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Shyamalan examina empatia e negacionismo em Batem à Porta | Crítica
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Shyamalan examina empatia e negacionismo em Batem à Porta | Crítica

Novo filme do diretor é um acerto pelo suspense claustrofóbico bem atuado e bastante sensível

Arthur Eloi
Arthur Eloi
09.fev.23 às 18h13
Atualizado há mais de 1 ano
Shyamalan examina empatia e negacionismo em Batem à Porta | Crítica
Batem à Porta/Divulgação

Entre acertos e fracassos, M. Night Shyamalan continua firme e forte. Por conta de projetos mais fracos, como os infames O Último Mestre do Ar, Depois da Terra ou Vidro, o nome do cineasta “perdeu” o prestígio de clássicos como O Sexto Sentido e Sinais, e passou a sinalizar obras de qualidade duvidosa.

Assim como foi há alguns anos com Fragmentado, o novo filme Batem à Porta serve para relembrar como Shyamalan ainda é uma das vozes mais talentosas e necessárias do cinema atual - especialmente quando trabalha com limitações de espaço, atores e temática.

Seu mais novo trabalho é uma adaptação de O Chalé no Fim do Mundo, livro de Paul Tremblay publicado em 2018. Na trama, o casal Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge) aproveita férias com sua filha Wen (Kristen Cui) em um chalé no interior dos Estados Unidos. O local é relaxante, à beira de um lago e distante da civilização. Esse conforto acaba se tornando maldição quando a família é visitada por quatro lunáticos.

O grupo de invasores armados, liderados pelo gigante gentil Leonard (Dave Bautista), invade o chalé e prende a família. A situação, que já é violenta por si só, fica ainda pior quando os quatro revelam terem recebidos visões vívidas do iminente fim do mundo, e que o apocalipse só pode ser evitado se o casal decidir sacrificar um dos seus.

Shyamalan é um diretor que, historicamente, sempre se deu melhor em projetos menores, e aqui não é diferente. Com apenas sete personagens e uma única locação, o cineasta demonstra toda sua força na construção de tensão sufocante, aura de mistério e também de muita sensibilidade mesmo em uma situação horrenda.

Batem à Porta começa como conto de invasão domiciliar, mas se torna mais complexo e macabro rapidamente [Créditos: Divulgação]
Entre experimentações com a câmera, como atrelá-la aos ombros de Redmond (Rupert Grint) enquanto ele leva uma surra, e o clima geral de horror ritualístico, o realizador cria um conto macabro de invasão domiciliar que lentamente se demonstra uma tragédia coletiva. O longa carrega a marcante assinatura de um terror por M. Night Shyamalan: a angústia. As linhas entre vítima e agressor se borram, e todos agem por medo e desespero.

Para representar uma premissa pesada assim em um espaço tão claustrofóbico, quase como uma peça de teatro ou um suspense espanhol, são necessárias atuações convincentes. Felizmente, todo o elenco se sai muito bem em papéis bastante complexos, transitando entre os vários sentimentos conflitantes que a peculiar situação desperta.

Do lado da família, Jonathan Groff e Ben Aldridge acertam em cheio como representar ceticismo, crença e incerteza sem nunca soar brega ou exagerado, em performances verdadeiramente sensíveis. Ajuda que Kristen Cui, atriz de 8 anos que faz sua estreia nos cinemas como a menina Wen, é fofa o bastante para conseguir apaziguar a raiva de Andrew e criar um senso de urgência em Eric, dando ainda mais dimensão para ambos.

Com bastante ambição em sua carreira, Dave Bautista é o destaque de Batem à Porta [Créditos: Divulgação]
Já entre o grupo antagonista, quem realmente rouba a cena é Dave Bautista. Fora das câmeras, o ex-lutador da WWE é conhecido por sua língua afiada, que dispara contra seu trabalho como Drax na Marvel Studios, e também contra outros ex-lutadores que seguiram com carreiras rasas e barulhentas nos cinemas, como Dwayne ‘The Rock’ Johnson.

Bautista está comprometido em testar suas habilidades, e Batem à Porta é o seu maior teste até o momento, por fugir completamente da persona no mundo real. Ele tira o desafio de letra, e cria um Leonard que é instantaneamente adorável, sem nunca perder o fator ameaçador, por conta de seu tamanho capaz de intimidar a qualquer um.

O personagem serve como uma espécie de líder para os invasores, e o ator demonstra ter alguns ótimos truques ao retratar um homem verdadeiramente atormentado pelo peso de sua missão, mas nunca se esquece da sua bondade e do que está em risco.

Por mais que o livro de Paul Tremblay tenha sido publicado em 2018, Batem à Porta soa estranhamente pontual ao transparecer a mesma melancolia da pandemia. Todos os personagens sofrem a pressão de uma ameaça desconhecida e invisível, que pede por grandes sacrifícios em nome do bem maior.

Ao invés de retratar a situação apenas como um “Eles vs. Nós”, o longa brilha ao humanizar todos os sete personagens, e criar disparidades de crença mesmo entre a família que carrega o fardo do sacrifício.

De início, Andrew acredita que ele e o marido são vítimas de um crime de ódio, e isso faz com que sempre fique na ofensiva como forma de defesa. Como um cão raivoso, ele planeja fugas violentas, grita com os invasores e duvida de todas as evidências do fim do mundo, desmerecendo-as como parte de uma conspiração de objetivos elusivos. Tudo se complica quando Eric, seu parceiro, passa a indagar se não há um pingo de verdade nas crenças absurdas dos quatro visitantes.

Sobrevivência da família fica mais tensa quando um dos maridos começa a ser convencido pelos invasores [Créditos: Batem à Porta/Divulgação]
O diretor tem o olhar afiado o bastante para entender o paralelo, especialmente tendo rodado o longa durante o auge da COVID-19 pelo mundo. O conflito pandêmico se manifesta a todo momento: nas discussões do casal sobre a existência do possível apocalipse, na forma como o único contato do grupo do chalé com o caos externo é pela TV e vídeos nas redes sociais, ou então nas justificativas mirabolantes que Andrew cria para se recusar a cooperar.

Pelo turbulento momento em que surgiu, o filme soa como uma reflexão sobre o papel da pessoa comum em meio à uma catástrofe de grande escala. Shyamalan, que também teve mão no roteiro, usa um pesadelo como cenário para o embate entre empatia e negacionismo. Em meio ao caos e desespero, a resposta do diretor é prezar pela humanidade - mesmo que essa entidade impessoal não mereça muita compaixão.

Batem à Porta reforça que a persistência de M. Night Shyamalan não é o único motivo do cineasta ainda permanecer na indústria cinematográfica, apesar da crítica e o do público lembrarem mais de seus erros. O diretor segue talentoso na sua arte e apaixonado por essa forma única de contar histórias, que resulta em um filme capaz de tirar o fôlego, e ainda sensibilizar o espectador.

Shyamalan ainda vai errar bastante em seu futuro, assim como todo cineasta seriamente dedicado ao meio, mas vale fazer um exercício para largar as expectativas do que se espera de um filme do diretor. Dessa vez, não há uma reviravolta transformadora, e nem um universo conectado. Apenas um chalé no fim do mundo, discussões existenciais, e 1h40m de suspense intenso e muito bem atuado.

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