Na indústria dos animes, o desafio de se destacar entre os lançamentos do ano é cada vez maior. Em 2019, no entanto, o estreante Demon Slayer conquistou espaço rapidamente, ao unir uma boa história, personagens carismáticos e animação que supera a média.
Com um filme especial (arco do Trem Infinito) e a Parte 2 do anime (arco do Distrito do Entretenimento), a produção da Ufotable elevou ainda mais o nível de qualidade nos últimos três anos e gerou uma grande expectativa para a 3ª temporada, que chegou ao público em 2023. A adaptação do arco da Vila dos Ferreiros relembra os motivos que fizeram de Demon Slayer um grande sucesso. Porém os capítulos mais recentes da obra deixam um gosto agridoce para os fãs, já que demoram a entregar o que se espera.
[Spoilers da 3ª temporada de Demon Slayer abaixo]
No arco da Vila dos Ferreiros, Kamado Tanjiro vai em busca de uma nova espada após os acontecimentos intensos do Arco do Distrito do Entretenimento. Durante a viagem, o público acompanha duas batalhas principais, que dividem o tempo de tela: o hashira Muichiro Tokito contra a Lua Superior Cinco (Gyokko); e o grupo de Tanjiro, Nezuko, Shinazugawa Genya e hashira Kanroji Mitsuri contra a Lua Superior Quatro (Hantengu).
A primeira grande questão que notamos é o volume de situações simultâneas no 3º ano do anime, que surgem justamente por causa do enredo mencionado acima. Para comparação, a temporada anterior de Demon Slayer foca em apenas uma grande luta (com duas Luas Superiores 6, mas uma única batalha), tendo espaço para moldar detalhes e o fluxo da história com mais cuidado. Já o arco da Vila dos Ferreiros segue o caminho oposto, deixando uma sensação de pressa maior do que o necessário ao alternar entre dois holofotes.
A montagem narrativa da Parte 3 também se torna um problema por quebrar a sensação de perigo durante o avanço da aventura. As duas Luas Superiores podem parecer igualmente caricatas em suas introduções, mas têm funcionamentos e níveis de poder bastante distintos. Justamente por isso, apresentar as duas de forma paralela cria uma oscilação incômoda posteriormente, pois um inimigo se mostra cada vez mais forte, e o outro não oferece muito mais do que autoconfiança zombeteira.
No mesmo tópico, Demon Slayer não mantém sua maestria em usar cliffhangers - traduzidos livremente como "pontas soltas" no final de um filme ou série, que mantêm o espectador interessado no que está por vir. O Arco da Vila dos Ferreiros frequentemente chama os créditos após o início de um golpe em câmera lenta - o que, com algumas repetições, cansa.
É válido comentar aqui que o próprio arco tem culpa no cartório, já que alguns dos deméritos listados acima são fruto do mangá criado por Koyoharu Gotoge. Essa parte da história é explorada entre os capítulos 100 e 127 da obra original e faz parte de um trecho de transição e explicações, necessário para preparar a batalha final. Manter a fidelidade não é o problema (inclusive, é positivamente marcante em determinados momentos), mas a forma questionável como a autora tenta aprofundar múltiplos personagens durante duas batalhas divide a atenção e cria uma bagunça na cabeça do espectador. Não à toa, a narrativa geral melhora quando a Lua Superior Cinco é derrotada, pois para de ocupar um tempo de tela de que os protagonistas precisavam.
Por fim, Demon Slayer é um anime que utiliza a computação gráfica (CGI) ao seu favor, mas falhou mais de uma vez em encontrar a sutileza na 3ª temporada. A mescla entre animação 2D e personagens tridimensionais fica longe de atrapalhar a experiência geral, mas é incômoda aos olhos após momentos extensos.

A jornada de Tanjiro e Nezuko
Os personagens principais de Demon Slayer mantêm seus carismas individuais cômicos e oferecem uma dinâmica de "colegas de trabalho empáticos", mas a história, por vezes, troca de estrela. Tanjiro e Nezuko focam nas batalhas para que os novos coadjuvantes brilhem, com destaque especial para Muichiro Tokito. O passado do Hashira da Névoa, de Mitsuri e de Genya são algumas das melhores sequências da temporada, conectando o público a esses "recém-chegados" (que tiveram um curto tempo de tela na 1ª temporada) e até arrancando algumas lágrimas. Porém, do outro lado da moeda, os irmãos Kamado são colocados no posto de "âncora" até que seu grande momento de protagonismo final chegue.
E é justamente nesse ponto que a 3ª temporada de Demon Slayer volta a mostrar a qualidade que transformou o anime em um grande sucesso: no último episódio, com mais de 50 minutos de duração. A cena decisiva, que coloca Tanjiro e Nezuko sob o Sol, é onde está o verdadeiro potencial do projeto, entregando momentos de muita emoção, boa direção e impacto. Não é preciso ter medo de dizer que o Arco da Vila dos Ferreiros oferece uma das melhores cenas do anime até agora, mostrando a capacidade da Ufotable de explorar a história de Koyoharu Gotoge e de obrigar o espectador a sentir na pele as aflições dos protagonistas.
A pena é que todo esse potencial poderia ter sido melhor distribuído, evitando que o espectador aguentasse uma temporada majoritariamente mediana a fim de receber o melhor apenas na conclusão.
A 3ª temporada de Demon Slayer é digna do hype que criou antes da estreia, mas recompensa o espectador tarde demais para receber um saldo verdadeiramente positivo. A produção alcança picos de qualidade com pouca frequência e mostra um constante desequilíbrio narrativo. Mesmo que a responsabilidade não seja inteiramente da Ufotable, pois a adaptação foi notavelmente fiel ao material original, essa, com certeza, pode ser chamada de temporada mais fraca do anime.
E, com isso, o final de Demon Slayer começa a se formar, guardando treinamentos árduos com os Hashiras, e batalhas épicas contra Kibutsuji Muzan, e as últimas Luas Superiores. A chance de criar uma bagunça ainda maior na tela paira sobre a produção, e a Ufotable precisará de cuidado técnico e boa direção para executar os próximos eventos. Resta esperar pela sequência, que inicia o fim da jornada de Tanjiro e Nezuko.
Todas as temporadas de Demon Slayer estão disponíveis no catálogo da Crunchyroll.
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