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Fúria Primitiva busca renovar a ação sem abandonar tradições | Crítica
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Fúria Primitiva busca renovar a ação sem abandonar tradições | Crítica

Dev Patel vai à Índia em busca de inspiração para o longa que marca a estreia como diretor

Gabriel Avila
Gabriel Avila
23.mai.24 às 10h00
Atualizado há 11 meses
Fúria Primitiva busca renovar a ação sem abandonar tradições | Crítica
Universal Pictures/Reprodução

O primeiro combate de Fúria Primitiva (Monkey Man, no original) acontece em uma luta clandestina, em que o anfitrião questiona a plenos pulmões se os presentes “estão prontos para a violência”. Uma pergunta um tanto retórica, já que dentro e fora da tela, é a promessa pela pancadaria que atrai os espectadores. Na verdade, o intuito é tranquilizar o público ao mostrar que os responsáveis estão cientes dessas expectativas, e deixar a promessa silenciosa de satisfazê-las com estilo.

Nada sutil, esse momento é uma das peças que estabelecem a aura da produção como um projeto de paixão pelo cinema de ação. Algo que nunca se perde no filme comandado por Dev Patel, que, pela primeira vez na carreira, protagoniza, dirige, coescreve e produz um longa-metragem. Para lidar com tamanha responsabilidade, o astro abraça as convenções do gênero, mas sem se tornar refém delas.

A primeira norma dá as caras já na premissa, que acompanha a jornada de um homem (Patel) para dar o troco àqueles que tiraram tudo o que ele tinha. Visto que histórias de vingança são muito comuns em Hollywood, Fúria Primitiva busca elementos distintos e próprios para se diferenciar de outros título do tipo, especialmente quando a indústria parece ter recuperado o amor por esse tipo de história.

A primeira diferenciação surge no protagonista. Apesar de muito habilidoso em combate, já que ganha a vida como lutador clandestino, ele passa longe de ser o típico matador caladão e imbatível. Toda a capacidade destrutiva é acompanhada de vulnerabilidade e impulsividade, que levam a erros e complicações. Obstáculos que tornam o personagem mais relacionável, especialmente por renegar a frieza típica de sua posição.

Tal combinação ganha vida com a interpretação de Dev Patel, que sempre encontra um jeito de passar ao público a confusão desses sentimentos tão distintos em ebulição. Mesmo nos momentos em que surge mais brutal e implacável, é possível perceber o olhar de alguém profundamente perdido enquanto não perde de vista a forte resiliência, mesmo quando está abatido.

Fúria Primitiva vai à Índia em busca de identidade

O filme é satisfatório no quesito pancadaria, se saindo bem nas longas sequências em que a ação domina mesmo sem um forte estilo próprio. Porém, elas sempre têm o cuidado de refletir o estado de espírito do protagonista. A câmera, por exemplo, se torna trêmula e impaciente quando ele está agindo por instinto, enquanto os planos são firmes e limpos quando ele está com a cabeça no lugar.

A direção, inclusive, traz outra arma de Fúria Primitiva para se destacar da ação feita em Hollywood: a ligação com a Índia. Como diretor, Dev Patel não esconde a forte influência nos filmes do gênero feitos no país, que também é o cenário da produção.

O projeto leva o personagem a diferentes locais, que vão desde as camadas mais pobres às luxuosas de uma cidade claramente inspirada em Mumbai, passando por paisagens rurais quase paradisíacas e até templos religiosos antigos. Essa abordagem se divide entre o êxito de mudar os ares com o retrogosto de uma abordagem que por vezes cai no estereótipo costumeiramente destinado a países emergentes.

A questão chama mais atenção conforme o roteiro tenta se voltar a questões sociais. Escrito por Dev Patel em parceria com Paul Angunawela (Keith Lemon: The Film) e John Collee (Atentado ao Hotel Taj Mahal), o texto busca diferenciar a jornada ao ligar os culpados pela desgraça do protagonista com uma rede de influência, poder e corrupção.

Ainda que faça pleno sentido com a jornada e ecoe problemas do mundo real – que não afetam só a Índia –, o lado crítico nunca sai do nível superficial e até previsível. Não que comprometa o projeto, mas deixa muito claro como só está presente ali como uma tentativa de afastar o próprio herói de tantos outros. Porém, sem o devido tratamento, essa abordagem só evidencia a artificialidade por trás dessa escolha.

Por outro lado, Fúria Primitiva acerta quando busca inspiração em lendas e crenças para alimentar a trama. Há um claro interesse em incorporar esses mitos no próprio protagonista e em seu caminho, para dar contornos lendários ao que parece ser uma ordinária trama de vingança. Algo que, diferente da crítica social, é trabalhado com um pouco mais de atenção e rende frutos muito melhores.

Essa conexão ajuda o longa até mesmo a maquiar as facilitações a que recorre para manter o ritmo. O filme sabe que não tem tempo a perder e não tem vergonha de dar alguns saltos que o levem logo ao que interessa. Em vez de ser desperdiçado com explicações desinteressantes, o tempo é bem gasto com o desenvolvimento do arco emocional com as grandiosas cenas de ação.

Afinal de contas, Fúria Primitiva tem uma ambição muito maior do que simplesmente ser o “novo John Wick” ou coisa que o valha. Não à toa,  existe um esforço para dar a própria versão mesmo a etapas vistas como obrigatórias nesse tipo de história. Uma delas estabelece uma curiosa relação entre luta e música, como quem diz que artes e combates podem se misturar e dar origem a algo valioso.

Uma teoria colocada à prova pela própria produção, que erra e acerta no esforço de ir além dos grandiosos e sangrentos combates. E é por saber que apenas boas trocas de porrada – e tiro – não o tornariam automaticamente bom, ele se esforça para construir algo sólido o suficiente para que a pancadaria seja a cereja do bolo, e não o único sabor.

Fúria Primitiva chega aos cinemas nesta quinta-feira (23).

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