Anunciada em 2011, a adaptação televisiva de Deuses Americanos, livro de Neil Gaiman lançado em 2001, ficou anos sendo preparada. Entre idas e vindas, o produtor Bryan Fuller entrou na jogada e deu seu estilo único para a trama e o resultado foi espetacular — em todos os sentidos possíveis.
Fuller já tinha provado seu valor com as cults Pushing Daisies e Hannibal — porém, sua participação em American Gods dava um ar de incerteza ao projeto, já que seu estilo... peculiar e sua subversão das convenções narrativas tradicionais não costumam agradar parte do público. Felizmente, Fuller, ao lado de Michael Green e do próprio Gaiman conseguiu dosar suas loucuras com algo que seja palatável para o espectador médio.
No livro, toda entidade divina que é adorada se torna real, e seu poder varia de acordo com a quantidade de adoradores que tem. Então divindades como Odin estão fracas, perdendo seus lugares para novos deuses como a Internet e a Mídia. É um conceito interessante, mas a série consegue ir além e expandir linhas narrativas e personagens que são meros coadjuvantes no material original.
O ponto forte é a presença constante de uma retratação política e de fatores que, infelizmente, fundamentaram os EUA: racismo, preconceito, luta de classes, a questão armamentista, machismo e homofobia são alguns dos temas abordados na série que ampliam a temática do livro. Fuller e Green conseguem fazer isso partindo da criação de uma atmosfera fantasiosa no "mundo novo" que cerca o protagonista Shadow (Ricky Whittle) — tudo tem um aspecto surreal e cabe ao público acompanhar o herói nessa imersão fantástica banhada a sangue.
Nas atuações, os destaques ficam nas mãos de Ian McShane e seu Mr. Wednesday e Gillian Anderson com sua versão da Mídia — ou melhor, versões, já que a personagem assume diferentes formas durante a trama. McShane dá ao seu anti-herói um ar canastrão de velho safado que acaba caindo muito bem com todo o clima da história.
Boa parte da trilha sonora já estava presente no livro de Gaiman, mas adições como a versão sombria de "In the Pines" de Leadbelly e "A Hard Rains A-Gonna Fall", de Bob Dylan foram bem vindas. As músicas costumam refletir diretamente os arcos narrativos ou os temas apresentados nas cenas — mais um ponto interessante de como Fuller e Green conseguiram manter uma coerência magnífica entre os elementos da série.
Apesar de não ser uma série convencional, American Gods tem tudo para ser um hit dos próximos anos e é um prato cheio para aqueles que nunca leram o livro e também para os que já sabem a história de Gaiman de trás para frente, já que surpresas não faltam. Ao fim da primeira temporada, só resta a ansiedade para os próximos episódios. O slogan da série diz: "A América vai acreditar". Não posso afirmar que isso é verdade, mas posso dizer que eu acredito. E gostei bastante.