“Não sei mais as regras”, diz um dos personagens, em um momento crítico.
Ironicamente, esse é o principal defeito de The Cloverfield Paradox. A construção da lógica interna é um dos pilares da ficção científica, pois possibilita que qualquer elemento, por mais absurdo que seja, se torne verossímil, desde que permaneça coerente com o que foi previamente estabelecido na trama. E, muitas vezes, coerência é justamente o que falta ao filme dirigido por Julius Onah.
Em um futuro próximo, a Terra vive sua pior crise energética, com a perspectiva de esgotamento de todos os recursos em poucos anos. Isso leva diversas nações a deixar de lado as diferenças e lançar um projeto colaborativo, que visa empregar um acelerador de partículas, batizado de Shepard, a fim de gerar energia ilimitada para abastecer todo o planeta. Devido aos riscos envolvidos, a operação deve ser realizada no espaço, a bordo da estação Cloverfield.
Após centenas de tentativas fracassadas, a missão finalmente consegue ativar o acelerador. Mas algo dá errado, e estranhos eventos passam a ameaçar a tripulação, acirrando atritos já existentes, especialmente entre o russo Volkov (Aksel Hennie) e o casal formado pelo alemão Schmidt (Daniel Brühl) e pela chinesa Tam (Ziyi Zhang).
Apesar da premissa instigante, os realizadores parecem não confiar na inteligência do espectador e o tratam como estúpido. A narração logo no início, por exemplo, é um recurso expositivo extremamente preguiçoso, além de dispensável, uma vez que a sequência inicial fornece todo o contexto necessário.
Pior: em pleno processo de acionamento do Shepard, o brasileiro Monk (John Ortiz) assiste a uma entrevista na TV (!), em que um escritor explica o suposto “paradoxo Cloverfield”: segundo ele, o acelerador de partículas teria a capacidade de abalar o espaço-tempo e embaralhar múltiplas dimensões, transportando, assim, monstros e demônios para diferentes locais e épocas (!!).
Fica evidente que a referência a criaturas fantásticas foi forçadamente encaixada ali para, entre outras coisas, criar a ligação com os demais longas da franquia, Cloverfield: Monstro (2008) e Rua Cloverfield, 10 (2016), bem como justificar qualquer acontecimento extraordinário nesse universo. No entanto, além de apresentar uma conclusão sem nexo, a teoria do tal escritor também acaba enfatizando a já mencionada ausência de lógica interna.
Os roteiristas Oren Uziel e Doug Jung não se decidem a respeito da extensão dos efeitos colaterais do Shepard. O acelerador pode libertar um monstro na Nova York de 2008 (cenário de Cloverfield: Monstro), transportar alguns itens de um lugar para outro em uma mesma dimensão, promover intercâmbios multidimensionais e até conferir propriedades sobrenaturais a certo elemento de propriedade do irlandês Mundy (Chris O'Dowd) — e a reação cômica do personagem foge completamente do tom do filme. Tudo isso parece acontecer de modo aleatório, caótico, o que apenas abre um rombo no plano da tripulação para se salvar — afinal, ele depende de um fator de previsibilidade até então inexistente.
Nem tudo é desastre: a protagonista, Hamilton (Gugu Mbatha-Raw), é a única personagem bem desenvolvida, com um arco interessante que se resolve de modo satisfatório. O suspense às vezes funciona e até rende algumas surpresas — que, infelizmente, acabam se revelando vazias.
No fim das contas, o maior vilão em The Cloverfield Paradox é a necessidade de integrar uma franquia. Rua Cloverfield, 10 foi um excepcional thriller psicológico que, além de funcionar muito bem isoladamente, ainda conseguiu se conectar ao filme anterior. Já o lançamento da Netflix se esforça para oferecer uma explicação da qual ninguém sentiu falta no longa original.