O Justiceiro é uma série pesada, violenta, angustiante. A mais séria entre todas as produções da parceria Marvel/Netflix e não tinha outro jeito: Frank Castle é um ex-fuzileiro que só consegue justificar a própria existência quando está matando. Ele não veio de outro planeta e surpreendentemente ganhou superpoderes por aqui, não foi picado por uma aranha radioativa, não é um deus nórdico e nem um gênio bilionário com traje especial. Não há espaço para esperança em sua jornada.
Castle apanha (muito) nos 13 episódios, mas o sofrimento psicológico é muito mais intenso do que qualquer bala (em muitas partes do corpo), socos, flechada, facadas, estilhaços... Cada grito gutural do personagem mostra dor — mesmo quando é ele quem está batendo.
A série já se sustentaria muito bem com a premissa da vingança de um homem que teve a família inteira assassinada e ainda briga com a culpa gerada por decisões em um passado nebuloso. "Vingança" funciona muito bem na cultura pop: da retaliação de um marinheiro injustiçado em O Conde de Monte Cristo (Alexandre Dumas, 1845), ao troco escolar de Carrie, a Estranha (Stephen King, 1974) ou a punição de um quase marido em Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003/04); vingança vende bem.
Mas O Justiceiro não se acomoda no que já daria certo (principalmente com a excelente interpretação de Jon Bernthal) e constrói tramas paralelas interessantes, levanta questões importantes sobre as consequências da guerra em diferentes gerações norte-americanas e questiona as leis sobre posse de armas nos Estados Unidos (expõe os dois lados). Nenhum personagem é desperdiçado na série e o destaque vai para Lewis Walcott, um veterano de apenas 26 anos, muito bem interpretado por Daniel Webber, que se sente abandonado pelo sistema.
Na verdade, o Justiceiro, com direito a colete e caveira estampada, aparece pouco. A trama é sobre ambição, orgulho, decepção, narcisismo, lealdade e o limite do que o ser humano é capaz de racionalizar para continuar sobrevivendo. Claro, com muito sangue e violência acima de qualquer outra série Marvel/Netflix.
A história é contada em episódios diferentes entre si, mas sem perder a unidade: mexendo com a linha do tempo, filmagens em primeira pessoa, cabeças sendo partidas na tela do espectador, com direito a tortura e sexo em uma mesma situação, e cortes bruscos na trilha sonora. Os diálogos não contam os fatos — a trama é mostrada, não falada — por isso se tornam interessantes e criam momentos marcantes, acrescentam aos temas apresentados e ajudam a desenvolver todas as tramas em paralelo: em um momento, os personagens podem estar rindo como velhos amigos; uma frase errada e a briga se torna inevitável.
Micro (Ebon Moss-Bachrach) liga o antigo Justiceiro, aquele que só queria vingar a morte da família, à nova narrativa sobre as consequências das ações de Frank Castle como militar. Dinah Madani (Amber Rose Revah) é a típica agente especial que não leva desaforo para casa e também traz esse passado consigo, mas de outra perspectiva. Karen Page (Deborah Ann Woll) aparece só o suficiente durante toda a série, cumprindo o papel de ligar as tramas paralelas que são apresentadas no grupo de apoio aos veteranos comandado por Curtis Hoyle (Jason R. Moore), amigo de Castle. Tudo está interligado e os diferentes núcleos são bem trabalhados: a família abandonada, a policial frustrada, a vida solitária da jornalista e o homem em busca de ajudar para ser ajudado.
Apesar de todo o realismo e verossimilhança, O Justiceiro ainda é uma série de herói: Frank Castle parece se regenerar de ferimentos como se tivesse um "fator de cura", ter a sorte de nunca o acertarem mortalmente e, vez ou outra, alguém aparecer na hora certa para evitar o pior. Mas isso não é demérito, afinal, é uma série Marvel, não um documentário. Contudo, é o herói (ou anti-herói, como você preferir) mais humano que vimos até agora: ele não é à prova de balas, não tem superforça, não tem um punho brilhante e nem super sentidos. É só um cara, destruído, que, nessa versão do personagem, encontra motivação para continuar vivendo ao ajudar outra pessoa ou fazer justiça para os que não podem se defender. Mas é só temporário: quando acabar mais essa missão, é provável que ele se encontre mais uma vez no vazio.
O Justiceiro estará disponível do dia 17 de novembro, na Netflix.