Quando se pensa em quadrinhos no Brasil, não demora muito para chegar a Fábio Moon e Gabriel Bá. Os gêmeos foram de autores de “fanzines” independentes a vencedores de prêmios internacionais e autores best-sellers. Essa história é o tema de Vou Viver de HQ, série documental do Globoplay que narra a trajetória da dupla desde a infância até os dias atuais.
A convite do streaming, batemos um papo com a dupla sobre a produção do documentário, que tem uma história curiosa. Quem conferir a série vai perceber que Vou Viver de HQ conta com gravações de 2008, período em que a plataforma sequer sonhava em existir. Tudo começou com a ideia de documentar a produção de Daytripper, HQ que criaram para o finado selo Vertigo, da DC.
“Quando a gente aprovou o projeto em 2007, eu estava numa viagem com Giu e Zagallo, diretores do projeto que são amigos da faculdade, e falei para eles: ‘eu e o Fábio vamos fazer um projeto em uma editora grande nos EUA. É a primeira vez que um brasileiro faz projeto autoral na Vertigo e acho que vai ser bacana documentar isso do início ao fim.’”, lembra Gabriel Bá.
Acontece que esse papo não agradou muito Fábio Moon, que inicialmente recusou com medo de que as filmagens atrapalhassem o processo criativo da dupla. Nesse ponto, o projeto foi abandonado e só retomado após um acontecimento histórico:
“A gente desencanou da ideia. Só que seis meses depois a gente ganhou nosso Eisner. E quando o prêmio veio, os diretores falaram entre eles: ‘Vamo gravar!’. E foi assim.”
A empolgação dos diretores não foi em vão. Em 2008, a dupla recebeu ao todo três troféus no Prêmio Eisner, marcando as primeiras vitórias do Brasil na história da cerimônia. Eles levaram juntos a categoria Melhor Antologia com 5, trabalho que dividiram com Becky Cloonan, Vasilis Lolos e o também brasileiro Rafael Grampá. Bá venceu Melhor Minissérie com The Umbrella Academy e Moon levou Melhor História em Quadrinhos Digitais com Sugar Shock.

Com isso, os gêmeos abriram as portas de seu estúdio para os cineastas:
“Eles gravaram a produção do Daytripper, que durou dois anos e meio. Até a HQ sair no Brasil, eles foram em várias viagens com a gente, nos eventos e tal. Mas logo que a gente terminou o ciclo Daytripper, já começamos a fazer Dois Irmãos, então eles acabaram ficando muito mais tempo com a gente. O projeto cresceu.”, finaliza Bá.
Em um primeiro momento, as gravações foram “um pouco desconfortáveis”, afirma Fábio Moon. De acordo com o quadrinista, mesmo a experiência em falar com o público não diminuiu o acanhamento em ter câmeras ao redor.
“A gente foca tanto no trabalho e é tão tímido, que mostrar esse processo, abaixando a guarda, ficando alegre e sei lá o que… Tinha um pouco de receio de distrair do que a gente achava mais importante: a história. Mas, ao mesmo tempo, é uma das coisas que a gente entende melhor quando assiste. O documentário ajuda a desmistificar um pouco essa ideia de que nossa carreira e o sucesso aconteceram de uma hora pra outra. Mostrar essa parte, que tem muito mais a ver com a vida de todo mundo, faz com que as pessoas se identifiquem com nossa trajetória e nosso trabalho. Passamos pelos mesmos perrengues que todo mundo.”
Muito focada em deixar as obras falarem por si, a dupla agora vê com bons olhos a abertura que deu a Vou Viver de HQ. Para Moon, entender o contexto em que as histórias foram criadas traz outras perspectivas para suas obras. Bá, por sua vez, diz ter ficado feliz com a escolha da produção em não explorar os momentos difíceis do processo criativo.
“Acho que o documentário não pesa muito nisso, o que é bom. Porque senão ia ficar muito ‘ai, como é difícil…’. Tá bom, tem suas dificuldades, mas é preciso suportar para conseguir produzir algo e chegar no fim de cada história.”

A história não acaba aqui
Produzida com base em horas de materiais gravados ao longo de muitos anos, Vou Viver de HQ mostra a ascensão dos gêmeos até a entrega de seu último grande projeto: Dois Irmãos. Porém, a própria produção se despede dizendo que a história ainda não acabou. Com isso em mente, perguntei à dupla qual é o próximo passo da carreira.
Para Fábio Moon, a vontade em explorar os limites das histórias em quadrinhos segue sendo a grande meta: “O que a gente quer é continuar a fazer HQs, por achar que há coisas que só dá para contar em quadrinhos. É uma linguagem incrível, que possibilita o máximo criativo e expressivo do tipo de histórias que a gente gosta de contar, sobre relacionamentos entre pessoas.”.
Um dos projetos dos sonhos para os irmãos é uma saga longa, com uma história tão poderosa que não caiba em apenas um volume. Essa aventura pode estar a caminho, já que a dupla revelou estar trabalhando em uma história original escrita e desenhada por eles. Porém, a chegada da pandemia e os outros trabalhos da dupla – como The Umbrella Academy e Casanova – causaram um atraso ao ponto de eles não terem previsão de quando o quadrinho misterioso será lançado.
E nem adianta tentar apressar. Como Vou Viver de HQ mostra, a dupla é guiada unicamente pelas ideias e a vontade de fazê-las acontecer:
“A gente percebeu que se não tiver história, nenhuma vontade vai para frente. A gente é muito movido pela ideia que vem antes da história e, sem ela, só podemos esperá-la surgir. Enquanto isso, continuamos desenhando os Casanovas e Umbrellas da vida, que ainda têm alguns livros adiante até terminar.”
Os seis episódios de Vou Viver de HQ estão disponíveis no Globoplay.