Em um artigo escrito ao New York Times, Neil Gaiman escreveu “O medo é uma coisa maravilhosa em pequenas doses (...) é bom ser uma criança e temer algo que não é o governo, leis, contas ou guerras, ter medo de fantasmas e esse tipo de coisa”. Stranger Things, nova série da Netflix, proporciona exatamente essa sensação: a de voltar a ser criança e ter aquele medo irracional de algo que não sabemos exatamente o que é. Trazendo de volta o espírito oitentista, o programa consegue apresentar uma trama interessantíssima envolta em uma atmosfera nostálgica.
Resumindo esta, teríamos um menino desaparece em circunstâncias misteriosas numa pequena cidade dos EUA e a polícia local, sua família e seus amigos saem em sua busca. No meio de tudo isso, um grande mistério envolvendo experimentos bizarros se desenrola e aflige os moradores do local. É um argumento básico, quase clichê, mas a forma que os irmãos Matt e Ross Duffer conduzem a narrativa a torna extremamente autêntica e original.
É também interessante notar a constante presença de referências à cultura pop dos anos 80, mas estas não se tornam uma muleta para diálogos ou piadas, sempre se encaixando no contexto maior da história proposta. Aqueles mais entusiastas terão de assistir aos episódios mais de uma vez para conseguirem captar todos os easter eggs presentes. A amplitude das referências é grande: de Dungeons & Dragons a Senhor dos Anéis passando por Star Wars e Star Trek. Os irmãos Duffer também conseguem inserir referências não-declaradas na série de forma magistral, fazendo pequenas homenagens visuais aos filmes de Steven Spielberg, Sam Raimi e John Carpenter.
Além da trama e da ambientação, Stranger Things possui atuações de peso. Winona Ryder (Os Fantasmas se Divertem) é o maior nome do elenco, mas acaba ficando em segundo plano por boa parte da história. David Harbour (The Newsroom), que interpreta o xerife local, consegue mesclar muito bem a comédia e o drama de seu personagem, construindo um herói que busca redenção em meio a uma situação limite.
É no núcleo infantil e adolescente, porém, que Stranger Things se destaca. É possível dizer que as crianças da série possuem o mesmo carisma e a mesma química d’Os Goonies de Richard Donner. Já os adolescentes conseguem carregar todo o clima dos filmes de John Hughes ou da série cult Freaks & Geeks em tramas paralelas que se mostram tão interessantes quanto a principal.
Ao contrário de muitos produtos do mercado de entretenimento contemporâneo, Stranger Things usa a nostalgia em prol de sua história e entrega ao público uma história divertida, aterrorizante e profundamente pessoal, que pode ser capaz de trazer de volta aos adultos do mundo todo, aquele medo sem sentido do monstro debaixo da cama ou dentro do armário, usando isso para que pensemos nos monstros que temos dentro de nós mesmos.