Em Vingadores: Ultimato, a Marvel executou um truque ousado: além de colocar um ponto final em uma saga com mais de 20 filmes, a produção trouxe também interrogações sobre o futuro deste universo. Como fica a Feiticeira Escarlate após a perda do Visão? O que Sam Wilson fará com o escudo do Capitão América? E, principalmente, onde está Loki? Essa última começa a ser respondida nesta quarta-feira (9) com a estreia de Loki, nova série do Disney+, que promete trazer caos ao MCU.
[ATENÇÃO: Esse post contém possíveis spoilers do primeiro episódio de Loki]
Os primeiros minutos de Loki deixam claro que a série não tem tempo a perder. Quase que de forma irônica, o episódio de estreia revela o estado atual do Deus da Trapaça em poucos minutos: culpado por alterar a linha do tempo ao escapar com o Tesseract em 2012, o vilão é preso pela AVT.
Chamada Autoridade de Variação Temporal, essa é uma agência que protege o fluxo temporal. Como a fuga de Laufeyson representa uma quebra na linha do tempo, ele vai a julgamento e recebe a oferta de trabalhar com a organização sob supervisão do agente Mobius M. Mobius. Interpretado pelo carismático Owen Wilson, o personagem está em uma jornada para prender uma misteriosa figura que também anda rompendo a cronologia. E assim começa uma das mais ambiciosas jornadas da história da Marvel.

Dar uma série para o Loki parece uma escolha bastante óbvia. Figura importante para este universo, ele é cativante e traz infinitas possibilidades para bons criadores devido à sua natureza instável que parece acima de conceitos como bem e mal. É justamente apostando nesse carisma que o primeiro episódio investe em um competente estudo do personagem, que por sua vez dá a Tom Hiddleston a chance de brilhar novamente.
Se ele já roubava os holofotes nos filmes do Thor, aqui há espaço o suficiente para que o ator vá fundo na exploração do Deus da Trapaça. Em minutos ele torna fácil a crença de que estamos diante do Loki de 2012, recém derrotado pelos Vingadores. Toda a pompa e arrogância estão ali, mas Hiddleston é sábio e adiciona camadas a uma figura que esconde suas dores e dúvidas em uma fachada esnobe.
Isso fica ainda mais evidente nas interações do personagem com aqueles que o cercam. Desde a inflexível juíza Ravonna Renslayer (Gugu Mbatha-Raw), passando pela desconfiada Caçadora B-15 (Wunmi Mosaku) e especialmente Mobius. Os diálogos afiados entre Loki e o agente variam entre hilários e emocionais, o que mostra a força não apenas de Hiddleston e Wilson, como também do roteiro.

Escrito por Michael Waldron, o texto é sem dúvidas um dos grandes diferenciais de Loki em relação às outras produções da Marvel. O enredo do primeiro episódio retoma a jornada do protagonista ao mesmo tempo em que apresenta novos personagens, organizações e conceitos dignos de um sci-fi grandioso. E faz tudo isso sem deixar o público perdido ou ser didático demais, problema que a Marvel enfrenta constantemente - como quando dedicou um episódio inteiro de WandaVision a explicar exatamente o que estava acontecendo.
Dessa forma, faz todo o sentido que a Marvel tenha procurado um roteirista de Rick and Morty para escrever Loki. Especialmente porque Waldron é autor de The Old Man and the Seat - aquele em que o Rick se isola para fazer cocô em paz -, episódio que tira o protagonista de seu pedestal de arrogância para mostrar seu lado emocional sem perder a essência sci-fi da coisa. A julgar pelo primeiro episódio, essa é uma estrutura que vai se repetir e trazer uma bem-vinda dose de caos ao MCU.
Esse capricho chega também à direção de Kate Herron. Graças à sua experiência em séries como Sex Education e Daybreak, que misturam drama, comédia e até ação, a cineasta tem um olhar competente que amplifica o potencial cômico e comovente dos diferentes momentos de Loki. Sobra ainda um tempo para a contemplação, já que a AVT parece um mundo próprio. Considerando que nas HQs a agência existe “fora do tempo e do espaço”, a equipe de design e fotografia foi sagaz ao construir um local que transmita isso sem que os personagens precisem dizer nada.

Os cenários são encantadores, principalmente porque a organização usa tecnologias anacrônicas, que mistura monitores de tubo e máquinas de escrever com inteligências artificiais e portais. Nessa estética retrofuturista, é fácil identificar a primeira camada da influência em Blader Runner que Herron havia revelado em entrevistas. Além disso, é possível enxergar paralelos entre Rick Deckard e Loki, já que o segundo passa a questionar sua própria natureza quando aceita participar da caça ao misterioso alvo da Autoridade de Variação Temporal.
Ao final de sua primeira hora, Loki traz o Deus da Trapaça de volta em grande estilo. Colocando quase todas as cartas na mesa, resta saber como ele vai se comportar trabalhando em equipe. Vale notar também que a série já estabelece logo no início o principal conflito para essa versão do vilão: ele está destinado a ser apagado da linha do tempo ou vai dar um jeito de se safar da morte novamente?