Apesar de ser considerado uma espécie de reboot da franquia, Prey não tem muito a ver com o jogo de mesmo nome de 2006. Em vez disso, ele bebe de fontes mais parecidas com as de BioShock e Dishonored, este segundo também desenvolvido pela Arkane Studios.
Ainda assim, o novo título consegue se sustentar por conta própria e surpreender o jogador com uma história intrigante para aqueles que a procurarem, conceitos diferentes e muitos sustos bem bolados, mesmo que este não seja, em sua essência, um jogo de terror.
Nada é o que parece
Normalmente falar de algo que acontece no início do jogo não é considerado um spoiler, mas este certamente não é o caso com Prey. Logo nos primeiros minutos acontece uma revelação narrativa que muda a forma como vemos diversos pontos chaves da trama. Sendo assim, explicar a história não é algo fácil.
O jogo se passa em um futuro alternativo de 2032, onde a corrida espacial não aconteceu entre os anos 50 e 60. Em vez disso, o presidente dos Estados Unidos John Kennedy (que não foi assassinado) se junta com a União Soviética, o que resulta no primeiro contato com uma nova forma de vida.
Tudo começa com Morgan Yu (que pode ser homem ou mulher, de acordo com a escolha do jogador) acordando em seu quarto. Ele está participando de uma série de testes como uma cobaia para algo que, até aquele momento, ainda não foi revelado.
No entanto, algo dá errado (não darei detalhes disso) e Morgan se vê preso na estação espacial Talos I infestada por uma criatura chamada Typhon, que é subdividida em diversas espécies que o jogador encontrará ao longo do jogo.
O desenrolar desta situação é um dos pontos altos de Prey. Apesar disso, a narrativa do jogo não é entregue por meios convencionais para o jogador, que precisa realmente explorar para descobrir a história da estação espacial, de seus habitantes, dos Typhon e do próprio protagonista.
Para encontrar estes detalhes, é preciso ler livros, documentos, e-mails em terminais e completar missões. É incrível como a Arkane deu vida a uma estação que, agora, está praticamente deserta, exceto pelos alienígenas. E há muito para amar aqui.
Enquanto explora, por exemplo, você encontra fichas de personagens de RPG de mesa e descobre mais sobre essas pessoas que jogavam. Eventualmente, isso o leva para uma missão opcional envolvendo registros de todos os integrantes deste grupo de amigos.
Pode parecer loucura procurar e se importar com esse tipo de coisa em termos de narrativa, afinal você está preso numa estação infestada de criaturas misteriosas que mataram quase todo mundo e você, muito provavelmente, é o próximo. Eu também achei isso, até que nos momentos finais tudo fez sentido.
Isso porque Prey também é um RPG, mas ele deixa de lado o velho sistema de escolhas por diálogos, como Mass Effect, e julga suas decisões pelo que você faz. Quais missões vai completar? Quais pessoas vai ajudar, mesmo achando que a única saída é destruir a estação para que estes monstros não cheguem na Terra?
Tudo isso culmina em um final realmente interessante e filosófico que varia de acordo com as escolhas feitas, fazendo o jogador pensar não apenas em quem Morgan é, mas também em que tipo de pessoa ele mesmo é.
No espaço, ninguém pode ouvir você gritar
Os Typhon me lembraram bastante os Xenomorphos de Alien em termos de comportamento, assim como os simbiontes (como o Venom) da Marvel Comics por conta de seu visual. Ainda assim, eles conseguem ser algo próprio e, sinceramente, bastante aterrorizantes.
Não sou exatamente uma pessoa muito corajosa quando se trata de sustos em jogos, mas Prey consegue, mesmo não sendo um jogo de terror, manter o jogador na ponta da cadeira esperando uma surpresa. E elas vêm.
Começando pelos Mímicos, que são os inimigos mais básicos. Eles podem se disfarçar de objetos comuns, como canecas, latas de lixo e cadeiras. E o jogo tem muitas dessas coisas. Isso faz com que você fique tenso a cada sala na qual entrar. O pior é que, mesmo depois que eles se revelam, podem sair correndo para se disfarçar de outra coisa.
Outro exemplo é o Poltergeist, que é invisível e afeta os objetos próximos. Os Fantasmas copiam falas aleatórias de suas vítimas, que você ouve enquanto explora. Prey tem vários momentos de sustos bastante criativos, que infelizmente não posso comentar aqui para evitar spoilers. Isso, aliado ao fato de que é razoavelmente fácil morrer no jogo, ajuda a manter o jogador tenso por boa parte do jogo.

Grande parte deste feito também vem do design de som do jogo, que é fantástico. O som ambiente, as músicas e até mesmo efeitos sonoros são feitos para isso. Até mesmo quando eliminamos um inimigo desprevenido pelas costas, o áudio dá um jeito de assustar e fazer parecer que nós é que fomos surpreendidos.
A ambientação da Talos I também ajuda. Cadáveres em posições desesperadoras, vídeos tridimensionais que parecem locais reais, sombras sugestivas e outros elementos completam a sensação de perigo iminente que permeia o jogo.
Infelizmente Prey ativa o idioma nativo do sistema automaticamente e não oferece opção de alterá-lo dentro do jogo. A dublagem em português do Brasil ficou bem ruim e ter que aturá-la durante toda a experiência definitivamente afetou a imersão.
Do seu jeito, mas não muito
Sendo um jogo de sobrevivência com elementos de terror e RPG significa que estratégia e criatividade são cruciais para sair inteiro de situações. E o jogo faz um bom trabalho de dar bastante opções para o jogador decidir como agir, embora não tenham a mesma profundidade de um Dishonored, por exemplo.
Durante a jornada, Morgan pode obter materiais para construir armas, munições, consumíveis e itens que podem ser utilizados para ativar características de seis árvores de habilidades diferentes. Evidentemente, estes materiais são bastante limitados, o que significa que decidir seu estilo de jogo e escolher o que quer antecipadamente é importante.
Eu, pessoalmente, decidi focar em armas e habilidades ofensivas. Entretanto, eventualmente descobri que nenhum dos estilos é muito denso. Para os menos sutis, como eu, não há muita munição e apenas três armas dão dano: uma pistola, uma escopeta e uma espécie de arma laser que não é muito prática.
Isso significa que, embora focar um estilo seja vantajoso, é preciso usar um pouco de todos para sobreviver. Em diversos momentos me vi precisando passar por vários inimigos com pouca munição, então precisei ser criativo e pensar em formas de utilizar todos os meus itens de acordo com a situação.
O grande destaque vai para o Canhão GLOO, uma meleca que vira espuma ao acertar o alvo. Isso pode ser usado tanto para paralisar alguns inimigos quanto resolver quebra-cabeças ou criar plataformas rudimentares para acessar locais mais difíceis. Ele definitivamente salvou minha vida em alguns momentos quando muitos inimigos apareceram e nenhuma bala estava nas minhas armas comuns.
Isso é, ao mesmo tempo, um ponto positivo e negativo. É bom porque incentiva o jogador a pensar fora da caixa para resolver problemas e sair vivo de algumas situações (provavelmente depois de morrer algumas vezes). Mas também é ruim, já que limita a liberdade de abordagem que o design do ambiente tenta instigar e que até mesmo foi um dos pontos mais destacados nos trailers antes do lançamento.
Mesmo as árvores de habilidades, embora pareçam variadas, não oferecem nada que mude drasticamente sua forma de jogar. A maioria melhora elementos básicos, como sua força e o quanto você pode melhorar suas armas. As habilidades alienígenas são bem mais interessantes, oferecendo poderes diferentes, como ondas psíquicas e a possibilidade de se transformar em objetos, ao custo de que você terá mais inimigos para lidar sempre que encontrar torretas.
O mesmo também vale para os chipsets, modificações que podem ser instaladas no traje ou no Psicoscópio (uma espécie de visor que obtemos mais tarde), que oferecem vantagens variadas, mas geralmente pouco relevantes.
Conclusão
Embora termine com um conjunto de mecânicas que, apesar de serem divertidas individualmente, são rasas e podem até mesmo ser um pouco cansativas às vezes, Prey tem muito mais para oferecer.
O jogo brilha mesmo graças à sua ambientação, às histórias individuais dos habitantes da Talos I e à intrigante narrativa que, no fim, é moldada de acordo com a mentalidade do jogador e não apenas suas decisões superficiais.
Prey está disponível para PC, Xbox One e PlayStation 4. Esta análise foi feita com uma cópia para PS4 cedida pela Bethesda.