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Ilha dos Cachorros | Crítica
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Ilha dos Cachorros | Crítica

Wes Anderson destila toda sua excentricidade em animação cativante

Daniel John Furuno
Daniel John Furuno
27.jul.18 às 18h00
Atualizado há mais de 1 ano
Ilha dos Cachorros | Crítica

Os traços distintivos de um autor muitas vezes acabam sendo interpretados negativamente. Há quem considere Quentin Tarantino pedante por seu vasto uso de referências obscuras, ao passo que alguns enxergam falta de modéstia na ambição intelectual de Christopher Nolan. Da mesma maneira, aqueles que abraçam um estilo particular volta e meia são acusados de comodismo — não é raro ouvir que Woody Allen e Tim Burton há décadas vêm fazendo, respectivamente, a mesma comédia protagonizada por uma versão de si próprio e a mesma fantasia gótica com Johnny Depp e/ou Eva Green.

Wes Anderson é, sem dúvida, um exemplo de cineasta com assinatura. Tanto e a tal ponto que, com exceção da estreia ainda titubeante, Pura Adrenalina (1996), suas películas são imediatamente reconhecíveis. De Três é Demais (1998) a O Grande Hotel Budapeste (2014), passando por Os Excêntricos Tenenbaums (2001) e Moonrise Kingdom (2012), a filmografia do norte-americano se caracteriza por uma combinação bastante específica de visual (paleta pastel, cenários elaborados, figurino e objetos de cena retrô), técnica (planos simétricos, recorrência de movimentos de câmera como pans e tilts) e conteúdo (nostalgia, ironia, tom agridoce, personagens extravagantes), sem falar em atores com os quais o diretor costuma trabalhar frequentemente, como Anjelica Huston, Jason Schwartzman e Bill Murray.

Assim, o espectador sabe até certo ponto o que esperar de Ilha dos Cachorros, segunda empreitada do diretor no mundo da animação. Diferentemente de O Fantástico Sr. Raposo (2009), que era adaptação do livro homônimo do britânico Roald Dahl, o novo filme apresenta um roteiro original de Anderson, a partir de argumento escrito por ele, Roman Coppola, Jason Schwartzman e Kunichi Nomura. Na trama, após o prefeito Kobayashi (Kunichi Nomura), da fictícia cidade japonesa de Megasaki, emitir um decreto banindo todos os cães para a vizinha Ilha do Lixo, o garoto Atari (Koyu Rankin) decide ir até lá para resgatar seu amigo de quatro patas, Spots (Liev Schreiber). Nessa missão, ele conta com a ajuda dos cachorros Rex (Edward Norton), Boss (Bill Murray), Duke (Jeff Goldblum), King (Bob Balaban) e Chief (Bryan Cranston).

As idiossincrasias de Anderson estão todas presentes. O requinte visual se faz notar na construção dos sets (especialmente os de Megasaki), no design de personagens (além da expressividade de suas feições, impressiona também a atenção dada aos pelos dos cães) e nas pinturas que evocam a arte japonesa — não só as que estampam paredes como as que integram flashbacks. Outro detalhe que chama a atenção é a escolha por retratar as cenas de luta no melhor estilo cartum, como uma nuvem (aqui, um tufo de algodão) em que só se vê uma confusão de braços, pernas, patas e cabeças, resultando em sequências divertidas e de encher os olhos.

Já o apego ao passado fica evidente no próprio uso do stop-motion, tipo de animação que, mais até do que a convencional em 2D, traz uma aura antiquada. A nostalgia se traduz ainda de outros modos. Apesar de a história se passar 20 anos no futuro, não há qualquer concepção visual moderna — elementos tecnológicos como naves e robôs, por exemplo, são claramente inspirados nos filmes de ficção científica e na estética mecha dos anos 1960.

Em termos de narrativa, o cineasta também se mantém fiel a suas preferências. Embora haja uma trama central definida (no caso, a busca de Atari por Spots), as ações acontecem não necessariamente em função do avanço da história, mas sim do desenvolvimento dos personagens. Sob esse aspecto, o vira-latas Chief é o verdadeiro protagonista, uma vez que tudo gira em torno de seu arco dramático — o antagonismo com os outros membros da matilha, seu encontro com a cadela Nutmeg (Scarlett Johansson) e sua relação com o garoto de 12 anos.

Nem tudo segue a fórmula à risca. A paleta pastel e geralmente quente de Anderson, por exemplo, desta vez tem um contraponto, na forma de tomadas em que predominam o cinza e outros tons escuros, o que ressalta a desolação da Ilha do Lixo. Por sua vez, as canções lado B, uma constante nas trilhas sonoras do cineasta, aqui ganham a companhia de belos temas instrumentais assinados por Alexandre Desplat — vencedor do Oscar por O Grande Hotel Budapeste e A Forma da Água (2017) — e nos quais se destaca a sonoridade do taiko, um tipo de tambor nipônico. Até o roteiro apresenta um inédito viés político, manifesto na estratégia do prefeito Kobayashi de usar o medo para emplacar sua agenda pessoal e na subtrama envolvendo os ativistas liderados pela intercambista norte-americana Tracy (Greta Gerwig).

Mas conscientização e engajamento não são a mensagem principal de Ilha dos Cachorros. Em sua essência, a jornada de Chief — que, em determinado momento, se queixa de que seus companheiros erroneamente o julgam como brigão — é sobre não se deixar definir por percepções estabelecidas, seja dos outros, seja de si mesmo. Eis aí um lembrete de que Anderson pode até ser visto como um hipster que vive se repetindo. Porém, uma análise mais cuidadosa revela um sujeito que se esmera na criação de obras inconfundivelmente suas.

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