, a violência do combate, os grunhidos de dor e esforço da protagonista, empenhada em uma jornada de vingança contra aqueles que mataram a sua família. Mas a visceralidade dessa aventura tem propósito: mascarar a dor amarga, a culpa e o arrependimento.
Sequência do game de 2017, o novo título da Ninja Theory chega como um dos grandes lançamentos do ano, fazendo bom uso de uma equipe maior de desenvolvimento, financiamento direto da Microsoft e gráficos hiper-realistas. Ainda assim, o que torna a experiência tão marcante é a sensibilidade de transitar entre o horror e a humanidade.
Terra de Gigantes

Mas categorizar Senua’s Saga como uma simples trama de vingança não é exatamente preciso. A caçada ganha outra forma quando a guerreira passa a entender que muitas das atitudes dos inimigos são, na verdade, medidas desesperadas para lidar com as várias ameaças de um mundo assustador, assombrado por almas penadas, a constante ameaça de violência e por impiedosos gigantes.
Desde que deu as caras no original, a protagonista fascina por ser uma guerreira habilidosa, mas ainda terrivelmente humana, com diversas feridas emocionais. No segundo game, isso se acentua ao ritmo que fica evidente que sua missão nada mais é do que o trauma de estar constantemente cercada de morte, impotente de salvar a todos.

A virada, de jornada de vingança para busca por redenção, é um pouco brusca, e pode decepcionar quem espera algo mais direto, mas acaba sendo uma decisão acertada e muito consistente com quem a Senua é. O crescimento da protagonista ao longo dos dois jogos é orgânico, demonstrando que a luta para entender a própria mente é um processo constante, que molda decisões e o contato com o mundo exterior.

Talvez mais até do que no primeiro, a trama é o grande destaque, e acerta na conturbada evolução de Senua como guerreira, líder e pessoa em constante batalha com a própria saúde mental. A protagonista segue sendo umas das mais fascinantes dos games, conciliando fúria com vulnerabilidade, e enfim canalizando sua empatia como poder de enxergar o melhor até naqueles que considera inimigos. A jornada é, no fim das contas, a busca por salvar a todos da mesma escuridão que lhe tirou tanto. Afinal, como o próprio game coloca, todo monstro já foi uma pessoa.
Sangue e fogo

Levemente mais extenso que o primeiro, Hellblade II ainda é uma aventura curta, que pode ser concluída em torno de 6 a 8 horas, mas com mais variedade de tudo, especialmente de tons. Em um momento, a protagonista caminha por paisagens de encher os olhos, com vistas de montanhas e mares de fotorrealismo absurdo, acompanhada de narração melancólica. Em outros, o jogo flerta com o terror e a coloca para se esgueirar por cavernas escuras, repletas de perigos, tensão e sustos, como uma versão nórdica do filme O Abismo do Medo (2005).
O ritmo que as coisas se desenrolam é um dos grandes aliados da ótima narrativa. Há bastante tempo de silêncio e contemplação, oque apenas amplifica ainda mais a ação, quando ela dá as caras. O melhor exemplo disso está no combate: os conflitos são bastante espaçados, ao ponto de você passar uns 40 minutos entre uma briga e outra, mas toda batalha é de tirar o fôlego.

Cada batalha traz uma frenética sequência de inimigos, te forçando a enfrentar um atrás do outro. É difícil não se sentir rodeado, ainda mais quando animações enfatizam o caos ao iniciar o combate com cenas de inocentes tropeçando para cima de Senua, ou de guerreiros golpeando a protagonista desprevenida. Dessa forma, toda briga é intensa, de deixar o jogador na ponta da cadeira, suando frio para tentar acertar a mão das esquivas, bloqueios e ataques nas horas certas. Ao longo de toda a campanha, todas as batalhas foram intensas, viscerais e memoráveis.
Pesadelo imersivo

Mas esse é um dos poucos elementos “videogamísticos” de Hellblade II. Não há árvores de habilidade, itens colecionáveis aleatórios, mapas abertos para explorar, barras de vida ou mesmo botões na tela. Tudo é pensado para ser o mais natural o possível, e a abordagem funciona pela ótima direção do game.

O primeiro Hellblade era uma anomalia, um híbrido de indie com blockbuster, montado por cerca de 20 desenvolvedores para demonstrar que ainda existia espaço para jogos inteiramente single-player, de curta duração, focados em narrativa. Anos depois, com uma equipe quatro vezes maior e muito mais dinheiro, Senua’s Saga: Hellblade II pega todos os recursos e experiência que adquiriu para construir uma obra mais confiante e original que a antecessora, enfatizando a necessidade de títulos assim em uma era ainda mais infestada pelas experiências multiplayer online ou pelos jogos estufados de “conteúdo”.

É um jogo que brilha nos contrastes, na sensibilidade e na humanidade, mas sem abrir mão do espetáculo visual, da empolgação de um combate intenso. Nem tudo funciona, como algumas das escolhas da trama, ou mesmo a conclusão abrupta, que deixa a sensação de que a história se encerra mais cedo do que deveria, ainda mais após uma excelente reta final. Mas a Ninja Theory parece entender que correr riscos assim é parte essencial de criar algo único e ousado, e mais games deveriam seguir o exemplo.
Senua’s Saga: Hellblade II já está disponível para Xbox Series X | S e PC, e integra o catálogo do Game Pass de ambas as plataformas. A review foi feita com base na versão de Xbox Series X, cedida pelo Xbox.
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