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Retratos Fantasmas, memórias e o despertar de um pequeno cinéfilo
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Retratos Fantasmas, memórias e o despertar de um pequeno cinéfilo

Ou como cresci próximo de um dos maiores cineastas brasileiros da atualidade

Pedro Siqueira
Pedro Siqueira
18.set.23 às 18h30
Atualizado há mais de 1 ano
Retratos Fantasmas, memórias e o despertar de um pequeno cinéfilo
Foto: Retratos Fantasmas/Vitrine Filmes/Divulgação

O querido leitor que acompanha as principais produções brasileiras na telona certamente já ouviu o nome Kleber Mendonça Filho. Diretor de Aquarius (2016), Bacurau (2019) e do recente Retratos Fantasmas, KMF cavucou um lugar de destaque no primeiro escalão do cinema nacional. Mas, além do Kleber cineasta, crítico de cinema ou a figura pública das manchetes de entretenimento pelo mundo, este texto vem para falar do Kleber… tio?

Ok, exagero à parte (e o leitor me perdoe o susto), não, Kleber e eu não compartilhamos laços de sangue, mas o cineasta, pelo desejo dos deuses do cinema, é, há décadas, melhor amigo do meu pai, e, por consequência, presença importante na formação cinéfila do pequeno Pedrinho.

Justamente por esta razão, nem sequer passou pela cabeça escrever profissionalmente sobre Retratos Fantasmas (a tarefa coube ao magnânimo Arthur Eloi, na crítica do longa), mas o tom saudosista e extremamente pessoal do filme estimulou a abertura de coração neste espaço que, de certa forma, é a minha própria “câmera fantasma”.

Retratos Fantasmas aborda os cinemas do centro do Recife. Foto: Vitrine Filmes/Divulgação

Sobre fantasmas e memórias

Retratos Fantasmas é um documentário/ensaio. A partir das memórias pessoais de Kleber no apartamento onde morou boa parte da vida, em Setúbal, zona sul do Recife, o cineasta parte para uma observação dos icônicos cinemas de rua da cidade e o que aconteceu a eles, para o bem e para o mal.

Aos 26 anos de idade e com menos cabelos na cabeça (obrigado, jornalismo) do que nos tempos de criança, não peguei a maioria dos cinemas de rua do Recife em atividade. Por ironia, se o filme trata os templos da sétima arte como locais únicos de memória afetiva, minhas melhores lembranças cinematográficas vêm das desalmadas (para muitos) salas de multiplex.

Isso porque, sendo bastante sincero, a principal tela de cinema da minha vida foi o DVD player do meu pai. Foi lá que, desde novo, sonhei em sair em uma noitada pela cidade com o Ferris Bueller de Curtindo a Vida Adoidado (1986). Aturei as intermináveis horas da trilogia O Poderoso Chefão (eu era criança, perdoem). Vi Obi-Wan Kenobi e Darth Vader trocarem golpes de sabre de luz sob o olhar preocupado de um Luke Skywalker. O resto é história.

Mas os frios ares-condicionados das salas de shopping também guardam seus retratos para mim. Como esquecer, por exemplo, da empolgação de testemunhar Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) na distante sala THX do Shopping Guararapes. A primeira sessão de cinema sozinho nas pequenas salas do Plaza (com o desastroso, em todos os sentidos, 2012, de Roland Emmerich) ou, mais irônico ainda, assistir a filmes que moldaram minha bagagem cinéfila não em suntuosas salas com décadas de história, mas na tela de um computador ou, que David Lynch me perdoe, de um celular.

A questão aqui é que, de uma forma ou de outra, seria meio impossível passar pela minha infância sem o cinema. Diz a vasta sabedoria popular que “em casa de ferreiro, o espeto é de pau”, mas, felizmente, meus dois ferreiros souberam afiar bem as lâminas do interesse pela telona.

Meu pai e Kleber possuem estantes repletas de DVDs, Blu-rays e tudo mais que hoje em dia se consegue com um simples play num streaming. Mas, se o saudosismo tem razão numa coisa, é que passear pelas lombadas de cada disco era um convite a um novo mundo. Kleber me perdoe a intimidade, mas perdi a conta de quantos títulos levei na memória para procurar em casa após as tardes no apartamento de Setúbal.

Por algum motivo, puxei do “tio” o comportamento metódico (talvez levemente obsessivo) para com catalogações, anos de lançamento e todo tipo de trivia inútil do cinema, mas se a vida não me deu dotes para a matemática ou qualquer coisa que dê dinheiro, que, pelo menos, essas habilidades sejam usadas para algo que eu ame: escrever.

Sim, porque minha história como jornalista também conversa com a carreira de Kleber. E sim, o leitor, a este ponto, pode apontar a incoerência em quem minutos atrás disse que não escreveria, profissionalmente, sobre o cineasta.

Fechando os olhos, consigo lembrar de em que momento da vida estava em cada lançamento. Seja as preocupações com o pré-vestibular, no 2013 de O Som Ao Redor. Os primeiros passos no jornalismo, no turbulento 2016 de Aquarius. Na incerteza da vida profissional pra valer, no 2019 de Bacurau. E no 2023, que me traz conforto para expor tanto a vida a milhares de nerds pelo mundo.

Jovem KMF e jovem Pedro em algum momento de 2001. Foto: Arquivo pessoal

Retratos Fantasmas está na corrida por uma indicação ao Oscar 2024, na categoria de Melhor Filme Internacional. Se os votantes da Academia permitirem, o centro do Recife ganhará um nível inimaginável de projeção e, jogando toda a modéstia de lado, o mundo terá contato com uma parte tão importante da minha infância, formação e, por que não, profissionalização.

Profissionalização essa que me permite vir aqui e falar sobre a minha infância e um grande lançamento do cinema ao mesmo tempo. Agora, caro leitor, você pode me imaginar como um fantasminha capturado em algum dos retratos de KMF.

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