Entre Dishonored e Prey, a Arkane se tornou um dos principais estúdios de games das últimas décadas. Suas obras são repletas de narrativas cativantes, e o jogador conta com imenso poder de escolha para interagir com a trama e o mundo. É esse legado de peso, ainda que recente, que torna Redfall decepcionante.
O novo trabalho da desenvolvedora é um shooter cooperativo, em que um grupo precisa liberar uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos de um verdadeiro apocalipse vampiresco. Ambientada na fictícia cidade de Redfall, em Massachusetts, o game segue um dia em que o sol é tomado por um eclipse, os mares isolam o local em grandes paredes de água, e as criaturas de noite saem em busca de sangue. Cabe aos moradores se organizarem para resistir aos monstros, e investigarem como uma gigante farmacêutica pode estar por trás do caos.
A premissa é intrigante, e havia muito potencial de algo com o selo de qualidade do estúdio, especialmente quando os diretores do game faziam alusão em entrevistas ao fato da trama discutir ganância e falta de humanidade dos executivos de grandes corporações. O NerdBunker, inclusive, teve uma impressão bem positiva em seu preview do título, mas é uma pena o quão pouco disso realmente se encontra no produto final, que parece dividido entre ideias conflitantes de design e pressão por parte da publicadora Bethesda.
Mundo (Morto-)Vivo

Muito do que chama a atenção na experiência é sua ambientação, muito intrigante pela subversão macabra de uma cidade rural. Alguns dos melhores momentos surgem ao esbarrar em histórias paralelas desse mundo, deixadas para trás em relatos de texto ou contadas pelo cenário. Mas a escrita precária impede que o potencial de uma ótima premissa e de um interessante cenário sejam realmente atendidos.
Ao invés de mergulhar de cabeça na origem do apocalipse, o game prefere dar foco para a suposta resistência que luta contra os vampiros. No decorrer da campanha de mais de 20 horas, é até possível entender mais sobre as figuras perversas que trabalhavam na Corporação Aevum, e que acabaram por se tornar praticamente deuses vampirescos. Porém, o jogo serve apenas migalhas de seu prato principal, e opta por estufar o jogador com um conflito de “bem vs. mal” bastante impessoal e genérico.

De certa forma, tudo faz um pouco mais sentido quando se entende que Redfall quer ser Destiny. Assim como no shooter online da Bungie, você e seus amigos são escolhidos para uma missão grandiosa, e devem lentamente explorar territórios estranhos, combater inimigos e evoluir seus personagens para conseguir dar conta de tudo. Aqui, porém, esse progresso gradual não se reflete na trama, e muito menos na jogabilidade.
Crise de direcionamento

Repetição é a essência da experiência. Quase tudo gira em torno de ir para algum lugar, buscar algo ou matar alguém e voltar para a base. Além dos objetivos pouco inspirados, a baixa variedade de inimigos não ajuda na impressão de estar correndo em círculos. Não importa em qual região do mapa você está, ou em que ponto da jornada, você sempre vai se deparar com os mesmos inimigos humanos e com três variações de vampiros. A inteligência artificial deles é um dos maiores defeitos da obra. Seja nos tiroteios ou tentando se esgueirar furtivamente, você se decepcionará com antagonistas estáticos e burros, que oferecem pouco desafio.
Isso significa que é impossível se divertir com o game? Claro que não. O arsenal é variado o suficiente, com pistolas, rifles de sniper e escopetas para todos os gostos, e atirar é satisfatório. O mesmo vale para as habilidades especiais dos personagens, que vão de ficar invisível a invocar um elevador para alcançar lugares difíceis. Jogar em cooperativo também alivia muitas das dores, já que a jogabilidade simples serve como bom plano de fundo para bater-papo entre conflitos com monstros.
Mas Redfall tem um certo talento para dificultar a boa vontade até daqueles que tentam valorizar suas qualidades. O arsenal, por exemplo, é atrelado ao desnecessário sistema de níveis a lá RPG. O equipamento varia de níveis de poder de forma inconsistente: armas de níveis mais baixos ou mais raras ainda podem ser mais fortes que as superiores, sem muita lógica mesmo. Isso reduz muito da construção do seu equipamento a um tedioso exercício de comparação de números.

Isso evidencia a principal sensação conflitante que o game desperta, graças à sua amálgama desconjuntada de estilos. Há toques de simulador imersivo, como é tradicional da Arkane, mas também de shooter coop e de game-como-serviço. O resultado é algo superficial em tudo que se propõe, sem a personalidade ou profundidade dos títulos anteriores da desenvolvedora.
Isso tudo sem nem ao menos encostar nos vários problemas de performance. O desempenho lamentável de Redfall até mesmo no Xbox Series X, com frequentes quedas de frame e texturas que não carregam, é só a cereja no bolo de algo que é fundamentalmente bagunçado. É impossível jogar e não ver as marcas de algo que foi tirado do forno às pressas, com a esperança de que será arrumado só depois de servido para os jogadores.
Há futuro para o game? Talvez. A Arkane pode mergulhar em consertar a parte técnica e ajustar a inteligência artificial, o que já tornaria tudo mais palatável. Conteúdos inéditos podem até criar histórias intrigantes e cenários mais complexos para o game. Como muitos títulos já provaram, o lançamento já não é mais tão relevante no mundo dos videogames, mas no presente momento, é uma verdadeira decepção jogar algo tão medíocre saído de um dos melhores estúdios da atualidade.
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Redfall está disponível para Xbox Series X | S e PC. A review foi feita com base na versão de Xbox Series X, enviada pela publicadora.