Um minuto e 33 segundos. Esse foi o tempo que levei para concluir a primeira fase de Mullet MadJack — e foi o suficiente para me apaixonar pelo game.
E parece que não estou sozinha. Desde o lançamento em maio, o jogo do estúdio brasileiro HAMMER95 tem arrancado elogios tanto da comunidade quanto da crítica especializada, aparecendo em muitas listas de “melhores do ano” por aí. Não à toa, o título mantém 97% de avaliações positivas no Steam e foi um dos destaques da gamescom latam, marcando presença em três estandes diferentes do evento.
Entre as muitas ativações barulhentas, competições acaloradas e luzes de refletores do pavilhão da feira — um cenário maluco para fazer jus a Mullet MadJack —, conheci um dos criadores do jogo, Alessandro C. Martinello, e tivemos um papo sobre bastidores que envolveu processos criativos, inspirações em Hideo Kojima e até aquele sentimento de friozinho na barriga no lançamento de um projeto.
Por baixo do mullet
Com alma arcade, Mullet MadJack é um FPS com ritmo frenético e elementos roguelike, que se inspira em animes obscuros das décadas de 1980 e 1990. Uma ideia simples no papel, mas que se torna ampla e complexa na prática, oferecendo muita liberdade de expressão aos jogadores — algo que Martinello sempre quis fazer em um jogo.

Responsável pelos principais conceitos do game, Martinello começou a desenhar o protagonista, os carros e as armas no início da pandemia da COVID-19.
Em poucos meses, ele percebeu que todas as ideias de design estavam se encaixando de forma quase automática, o que reacendeu uma vontade antiga de criar um jogo de tiro com “fast-pacing” (ritmo acelerado) e doses do clássico indie Hotline Miami. Além de ser uma resposta a jogos “triple A” (de grande orçamento).
“Sempre quis fazer um FPS. Conheci Wolfenstein por causa do meu tio, antes até mesmo de Doom, e acompanhei toda a trajetória [do gênero]. Então, quando foi lançado Dusk, o ‘Quake indie’, ele causou uma ressurgência do subgênero que é chamado de ‘shooter de tiozão’ no Brasil. [risos] Percebi também que, por causa da pandemia e da ansiedade que as pessoas estavam sentindo, esse gênero ficou cada vez mais acelerado [em termos de ritmo]. E sempre gostei muito de arcade, aí decidi fazer [a jogabilidade] mais acelerada que eu conseguia.Vemos também nosso jogo como um contraste. Temos muitos jogos ‘triple A’ que estão cada vez mais diluídos, a emoção de jogá-los está diluída. [...] E Mullet é a nossa resposta para isso. Eu, como jogador, quero jogos que não me enrolem e entreguem tudo ao máximo na hora.”
Assim, Martinello se juntou a outros dois desenvolvedores brasileiros — Thiago Augusto Weizenmann e Leonardo Zimbres — para criar o que se tornaria o jogo nacional mais bem avaliado do Metacritic quatro anos depois.

Com essa base do projeto pronta, o foco se voltou para a campanha principal. A ideia, então, foi projetar momentos tão malucos e inesperados na história a ponto de surpreender o jogador, com um toque à la Hideo Kojima.
“Começamos a focar em como fazer a campanha ter reviravoltas ao ponto de dar as mesmas sensações que sentimos ao jogar o primeiro Metal Gear Solid, os jogos do SUDA51 e da PlatinumGames — esses que subvertem as nossas expectativas. Então tem muita influência do trabalho do Kojima da era do PlayStation 1, como chefes que quebram a quarta parede e saem do esperado. Porque já tínhamos a jogabilidade toda resolvida, então todo o resto é o que queríamos adicionar como criadores de jogos”, explica Martinello.

Após um ano de desenvolvimento, as principais ideias de Mullet MadJack estavam definidas, levando o projeto a uma nova fase: ouvir o feedback dos jogadores. É incomum, no entanto, que estúdios indies tenham orçamento para contratar empresas de Q&A (equipes de teste de qualidade), o que levou a HAMMER95 a usar os eventos para isso.
Expor o projeto em feiras traz um público amplo, de diferentes idades e interesses, para testar o jogo — e os três desenvolvedores estavam atentos às reações para fazer ajustes necessários no game design. Durante a BGS 2023, por exemplo, Martinello decidiu mudar toda a estrutura dos cenários após ver muitos brasileiros confusos.
"Testamos o público brasileiro e descobrimos que nossos cenários tinham que ser mais parecidos com uma pista de corrida, sem ângulos retos, porque as pessoas se perdiam muito. Então mudamos e, agora, as pessoas não se perdem mais! Foi graças a esses eventos e testes contínuos que chegamos nesse produto. [...] [Eventos] são uma das raras chances que não ficamos presos numa bolha dos mesmos testadores. Não temos dinheiro para pagar empresas de Q&A. Os eventos são uma oportunidade única de trazer pessoas que não conhecem o jogo e nem o gênero”, explica.
Do Brasil para o mundo
Após quatro anos de desenvolvimento, Mullet MadJack está finalizado e prestes a ser lançado, mas a equipe da HAMMER95 sentiu aquele friozinho na barriga do lançamento bem antes disso.
“Nosso friozinho na barriga foi diluído em três momentos. O primeiro foi logo no anúncio do jogo, que foi muito bem recebido e até streamers importantes do gênero quiseram jogar. Ali foi o primeiro frio na barriga para ver se realmente era bom”, conta Martinello. A recepção na época acabou sendo excelente, rendendo 50 mil wishlists no Steam de cara.

O segundo frio na barriga veio no Steam Next Fest, um evento da plataforma que incentiva os estúdios indies a disponibilizarem demonstrações gratuitas — e Mullet MadJack foi um dos destaques, aparecendo nas listas de “melhores demos” de muitos sites e criadores de conteúdo da mídia internacional.
Com duas situações positivas, os três desenvolvedores estavam confiantes com o lançamento, e as preocupações do dia do lançamento foram meio malucas, como temer que o universo não colaborasse!
“O último friozinho na barriga foi no lançamento, em que tivemos medos absurdos como pensar: ‘E se o Steam cair e ficar fora do ar? E se chover muito no dia?’ [risos] Mas estávamos com uma expectativa otimista para alcançar 500 reviews positivas em um mês, só que isso aconteceu em um dia. Aí a gente ficou louco!”
O objetivo inicial da HAMMER95 era fazer o projeto se pagar, o que aconteceu nas primeiras 10 horas (!) do lançamento.
Assim, a vontade dos desenvolvedores se voltou para ouvir o que a comunidade gostaria de ver no jogo — além de tentar atrair mais fãs brasileiros, uma vez que a comunidade é majoritariamente internacional. Isso mexeu até mesmo na precificação de Mullet MadJack, que teve uma diminuição de preço no Brasil: “Abaixamos o preço para ser mais compatível com a realidade daqui, então deixamos cravado em 50 reais”, explica Martinello.

Agora, as metas dos desenvolvedores são ouvir a comunidade, conquistar mais brasileiros e continuar trabalhando em atualizações gratuitas: “As pessoas estão pedindo pra gente expandir bastante o jogo. E estamos escutando tudo porque vai dar trabalho se a gente realmente fizer. Penso sim em muitas coisas que seriam legais de adicionar, então estamos vendo com o público só o que fazer primeiro!”, afirma Martinello.
Foram ideias malucas, inspirações em clássicos, uma equipe apaixonada e e alguns friozinhos na barriga que fizeram Mullet MadJack se tornar o que é hoje: um marco no cenário nacional de jogos tão potente quanto um chute do MadJack.
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