No começo de Hollywood, os musicais dominavam as salas de cinema dos EUA e eram uma potência na indústria cinematográfica do país. Esse tipo de filme perdeu espaço nos anos 70 com a chegada da Nova Hollywood, que trazia produções mais realistas e dramáticas, deixando de lado a teatralidade e a descontração do gênero. No final de 2016, Damien Chazelle entregou seu La La Land ao mundo e retomou o interesse do público nas histórias contadas em dó-ré-mi. O Rei do Show surfa nessa onda e tinha tudo para ser um novo fenômeno, mas acaba entregando um filme que encanta por suas performances grandiosas e cheias de brilho, evocando os clássicos do gênero, mas que no fim das contas não traz uma narrativa substancial para seus espectadores.
O longa, dirigido pelo estreante Michael Gracey, conta a história de P.T. Barnum, o "pai do showbusiness" e dono do maior circo de horrores dos EUA no século 19. O empresário aqui é vivido por Hugh Jackman, que retorna aos musicais depois de viver Jean Valjean em Les Misérables, de 2013. O filme remonta a trajetória do empreendedor desde seus dias de criança, quando sonhava em fazer parte da alta sociedade americana, até o auge de sua carreira como dono do freak show.
Com canções escritas por Benj Pasek e Justin Paul, a dupla de La La Land, em parceria com John Debney (A Paixão de Cristo) e Joseph Trapanese (Dexter), O Rei do Show traz números musicais deslumbrantes e encantadores. As músicas trazem um impacto emocional e conseguem evocar toda a magia do showbusiness. Apesar disso, Jackman repete alguns erros que cometeu em Les Misérables e acaba "cantando para dentro", sem projetar muito sua voz. Um exemplo está logo nos primeiros segundos do filme e se repete em outras cenas — o deslize acontece principalmente em cenas intensas, quando o ator faz pausas e respirações descompassadas que interrompem o fluxo da música e se aproximam mais de uma atuação convencional do que de uma performance musical.
O principal defeito de O Rei do Show está em seu roteiro: na vida real, P.T. Barnum era uma pessoa execrável — abusivo com seus funcionários, cheio de preconceitos, um ego do tamanho do mundo e disposto a fazer qualquer coisa para aumentar sua conta bancária. No filme, ele é pintado como um sonhador revolucionário, que abraçou os proscritos de sua cidade e lhes deu uma oportunidade de se juntarem aos outros. Porém, em alguns momentos a história precisa apresentar conflitos para o público e a faceta real do empresário aparece. O problema é que essas atitudes vão contra o Barnum que tínhamos conhecido até então, soando como uma mudança brusca demais e sem nenhuma construção gradual. Essas mudanças bruscas acontecem em outros pontos da narrativa. Até a metade do filme, temos uma história feliz e cheia de esperança. E num piscar de olhos, no meio de um diálogo comum, vemos tudo desabar e uma espiral de drama intenso é jogada no público (para ser resolvido depois, como um passe de mágica, e tudo voltar ao normal — como se nada tivesse acontecido).
O Rei do Show tenta discutir alguns temas, mas tem medo de mergulhar neles. Uma das tramas envolve o racismo nos EUA do século 19 e tinha potencial para ser um dos elementos mais interessantes do filme, mas acaba sendo descartado sem muito aprofundamento, deixando o arco dramático que envolve dois personagens sem um desfecho. A única discussão que se faz presente em todo o longa é o embate entre cultura erudita e cultura popular, deixando uma mensagem positiva de que na Arte, tudo é uma questão de ponto de vista. E por cima de tudo isso temos apenas uma história rasa que evoca o fascínio de um tipo de público que adora ver histórias de superação, que acompanham alguém que não tinha nada e criou um império a partir disso, trazendo de volta a batida mensagem meritocrática de que "se você acreditar nos seus sonhos, tudo é possível" e esquecendo que na vida real não é bem assim e que esses casos são exceções em um mar de pessoas que tentaram e não conseguiram.
As atuações de O Rei do Show são boas, com Jackman servindo como escada para seus colegas de elenco brilharem. Os destaques ficam nas mãos de Zac Efron, que constrói bem a mudança do playboy Philip Carlyle e de Michelle Williams, que coloca em Charity uma mulher forte que ainda traz consigo algumas inocências de menina. Musicalmente, quem mais brilha é a cantora Loren Allred, que dá voz à personagem de Rebecca Ferguson, que consegue transmitir todas as emoções de Jenny em tons e semitons (em uma sonoridade parecida com a de Florence Welsh, do Florence + The Machine).
O Rei do Show tinha tudo para ser um fenômeno musical do mesmo nível de La La Land, dando mais fôlego ao gênero em Hollywood, mas no fim das contas acaba sendo só mais uma história sobre a meritocracia, sob a perspectiva de um empresário de sucesso que encontrou no entretenimento sua principal fonte de riqueza. Uma experiência mediana para o público em geral e uma ótima pedida para eventos de empreendedores que querem colocar um pouco de música boa em suas palestras.