Pouca gente entendeu quando a Sony anunciou a criação de um universo de filmes focados em personagens ligados ao Homem-Aranha sem a presença do herói. Menos gente ainda compreendeu o que levou Venom à lista das dez maiores bilheterias de 2018, mas esse feito levou o estúdio a apostar mais fichas nesse tipo de produção. O novo lançamento dessa empreitada é Morbius, que não se sai tão bem quanto o colega gosmento e falha tanto como uma aventura de super-herói, quanto como um suspense de vampiro.
Assim como Venom, Morbius é um vilão do Amigão da Vizinhança nas HQs. Com o subtítulo de “O Vampiro Vivo”, o personagem é fruto da época em que a editora voltava a trazer terror e elementos sombrios para suas histórias. Cinquenta anos após estrear nos quadrinhos, Michael Morbius chega aos cinemas em uma produção que não consegue decidir o caminho que quer seguir.
O longa conta a trágica história de como Michael Morbius (Jared Leto) se tornou um sanguessuga após uma falha na pesquisa para curar sua rara doença sanguínea usando o DNA de morcegos. Se o conceito já não era inédito nos gibis (a DC já tinha seu Morcego Humano e o próprio Homem-Aranha lutava há anos contra o Lagarto), o filme pouco se esforça para trazer novidades.
Do ponto super-heroico, Morbius conta uma origem comum no gênero, seguindo cada batida da teoria da Jornada do Herói sem esmero para trazer uma identidade própria. O roteiro de Matt Sazama e Burk Sharpless (Power Rangers) é uma coletânea de clichês plenamente confortáveis em promover situações, reflexões e embates já revisitados à exaustão na cultura pop.
Para deixar o longa mais enxuto possível, o texto abre mão de mostrar e dedica longos minutos a contar. São vários os diálogos expositivos criados apenas para apresentar e desenvolver seus personagens de forma rasa. Chega ao ponto de que até mesmo momentos de catarse acontecem fora da tela, não deixando o público saborear situações que foram desenhadas ao desenrolar da trama. Não ajuda que várias dessas conversas ainda são repetitivas, recontando várias vezes algo que aconteceu há poucos minutos.
O maior prejudicado por isso, de longe, é o protagonista. Ao invés de se dar ao trabalho de criar uma identidade para o personagem, o roteiro decide pegar emprestado características de outros heróis que deram certo e juntá-los em Morbius na esperança de ser o suficiente. É possível encontrar ecos da personalidade arrogante e irônica do Homem de Ferro, da confiança do Capitão América após receber o soro e da busca por controle do Hulk – esse último chega a ser parafraseado por Michael.
Ainda que essa caracterização possa agradar a alguns por trazer familiaridade, ela é frustrante por não dar foco ao lado vampiro do personagem, justamente uma característica que nenhum dos citados acima tem. Porém, toda a tradição dos vampiros na cultura pop é jogada fora e a condição é tratada mais como uma espécie de efeito colateral que acompanha os dons de um super-herói.
O filme chega a fazer acenos a Nosferatu (1922), Drácula e outros grandes exemplos dessa corrente, mas não demonstra o menor interesse em utilizá-los. Isso pode ser sentido também na direção de Daniel Espinosa, que se esforça para dar vida ao pouco de horror que o roteiro permite.
Ainda assim, a execução deixa a desejar e soa menos empolgante do que deveria. Questões como confrontar luxúria, a tentação de sucumbir ao lado sombrio, ou até a parte nojenta em se alimentar de seres humanos são negadas para tornar o produto mais inofensivo possível. Chega a ser chocante que um filme de orçamento muito menor como Maligno (2021) tenha criado uma cena de transformação mais memorável do que Morbius.
O trabalho do diretor, aliás, é bastante prejudicado por uma montagem que parece decidida a tornar o longa mais curto. Cenas contemplativas, momentos dramáticos e cenas de ação são condensadas de uma forma que tudo parece apressado ao ponto de quebrar o ritmo da narrativa.
É curioso que vários desses problemas se aplicam a Venom e principalmente a Venom: Tempo de Carnificina (2021). Porém, o segundo filme do simbionte entendeu que o ponto forte do primeiro foi a galhofa e mergulhou de cabeça nela, ao ponto de abraçá-la com vontade. Já Morbius parece envergonhado de tomar esse caminho e se leva a sério demais, mesmo trazendo situações igualmente absurdas e até ilógicas.
No meio de toda essa confusão, o elenco é o que sustenta a produção. Jared Harris e Adria Arjona se esforçam no retrato de pessoas normais pegas no espiral de loucura que é a transformação em vampiro, chegando a servir como sábios compassos morais para o protagonista. Porém, além do próprio Jared Leto, quem se destaca mesmo é Matt Smith, que mesmo sem entender muito bem seu papel, se diverte em uma composição que aceita quão absurda é a situação e o mundo ao seu redor.
É difícil prever se Morbius será uma surpresa lucrativa ou um fracasso retumbante, mas é certo que ele faz parte de um universo em plena expansão. Caso volte a dar às caras nas telonas, o Vampiro Vivo merece mais do que um punhado de cenas de ação embaladas em intermináveis diálogos cheios de frases de efeito. Resta saber se vai tomar o caminho de Venom e abraçar a loucura, ou se vai retornar mais sério e ameaçador para finalmente dar início à era do terror da Marvel nas telonas.
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