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Há 10 anos, Papers, Please desafiava o que era diversão em um jogo
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Há 10 anos, Papers, Please desafiava o que era diversão em um jogo

Com fórmula simples e inusitada, o clássico cult de Lucas Pope continua como uma obra obrigatória para todo fã de videogame

Tayná Garcia
Tayná Garcia
14.ago.23 às 17h38
Atualizado há mais de 1 ano
Há 10 anos, Papers, Please desafiava o que era diversão em um jogo
Papers, Please/Lucas Pope/Divulgação

Os jogos são conhecidos por ter uma natureza interativa e, por conta disso, muitos jogadores defendem que, para ser realmente bom, um game precisa ser divertido de jogar.

Por um tempo, principalmente nos anos após o surgimento de arcades e dos primeiros consoles de mesa, essa ideia era praticamente uma regra na indústria. Os jogos eletrônicos precisavam ser divertidos e viciantes para você continuar com a vontade de inserir mais uma ficha ou comprar aquele novo título da Atari.

Mas, assim como outras formas de arte, os videogames passaram por mudanças e evoluções, tanto em questões técnicas quanto criativas, com o decorrer do tempo. Isso fez com que desenvolvedores começassem a desafiar essa ideia, apostando em games com propostas mais diferentes ou ousadas.

E se um jogo fosse além da diversão? Essa é uma questão que está atrelada ao conceito de vários títulos, como The Last of Us Part II, do estúdio Naughty Dog, que tem uma parte focada em incomodar o jogador e colocá-lo para pensar — e isso dividiu os fãs. Muitos o amaram, mas muitos também o detestaram. No entanto, apenas cito esse caso para usar uma frase do diretor criativo Neil Druckmann, que é um bom resumo do debate sobre diversão:

“Não usamos a palavra ‘divertido’. Usamos ‘envolvente’, o que pode parecer uma diferença pequena, mas é importante”.

A ideia é: nem todo jogo precisa ser necessariamente divertido, mas sim engajante de alguma maneira. Porém, The Last of Us não foi o primeiro a instigar minha curiosidade sobre esse assunto. O primeiro a fazer isso (e de forma genial) foi um indie lançado em 2013, que rapidamente recebeu o status cult e, após 10 anos do lançamento, continua como uma obra obrigatória para todo fã de videogame.

Sim, estou falando de Papers, Please.

Glória a Arstotzka

"Glória a Arstotzka" é a frase mais repetida nos diálogos dos personagens, então é impossível não ficar na cabeça (Imagem: Papers, Please/Lucas Pope/Divulgação)

Criado por apenas um desenvolvedor, chamado Lucas Pope (que curiosamente é um ex-funcionário da Naughty Dog), Papers, Please apresenta uma premissa inusitada, que não parece divertida no papel.

O jogo é um point and click de estratégia, que coloca o jogador na pele de um funcionário de uma república socialista fictícia, chamada Arstotzka. Você é um fiscal de imigração e precisa analisar os documentos para autorizar ou negar a entrada (e a saída) de pessoas do país. Ou seja, é basicamente sobre burocracia. Mas calma!

A ideia do gameplay é verificar se identidade, passaporte e afins de cada cliente são verdadeiros. Para isso, é preciso checar datas, letras miúdas e diferentes tipos de documentos, além de usar detectores de mentira, verificar impressões digitais e até fazer interrogatórios.

Tem vezes em que o caos na mesa de trabalho é tão imenso que só aumenta a tensão da jogabilidade (Imagem: Papers, Please/Lucas Pope/Divulgação)

Resta a você ficar atento, aceitar aqueles que têm a papelada correta e alertar quando alguém aparece com documentos falsos ou tenta contrabandear algo. No entanto, é claro que a tarefa não é tão simples na prática — e nem estou falando de jogabilidade, uma vez que os comandos são apenas “apontar e clicar” para inspecionar os papéis, o que se mantém durante o jogo inteiro.

O que adiciona uma camada de complexidade, tanto na história quanto no gameplay, é que o jogador controla um personagem que precisa atingir metas diárias para prover o sustento de sua família. O salário, como era de se esperar, é baixo, então a tarefa é ser rápido para atender o máximo de número de clientes. Se faltar dinheiro em um dia, isso pode significar ver a esposa e os filhos com fome ou frio, o que consequentemente pode levar à morte deles.

A tarefa de aprovar ou negar documentos ainda vai além de apenas seguir as regras de Arstotzka, explorando dilemas morais, éticos e políticos. Alguém pode aparecer e confessar que está com documentos falsos, por exemplo, mas implorar pela aprovação porque quer sair do país e encontrar um lugar melhor para viver.

Se você ajudá-lo ou reportá-lo, não importa. Qualquer ato terá consequências positivas e negativas — o que faz a experiência de Papers, Please ser árdua e difícil, com as decisões do jogador pesando no final da história, que tem 20 desfechos diferentes.

Organizações rebeldes também podem entrar em contato para tornar você em um aliado, caso queira, é claro (Imagem: Papers, Please/Lucas Pope/Divulgação)

Com isso, Papers, Please consegue pegar todo o tédio, a chateação e o estresse de uma rotina burocrática (além da tensão e da melancolia de viver em um país opressor) e transformar tudo em uma experiência extremamente envolvente.

Não é necessariamente divertido, mas é instigante e fascinante por ser tão inusitado e apostar em uma proposta que pode ser considerada por muitos como absurda.

A maneira como o game propõe esse universo distópico, conduzido por mecânicas simples e uma dinâmica na qual é impossível não cometer erros resulta em uma experiência viciante e engajante. A maioria dos finais nem mesmo é feliz, mas ainda assim eu aposto uma cerveja ‘arstotzkaniana’ como você estará jogando novamente para desbloquear todos.

Simplesmente porque Papers, Please ousa dizer: “e se eu for além da diversão?”. O resultado é um jogo único e marcante, que foi o primeiro a me fazer pensar em como videogame pode tocar os jogadores das formas mais diferentes possíveis já que, afinal, também é uma forma incrível de arte.

Só me resta dizer: glória a Arstotzka!


Papers, Please está disponível para PC, PS Vita, Android e iOS.

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