Já no primeiro ato, Rivais demonstra conhecer bem as regras do “manual dos filmes de esporte”. Estão lá os protagonistas em um momento de virada, tanto na carreira quanto na vida pessoal, em meio a uma jornada atribulada, cujo destino inevitável é a grande partida decisiva. E, evidentemente, também está lá a edição dinâmica dos confrontos que antecedem esse embate final, com direito a tomadas em close de corpos suados, músculos retesados e expressões apreensivas — a epítome do gênero. Mas o longa-metragem de Luca Guadagnino guarda na manga alguns excelentes truques.
A começar pela trama, enganosamente rasa: apático e em má fase, o campeão de tênis Art Donaldson (Mike Faist) é instado por sua esposa e treinadora, a ex-tenista prodígio Tashi Duncan (Zendaya), a participar de um torneio menos prestigioso para recuperar a confiança. Isso os coloca diante do talentoso, porém inconsequente Patrick Zweig (Josh O'Connor), antigo melhor amigo de Art e ex-namorado de Tashi. Sob esse véu de simplicidade, o roteiro de Justin Kuritzkes revela decisões sagazes, como a estrutura, que reproduz a dinâmica de vai e vem de uma partida ao se alternar (às vezes em ritmo acelerado) entre presente e passado.
O diretor italiano tira o máximo proveito de cada oportunidade oferecida pelo roteiro. Na hora de seguir as convenções, por exemplo, Guadagnino mantém um olhar até certo ponto reverente sobre o tênis, especialmente no modo vibrante como retrata os jogos, criando sequências capazes de envolver até o espectador mais habituado a mudar rapidamente de canal quando esbarra em uma transmissão na tevê.
Por outro lado, na hora de quebrá-las, ele não se furta a debochar da modalidade, seja criticando (ainda que superficialmente) seu elitismo, seja oferecendo um alívio cômico na cena em que a plateia vira a cabeça de um lado para outro em perfeita sincronia — e mesmo a uma piada como essa, ele atribui função narrativa, colocando no centro do enquadramento o único personagem que destoa da massa para, assim, comunicar um bocado a respeito de seu estado de espírito naquele momento.
Outras escolhas ficam abertas à interpretação. Em uma das sequências mais tensas, o cineasta repentinamente coloca a câmera no ponto de vista dos jogadores, o que pode ser lido como um jeito maneirista de trazer o público para dentro da quadra ou como um comentário sobre a própria relação da plateia com a mídia esportiva, uma vez que as cenas remetem imediatamente aos videogames em primeira pessoa.
Essas camadas de significado são amplificadas pela brilhante trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross. Em uma cena à beira d’água, o líder do Nine Inch Nails e seu parceiro introduzem uma melodia romântica no piano, em sintonia com o clima de flerte que transcorre ali — aos poucos, todavia, algumas notas dissonantes vão se esgueirando insidiosamente, como um prelúdio para as intempéries que virão mais à frente. Nos momentos mais empolgantes, a dupla insere um tema eletropop, que traduz não somente a adrenalina, mas também a motivação quase maníaca que move os protagonistas.

Por sinal, um dos principais destaques do longa é o talento do trio central. Faist transmite a insegurança e a resignação necessárias a Art, ao passo que O’Connor encarna com perfeição o cafajeste charmoso na figura de Patrick. Já a Tashi de Zendaya é o grande fio condutor, dominando a tela com sua graça, manipulação, vulnerabilidade, rancor, obsessão e uma boa dose de sensualidade.
A constante atmosfera erótica entre os protagonistas, aliás, é outro ponto alto do filme. É, afinal, uma das especialidades de Guadagnino. Ele filma os corpos dos três de modo a refletir desejo, mas também afirmação de controle sobre o outro, além de construir enorme tensão entre o triângulo — basta ver a interação de Tashi e Patrick após uma relação não consumada, em que o frenético movimento da câmera também reproduz o ritmo de um jogo. Nesse aspecto, é valioso o auxílio da fotografia quente e lânguida do tailandês Sayombhu Mukdeeprom, que já havia colaborado com o cineasta no igualmente voluptuoso Me Chame Pelo Seu Nome (2017) e no extravagante remake de Suspiria (2018).
Ao contar uma história instigante à sua maneira estilosa, sem abrir concessões, o diretor italiano faz de Rivais uma obra com potencial de satisfazer tanto os fãs de dramas esportivos quanto os de romances densos e sexy — como um daqueles atletas cheios de personalidade que conseguem conquistar a admiração até de quem não acompanha o esporte.
O filme está em cartaz nos cinemas brasileiros.