Quando Hollywood decide transformar um sucesso em franquia, é comum que as sequências (ou prelúdios) adotem a estratégia do “mais e maior”, repetindo o que deu certo no original em doses cavalares. Em um primeiro momento, é o que parece acontecer em Um Lugar Silencioso: Dia Um, que amplifica a escala e abraça o desastre. Porém, o filme usa do espetáculo da destruição como ponto de partida para uma história singela e tocante.
Como o título indica, o terceiro longa da franquia Um Lugar Silencioso retorna ao primeiro dia da invasão dos alienígenas monstruosos que usam a audição aguçada para caçar seres humanos. Porém, em vez da família Abbott, que protagonizou os dois longas anteriores, o novo acompanha Samira (Lupita Nyong'o), que testemunha a chegada das criaturas no dia em que vai à Nova York em uma excursão da casa de cuidados paliativos em que vive.
O mero fato de levar a história para Nova York, uma das maiores e mais barulhentas cidades do mundo, evidencia logo cedo o interesse de Dia Um de se destacar dos anteriores. Com essa ambientação, o filme dirigido e escrito por Michael Sarnoski (do ótimo Pig - A Vingança) abraça o cinema de desastres ao mostrar um verdadeiro exército das criaturas castigando a metrópole.
Com essa abordagem, a produção intercala o suspense das tentativas de evitar as criaturas com o caos generalizado causado por elas em grande escala. Ainda que penda mais para a ação explosiva, preferindo mais as situações em que os humanos precisam mais correr do que as que dependem da furtividade, o longa brilha também quando une as duas coisas, como na inspirada perseguição no metrô.
As diferentes escalas de suspense e ação caem como uma luva no projeto que mostra como se deu o apocalipse que tomou conta desse mundo em tempo real. Apesar de a abertura de Um Lugar Silencioso - Parte II (2020) ter dado um gostinho nesse quesito, o novo longa traz uma destruição gradativa, que não perde de vista que uma cidade não deixa de existir do dia para a noite, mesmo em uma situação tão fantástica.
Acontece que toda essa destruição de larga escala não é o foco de Um Lugar Silencioso: Dia Um. O filme está, na verdade, interessado em investigar a “sobrevivência”, que serve de base para toda a franquia, com mais profundidade. E é aí que a produção injeta uma boa dose de drama à mistura.
Por si só, Samira já é uma protagonista cativante, especialmente pela forma como o longa a apresenta antes do apocalipse começar. Sabendo quem ela é e como encara a vida, a luta da personagem para sobreviver e cumprir seu objetivo se torna envolvente justamente por esconder complexidade em questões aparentemente tão simples.
Essa reflexão ganha fôlego com a chegada de Eric (Joseph Quinn), que estabelece uma dinâmica com Sam que é encantadora de acompanhar conforme se desenlaça ao mesmo tempo em que adiciona muito ao tema da produção. A dupla, inclusive, se mostra uma escolha acertadíssima para protagonizar o longa. Carismáticos e experientes, os atores driblam a ausência de palavras com atuações que nunca fazem com que os gestos sejam exagerados.
N’yongo e Quinn escondem a complexidade de cada movimento ao disfarçá-los com uma naturalidade convincente. Um desafio e tanto, considerando que eles não contam com a ajuda da linguagem de sinais utilizada pelos Abbott anteriormente. O desenvolvimento da relação encontra seus tropeços, especialmente nos atalhos que toma para que avance rapidamente, mas é responsável pela razão de ser do projeto.
Afinal de contas, o longa dá um passo além e mostra não só o que é preciso para sobreviver nesse mundo, mas também o que faz alguém querer viver nessas condições. É uma abordagem comovente que torna a dupla mais cativante e, por consequência, as ameaças mais assustadoras. Um sólido passo adiante para uma franquia que sempre tirou um tempinho para se posicionar contra a ideia de que altruísmo em situações extremas é uma fraqueza.
Bem executado, esse direcionamento é o que Um Lugar Silencioso: Dia Um tem de melhor a oferecer, o que pode causar certa frustração em quem esperava apenas terror. O suspense e a tensão estão presentes e ganham vida em sequências eficazes, mas não são o que move a produção. Quem se abrir à proposta, por outro lado, pode se encantar com uma história que usou um mundo terrível e hostil para contar uma singela reflexão sobre querer viver.
Em última análise é possível que Um Lugar Silencioso: Dia Um cresça no nosso inconsciente pelo sutil paralelo com o período da pandemia. Ainda vai demorar para que a humanidade consiga processar um momento marcado por luto, incerteza e esperança, e faz pleno sentido que questões complexas virem matéria-prima para a arte, especialmente aquela produzida após a pandemia – que é o caso de Dia Um.
A forma como a produção retrata sentimentos que marcaram o cotidiano diário por anos, enquanto se apodera de questões que fizeram muitos de nós se manterem firmes quando o mundo parecia estar acabando, acaba abrilhantando o novo capítulo de uma franquia focada em sobrevivência. Uma forma surpreendente de tornar essa história “mais e maior”.
Um Lugar Silencioso: Dia Um está em cartaz nos cinemas.