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Review | Dark Souls 3 e as contradições da From Software
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Review | Dark Souls 3 e as contradições da From Software

Vida e morte, dificuldade e recompensa, e como Dark Souls 3 depende de você pra (quase) tudo

Guilherme Jacobs
Guilherme Jacobs
12.abr.16 às 10h15
Atualizado há cerca de 9 anos
Review | Dark Souls 3 e as contradições da From Software

Quantas vezes nós somos o herói? Escolhido por destino ou pela sua personalidade, o centro de sua narrativa, a razão pela qual aquele mundo existe e vai continuar existindo? Conhecemos reis, transamos com princesas, temos uma voz badass e uma cicatriz no rosto. Em quase todo mundo de fantasia criado desde que Tolkien publicou Senhor dos Anéis, o protagonista é isso, e em jogos de fantasia, como Skyrim, Dragon Age e, em um grau menor, Witcher, estamos encaixados nesse padrão. Mas Hidetaka Miyazaki e sua equipe na From Software discordam disso, e em Dark Souls 3 eles mostram isso mais uma vez.

Aqui, você joga como alguém que simboliza cinzas, aquilo que fica depois que uma pessoa é cremada. Pior do que um Chosen Undead, como em Dark Souls 1, aqui você é chamado de Ashen One, o que em português seria "Ser das Cinzas," ou Unkindled, "Inaceso" Você é o que sobrou, assim como esse mundo. A Era do Fogo está se acabando, a chama vai se extinguir e a escuridão vai cair sobre todos, afinal o que começa precisa terminar, e estamos vendo o término desses reino em primeira mão. A arquitetura está acabada, tem grama crescendo nos lugares, as paredes estão rachadas e caindo, todo mundo meio que desistiu. Alguns Hollows, como são chamados quem perdeu toda a humanidade, agora adoram restos de um dragão, clamando pelo retorno da Era Antiga, quando nada acontecia, antes do fogo surgir e trazer contradições, vida e morte, calor e frio, luz e sombras. É o apocalipse. E você? Bom, você tem que provar que merece ser parte dele, que tem direito testemunhar os acontecimentos que estão se desencadeando, afinal você é cinzas que procura por brasas.

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Então você se levanta da sua tumba, algo incrivelmente comum em jogos Souls, e que não te torna nem um pouco especial, e vai atrás dos Lords of Cinder, reis que perderam seus tronos, seus reinos e seu povo, renascidos por conta de um sino que toca quando a primeira chama está prestes a se extinguir. Armado com pouco mais do que uma espadinha ou machado, você começa a caminhar por uma terra devastada, por um mundo cansado de ter passado por infinitos ciclos repetitivos, e embarca numa tarefa ingrata. Você não é o único Unkindled, e alguns dos outros nem tentam cumprir o dever de caçar os Lords e trazê-los de volta à morte. Você não é o centro dessa história, e ninguém mente com contos da sua singularidade. Em outras palavras, seu objetivo é justificar que merece ver o final dessa história. E o outro você, aquele que aperta botões no controle, tem a mesma missão. Você não é especial.

Milhões de pessoas estão jogando Dark Souls 3, alguns já zeraram antes que você pudesse apertar start. Por conta do lançamento antecipado no Japão, já tem wikis completas, altos segredos já foram revelados, e o sentimento de descoberta não é mais o mesmo, afinal esse é o quinto jogo com a mesma fórmula feito pela From Software. Já sabemos que devemos procurar elevadores, identificamos quando uma luta contra um chefão vai rolar só de observar as portas enormes na frente de uma catedral, estamos conscientes de que devemos manter nosso escudo pra cima, olhos atentos pra desviar, e quando possível enfiamos a espada nas costas do inimigo. Então qual o propósito desse jogo? De enfrentar alguns inimigos repetidos, visitar áreas conhecidas e passar por pelo menos mais 40 horas desse gameplay afinado, exigente e perfeitamente balanceado?

O combate foi refinado, ele continua aquela incrível dança que requer timing, que hora demanda resistência, hora agressividade. Dark Souls, como o fogo, gera contradições. Pra vencer você precisa ter coragem sem ser arrogante, paciente sem ser passivo, temer sem ter medo. O jogo vai jogar na sua cara várias vezes que você não consegue, assim como os personagens que dizem para o Ashen One que ele é lixo e que seu quest é inútil. Isso acontece com diálogos, com chefões gigantescos que nem te deixam respirar antes de amassar qualquer resquício de chance que você tinha. A sorte nunca está ao seu favor, então vá lá e prove que você não depende disso. Lute perfeitamente, aprenda o ritmo da batalha, estude os movimentos do seu oponente, suas fraquezas, aberturas. Tente de novo, e mais uma vez, e tente até conseguir, porque quando você vence, o mundo reconhece seus esforços e se abre, te oferecendo mais possibilidades, desafios, morte e xingamentos. E por que você continua indo? Esse é o quinto jogo da From nesse mesmo estilo. Você sabe o que esperar, já está no YouTube.

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Talvez você continue pelas fases? Explorar realmente é um deleite em Dark Souls, mas não pelas razões de Witcher ou Fallout. Loot e side-quests são mínimos, e os atalhos não são mais surpresas agradáveis, mas quase que obrigações da desenvolvedora. Aqui, andar pelas fases, mapas e ambientes é sua própria recompensa. Ver o incrível design, visual e estrutural, encontrar novos inimigos e admirar o quão feios eles são, ver no horizonte a muralha onde o jogo começou. Talvez você continue pelas lutas? O combate realmente é admirável, e as lutas de chefões são espetáculos à parte, alimentando seu desejo masoquista por mais mortes e desafios. Ahh, o sentimento de quando o boss se transforma depois que você tira metade do HP dele. Aquele medo misturado com fascínio que nos consome, a certeza da derrota iminente, contraditória à esperança de conseguir vencer na primeira tentativa, algo que por alguma razão persiste mesmo em meio a ataques brutais, uma música de tragédia e gritos aterrorizantes vindo do seu inimigo.

Eu não sei por que você persiste, qual o seu motivo para continuar. Dark Souls 3 não é um mundo novo para se descobrir, é um mundo velho está acabando. Ele é provavelmente o último jogo da franquia, porque tudo que começa tem que terminar. Os segredos ainda existem, mas vamos ser honestos, eles não são mais inesperados. A questão é que, como meu amigo Guilherme "Neozao" Alves aponta em seu ótimo review, Dark Souls depende única e exclusivamente de você pra quase tudo.

Dark Souls depende que você encontre o seu motivo para continuar, seja ele pegar o troféu de zerar, desfrutar completamente do gameplay ou explorar as fases. Depende de você para justificar o direito do Ashen One (e o seu) de cumprir a missão, de ver o fim da história. Você que tem que derrotar os chefões, você que tem que ler a descrição dos itens. Você, como o seu personagem, não é especial por si só, mas tem o poder para superar obstáculos e ter um tempo memorável nesta aventura sombria e obscura. A maior contradição que a From Software criou, mais do que vida e morte, dificuldade e recompensa, é que Dark Souls é, ao mesmo tempo, um jogo sobre você, mas que não liga pra você. Ele te dá a chance e as ferramentas para fazer algo especial, mas o resto é contigo. Ouse tirar significado das coisas sem sentido, encontrar a coragem para fazer aquela luta pela 13ª vez. Se no começo essa franquia te desafiava a sobreviver este mundo cruel, no fim ela quer ver se o jogador ainda tem o fogo dentro de si para continuar, mesmo com tudo ao seu redor sendo reduzido à cinzas.

A genialidade de Miyazaki e seus companheiros está em fazer um jogo excelente, espetacular apesar das eventuais quedas de frame, mas que demanda do seu jogador a mesma excelência. Esse não é um ótimo jogo se você for ótimo, ele não depende de você nesse sentido. Ele sempre vai ser bom. Os itens, chefões e áreas secretas vão continuar existindo lá, com seu incrível design visual e mecânicas fascinantes, mesmo que você desista de jogar após 10 minutos. A questão é que Dark Souls 3 é ótimo e não aceita de você nada abaixo do seu melhor. Ele sabe da sua própria qualidade e quer que você desfrute dela, mas não vai te dar a recompensa sem provar do seu suor antes. Ele depende de você pra ser descoberto, conquistado, desfrutado. Esse é o melhor tour de force que você pode desejar.

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Eu encontrei minhas razões para continuar jogando. O combate que se movimenta como uma sinfonia cheia de agudos e graves, a direção de arte digna de pesadelos que encobre este mundo e tudo que nele há, o fascinante lore que fica melhor a cada leitura de item, cada pesquisa e procura incessante pela verdade. Se você persistir, se você der seu melhor, o seu propósito em meio aos milhões de jogadores de Dark Souls 3 vai aparecer, como fogo em meio à escuridão.

Nota do redator: A versão em vídeo do review vai sair em breve, mas como o lançamento oficial é hoje e eu só consegui terminar a campanha ontem, preferi lançar um texto logo, já que a edição demora mais um pouco.

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