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Senua's Saga: Hellblade II é uma jornada de redenção brutal | Review
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Senua's Saga: Hellblade II é uma jornada de redenção brutal | Review

Evolução completa do original, sequência subverte trama de vingança com toque humanista e jogabilidade intensa

Arthur Eloi
Arthur Eloi
21.mai.24 às 05h00
Atualizado há 11 meses
Senua's Saga: Hellblade II é uma jornada de redenção brutal | Review
Senua's Saga: Hellblade II/Captura de tela

Tudo em Senua’s Saga: Hellblade II grita brutalidade. O cenário imponente da Islândia viking, a violência do combate, os grunhidos de dor e esforço da protagonista, empenhada em uma jornada de vingança contra aqueles que mataram a sua família. Mas a visceralidade dessa aventura tem propósito: mascarar a dor amarga, a culpa e o arrependimento.

Sequência do game de 2017, o novo título da Ninja Theory chega como um dos grandes lançamentos do ano, fazendo bom uso de uma equipe maior de desenvolvimento, financiamento direto da Microsoft e gráficos hiper-realistas. Ainda assim, o que torna a experiência tão marcante é a sensibilidade de transitar entre o horror e a humanidade.

Terra de Gigantes

Jornada de Senua pode até começar como vingança, mas logo ganha ares de redenção [Créditos: Senua's Saga: Hellblade II/Captura de tela]
Senua, a protagonista da série, não é nenhuma estranha aos horrores. No jogo anterior, a guerreira celta desceu ao inferno nórdico para salvar a alma do amado, ao mesmo tempo que batalhava contra as incessantes vozes da sua cabeça. Agora, de volta ao mundo real, e com melhor entendimento sobre a própria condição, ela parte em uma caçada contra os vikings que lhe causaram tanta dor, permitindo ser capturada para se infiltrar entre os escravistas que colonizam a Islândia.

Mas categorizar Senua’s Saga como uma simples trama de vingança não é exatamente preciso. A caçada ganha outra forma quando a guerreira passa a entender que muitas das atitudes dos inimigos são, na verdade, medidas desesperadas para lidar com as várias ameaças de um mundo assustador, assombrado por almas penadas, a constante ameaça de violência e por impiedosos gigantes.

Desde que deu as caras no original, a protagonista fascina por ser uma guerreira habilidosa, mas ainda terrivelmente humana, com diversas feridas emocionais. No segundo game, isso se acentua ao ritmo que fica evidente que sua missão nada mais é do que o trauma de estar constantemente cercada de morte, impotente de salvar a todos.

Marcada pelo trauma e constante presença da morte, Senua é uma das protagonistas mais fascinantes dos games atuais [Créditos: Senua's Saga: Hellblade II/Captura de tela]
Assim, o coração é o que move a trama, dividido entre a raiva, a amargura da injustiça, e a compaixão por aqueles que, assim como ela, também são atormentados pela sombra do ódio. E quem carrega a personagem por essa vasta game de emoções é a atuação de Melina Juergens, que empresta rosto e voz à Senua. Tanto a atuação sofrida, cheia de dor e arrependimento, quanto a excelente tecnologia que cria expressões faciais assustadoramente reais garantem uma campanha melancólica, cheia de emoções agridoces, que não é comum de encontrar em videogames.

A virada, de jornada de vingança para busca por redenção, é um pouco brusca, e pode decepcionar quem espera algo mais direto, mas acaba sendo uma decisão acertada e muito consistente com quem a Senua é. O crescimento da protagonista ao longo dos dois jogos é orgânico, demonstrando que a luta para entender a própria mente é um processo constante, que molda decisões e o contato com o mundo exterior.

Interação de Senua com outros personagens é fundamental para desafiar sua evolução [Senua's Saga: Hellblade II/Captura de tela]
A sequência, inclusive, acerta ao introduzir outros personagens com quem a protagonista se relaciona, como o viking Thórgestr, o mentor Fargrímr, e a guerreira Ástríðr. O trio, que dá as caras em diferentes pontos da aventura, serve para desafiar a confiança abalada e o desejo de conexão de Senua. Ver o turbilhão de sentimentos da personagem, cujas vozes sempre são cautelosas, torna interessante todas as interações que ela tem com o restante do grupo, ainda que Thórgestr seja o único bem desenvolvido entre os três.

Talvez mais até do que no primeiro, a trama é o grande destaque, e acerta na conturbada evolução de Senua como guerreira, líder e pessoa em constante batalha com a própria saúde mental. A protagonista segue sendo umas das mais fascinantes dos games, conciliando fúria com vulnerabilidade, e enfim canalizando sua empatia como poder de enxergar o melhor até naqueles que considera inimigos. A jornada é, no fim das contas, a busca por salvar a todos da mesma escuridão que lhe tirou tanto. Afinal, como o próprio game coloca, todo monstro já foi uma pessoa.

Sangue e fogo

Das paisagens ao horror, variedade de tons e ambientes enriquece a narrativa do game [Créditos: Senua's Saga: Hellblade II/Captura de tela]
Há uma diferença fundamental entre o primeiro game e a sequência. O antecessor foi um projeto notoriamente desenvolvido com poucos recursos (para um jogo blockbuster), o que foi bem documentado em uma série de vídeos no Youtube. O resultado foi um jogo muito bom, mas também sucinto e, francamente, repetitivo em termos de design. Tudo muda na sequência, que incorpora os altos e baixos da jornada de Senua em todos os elementos, dos cenários à jogabilidade.

Levemente mais extenso que o primeiro, Hellblade II ainda é uma aventura curta, que pode ser concluída em torno de 6 a 8 horas, mas com mais variedade de tudo, especialmente de tons. Em um momento, a protagonista caminha por paisagens de encher os olhos, com vistas de montanhas e mares de fotorrealismo absurdo, acompanhada de narração melancólica. Em outros, o jogo flerta com o terror e a coloca para se esgueirar por cavernas escuras, repletas de perigos, tensão e sustos, como uma versão nórdica do filme O Abismo do Medo (2005).

O ritmo que as coisas se desenrolam é um dos grandes aliados da ótima narrativa. Há bastante tempo de silêncio e contemplação, oque apenas amplifica ainda mais a ação, quando ela dá as caras. O melhor exemplo disso está no combate: os conflitos são bastante espaçados, ao ponto de você passar uns 40 minutos entre uma briga e outra, mas toda batalha é de tirar o fôlego.

Muito bem dosado, combate de Hellblade II é um dos grandes acertos da sequência [Créditos: Captura de tela]
A jogabilidade continua simples e elegante, e o combate faz bom uso disso. Há apenas dois botões de ataque, um de esquiva e outro de defesa, e as brigas acontecem apenas em confrontos contra um inimigo por vez. Ainda assim, guerreiros com padrões variados de ataque — alguns rápidos e violentos, outros mais cadenciados e brutais, ou que até que dão dano a distância — pedem atenção, especialmente porque Senua aguenta pouco dano, e não tem energia de sobra para repelir porradas mais fortes e nem se recuperar rapidamente após rolar para longe de um ataque.

Cada batalha traz uma frenética sequência de inimigos, te forçando a enfrentar um atrás do outro. É difícil não se sentir rodeado, ainda mais quando animações enfatizam o caos ao iniciar o combate com cenas de inocentes tropeçando para cima de Senua, ou de guerreiros golpeando a protagonista desprevenida. Dessa forma, toda briga é intensa, de deixar o jogador na ponta da cadeira, suando frio para tentar acertar a mão das esquivas, bloqueios e ataques nas horas certas. Ao longo de toda a campanha, todas as batalhas foram intensas, viscerais e memoráveis.

Pesadelo imersivo

Os puzzles de Hellblade II continuam tediosos, mas pelo menos há menos deles, e com mais variedade de objetivos [Créditos: Senua's Saga: Hellblade II/Captura de tela]
Tudo melhora na sequência do jogo, incluindo a parte mais fraca do original: os quebra-cabeças. Por mais que continuem sendo um pouco tediosos, pelo menos há um pouco de variedade agora. Os enigmas não consistem mais em encontrar runas por determinadas áreas do mapa — ainda que essa mesma dinâmica aconteça algumas vezes no game —, mas também incluem desafios de perspectiva ou coletar relíquias. No mesmo espírito do combate, tudo é um pouco mais cadenciado, portanto já não é mais tão cansativo de resolver vários enigmas um atrás do outro, como no primeiro.

Mas esse é um dos poucos elementos “videogamísticos” de Hellblade II. Não há árvores de habilidade, itens colecionáveis aleatórios, mapas abertos para explorar, barras de vida ou mesmo botões na tela. Tudo é pensado para ser o mais natural o possível, e a abordagem funciona pela ótima direção do game.

Aproveite o silêncio: Hellblade II é marcado por muitos trechos contemplativos, que acentuam a ação e o drama [Créditos: Senua's Saga: Hellblade II/Captura de tela]
Os desenvolvedores demonstram bom controle da câmera, da atmosfera de cada fase, do ritmo que a trama se desenrola, e da excelente escrita, com destaque especial para a poderosa narração. O jogador é guiado por intuição e pelas vozes na cabeça de Senua, que reagem ao cenário e aos aliados da guerreira. Para manter essa progressão mais orgânica, há longos trechos de caminhadas, com uma ou outra interação com o cenário, o que pode entediar alguns jogadores mais frenéticos. Mesmo assim, quem estiver disposto a embarcar na viagem não se decepcionará.

O primeiro Hellblade era uma anomalia, um híbrido de indie com blockbuster, montado por cerca de 20 desenvolvedores para demonstrar que ainda existia espaço para jogos inteiramente single-player, de curta duração, focados em narrativa. Anos depois, com uma equipe quatro vezes maior e muito mais dinheiro, Senua’s Saga: Hellblade II pega todos os recursos e experiência que adquiriu para construir uma obra mais confiante e original que a antecessora, enfatizando a necessidade de títulos assim em uma era ainda mais infestada pelas experiências multiplayer online ou pelos jogos estufados de “conteúdo”.

Com ótima protagonista, trama pesada e humana, e jogabilidade intensa, Hellblade II já é um dos melhores games do ano [Créditos: Captura de tela]
É um game diferente dos outros Triple A, liderado por uma protagonista inteiramente moldada por falhas e traumas, que utiliza suas fraquezas como força em um mundo impiedoso. Há teatralidade na jornada introspectiva da guerreira, e bastante silêncio entre os gritos guturais da violência. E não há nada que distraía o jogador da jornada de Senua, nenhum recurso artificial para estender a duração desse conto.

É um jogo que brilha nos contrastes, na sensibilidade e na humanidade, mas sem abrir mão do espetáculo visual, da empolgação de um combate intenso. Nem tudo funciona, como algumas das escolhas da trama, ou mesmo a conclusão abrupta, que deixa a sensação de que a história se encerra mais cedo do que deveria, ainda mais após uma excelente reta final. Mas a Ninja Theory parece entender que correr riscos assim é parte essencial de criar algo único e ousado, e mais games deveriam seguir o exemplo.

Senua’s Saga: Hellblade II já está disponível para Xbox Series X | S e PC, e integra o catálogo do Game Pass de ambas as plataformas. A review foi feita com base na versão de Xbox Series X, cedida pelo Xbox.

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