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Coringa: Delírio a Dois faz espetáculo ousado, mas instável | Crítica
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Coringa: Delírio a Dois faz espetáculo ousado, mas instável | Crítica

Com show de Phoenix e Gaga, sequência acerta e erra ao levar primeiro filme a julgamento

Gabriel Avila
Gabriel Avila
26.set.24 às 07h00
Atualizado há 7 meses
Coringa: Delírio a Dois faz espetáculo ousado, mas instável | Crítica
Warner/Divulgação

Em 2019, foi quase impossível passar batido por Coringa. O filme, que imaginou uma nova versão para o maior inimigo do Batman – dessa vez sem um Homem-Morcego –, suscitou as mais variadas reações. Há quem amou, quem detestou, quem ficou com medo do longa gerar violência no mundo real, quem viu no Palhaço do Crime uma figura motivacional e até quem o transformou em meme.

Quem parece ter tomado nota de muitas dessas opiniões sobre o significado da descida de Arthur Fleck ao inferno foi Todd Phillips, diretor e corroteirista da produção. Não à toa, o cineasta usa a continuação Coringa: Delírio a Dois para examinar seu protagonista, a história original e sua repercussão, em um julgamento metalinguístico ousado, ainda que irregular.

A sequência volta as atenções ao Coringa meses após os atos que encerraram o primeiro filme. À espera de responder em tribunal pelos crimes que cometeu e admitiu ao vivo na TV, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) passa os dias no Arkham, dividindo o opressivo cotidiano na prisão entre ser maltratado pelos guardas e montar estratégias de defesa para o grande dia, que é fonte de expectativa dentro e fora do local.

Logo de início, Delírio a Dois divide suas atenções entre o dono do show e o mundo que o cerca. Enquanto o primeiro filme discorreu em como a sociedade moldou o palhaço, dessa vez a via é de mão dupla, o que dá à sequência caminhos interessantes a percorrer e um pouco mais de profundidade que o anterior.

Veja bem, a “sociedade” ainda é um problema. Porém, dessa vez, o roteiro de Phillips e Scott Silver se debruça em questões mais específicas. A principal delas é o circo que a sociedade faz em torno dos monstros que ela mesma cria. E não há nada que um picadeiro precise mais do que um palhaço disposto a dar um show.

Com essa perspectiva, Delírio a Dois traz Arthur Fleck em conflito sobre quem realmente é, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as diferentes pressões e expectativas criadas sobre si. Um drama que se torna cada vez mais absurdo e desumanizante conforme a tal sociedade passa a exigir mais dele, seja em julgamentos midiáticos, entrevistas sensacionalistas, dramatizações ou até na criação de um verdadeiro culto à sua imagem.

Evolução natural do estudo de personagem proposto no primeiro Coringa, o segundo traz novas ferramentas para construir sua tese, e a principal delas é a metalinguagem. Todd Phillips bate no liquidificador um sem-fim de referências para mostrar que seu palhaço triste é produto de toda uma cultura que o precede. Uma costura que, por vezes, chega com o retrogosto de quase mastigar muitas das conclusões às quais quer chegar a respeito dos temas.

Felizmente, o caráter palestral não domina a produção, que no fim está mais interessada na angustiante busca por identidade de sua grande estrela, dando a Joaquin Phoenix a matéria-prima para brilhar novamente no papel. Após se provar em uma performance premiada e elogiada até mesmo por quem não caiu de amores pelo primeiro filme, o ator não se repete e explora novas facetas de um Arthur ainda mais volátil.

O ator é peça-chave para que o público entenda o que se passa na mente do palhaço e traz respostas sobre quem ele realmente é enquanto o mundo ao redor tenta defini-lo de acordo com os próprios interesses. Uma tarefa à qual Phoenix responde de forma tão graciosa quanto assustadora ao transmitir verdade em cada transição entre fragilidade, ódio e até, veja só, felicidade.

Coringa apaixonado

Uma das consequências da fama de Arthur Fleck é o séquito de seguidores que ele ganha. Essa fascinação aparece em diferentes níveis, mas o maior deles é representado pela chegada da Arlequina, interpretada por Lady Gaga.

Chamada “Lee” – em vez do habitual Harleen –, ela surge como uma admiradora do Coringa que cruza com o caminho dele dentro do Arkham. O que seria o início da velha dinâmica de casal desajustado ganha novos contornos, já que a produção constrói tanto ela quanto o romance entre os pombinhos insanos com base na figura de Arthur Fleck, que é uma versão bem diferente do Palhaço do Crime.

Essa filosofia é absorvida por Lady Gaga, que corresponde à delicada missão de entrar nesse universo sem se acanhar perante o Coringa. Ela é certeira ao dar vida a diferentes camadas para a personagem, que nunca é resumida à adoração que nutre pelo palhaço, por vezes transformando a dinâmica de poder em uma gangorra que alterna quem tem a palavra final.

O problema é que os acertos têm um custo. Tendo em vista que Delírio a Dois decide fazer um retrato mais elaborado do que há de errado com o mundo, há momentos em que a Arlequina precisa dar espaço para outros aspectos da história. Isso não só prejudica o ritmo da dinâmica da dupla, como também abre margem para que a personagem assuma um fardo que, mesmo que o filme reforce que não é dela, acaba caindo nos ombros da personagem por falta de opção.

Maestro, qual é a música?

Apesar de declarações contraditórias da equipe a respeito de Coringa: Delírio a Dois ser ou não um musical, não há dúvidas de que ele é. A verdadeira questão é como a música é colocada no novo capítulo da vida de Arthur Fleck, alguém que já vimos saborear a catarse de atos violentos com dança. O que a sequência faz é extrapolar esse conceito e dar asas ao lado musical de Arthur e, é claro, de Lee, para além da sanguinolência.

Na maior parte das vezes, os momentos de canto e dança são realizados com o devido cuidado, com esforço máximo para que sejam memoráveis sem abandonar o tom sombrio e pessimista construído até aqui. Muito pelo contrário, os principais segmentos potencializam as sensações presentes na nova história, o que dá sabor único ao projeto.

Quando bem utilizada, a parte musical abrilhanta ainda mais o trabalho dos protagonistas com os personagens. A dupla se esforça para que as cenas sejam extensões da jornada de Coringa e Arlequina e o fazem dentro do tom. Enquanto Joaquin Phoenix surpreende por sustentar tão bem as elaboradas sequências de canto e dança, Lady Gaga engrandece o espetáculo com a sabedoria de brilhar intensamente sem nunca se sobrepor à personagem.

O calcanhar de Aquiles dos palhaços dançarinos está na dificuldade que Coringa: Delírio a Dois tem para costurar algumas das sequências musicais. Empolgado com o novo conceito para o filme, o diretor Todd Phillips nem sempre encaixa bem a cantoria, ao ponto de que algumas delas ficarem perdidas no andamento da história. Uma desconexão que esvazia momentos específicos de significado, parecendo mais uma exibição dos talentos disponíveis do que uma ferramenta para melhor contar o que se pretende.

Os pontos baixos ficam ainda mais claros em comparação com aqueles em que a música vai muito além de se encaixar e define os rumos da história. Quando se faz verdadeiramente importante, o musical encanta ou dilacera com uma pungência que é amplificada pela forma única como é capaz de mexer com os sentidos.

Meritíssimo, o júri declara o Coringa…

Após uma tortuosa jornada, Delírio a Dois chega ao veredito a respeito de seu Coringa e do mundo que o cerca. Aproveitando o status de símbolo que essa versão do personagem adquiriu dentro e fora das telas, a sequência o leva por caminhos ousados, que se tornam uma conclusão para a história iniciada em 2019, mas com ideias o suficiente para que não se limite apenas a isso.

Ainda que com certa dose de temor em ser mal compreendido, o longa aproveita o gosto de seu protagonista pela anarquia para desafiar o público em uma nova dança, sem se importar muito com o que vão dizer. Algo curioso para um longa fadado, desde a concepção, a despertar as mais diversas reações. No fim das contas, quando o palhaço se senta ao piano, fica difícil encontrar alguém parado no salão.

Coringa: Delírio a Dois chega aos cinemas do Brasil em 3 de outubro. Fique de olho no NerdBunker para mais novidades sobre este e outros filmes. Siga nossas redes sociais e entre em nosso grupo no Telegram para não perder nada – acesse e confira.

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