O cartão de visitas de O Brutalista é a grandiosidade. Desde a duração de aproximadamente 3h30, passando pelo luxuoso formato VistaVision em que é filmado, chegando à quantidade de temas que aborda, tudo no projeto se faz imenso. Uma escala que dá ao longa espaço o suficiente para seu drama histórico alcançar o nível de épico, mas que também causa efeitos colaterais que passam perto de arruinar o projeto.
O brutalista do título é László Tóth (Adrien Brody), arquiteto húngaro que chega ao Estados Unidos na década de 1940 para fugir dos horrores do holocausto. No novo lar, ele luta para sobreviver quando seu caminho cruza o de Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), um bem-sucedido empresário que recruta Tóth para construir algo tão monumental quanto as obras no estilo brutalista que o tornaram famoso na Hungria antes da Segunda Guerra Mundial.
Essa breve sinopse esconde o primeiro trunfo do longa, que é a forma como retrata o cotidiano de László em Nova York. A produção não tem a menor pressa para estabelecer a nova realidade e os conflitos do protagonista, criando essa relação simbiótica em que se aprende mais sobre ele conforme ele aprende sobre o mundo que o cerca.
Tal direcionamento aponta O Brutalista para o caminho tradicional das histórias sobre o “sonho americano”, sobre pessoas que encontram nos Estados Unidos uma terra de prosperidade. Uma fórmula que o filme desafia logo de cara, ao mostrar que a prática pode ser muito mais complexa do que a ingênua – ou simplista – noção de que força de vontade e trabalho duro são o suficiente para levar alguém ao sucesso.
O diretor e corroteirista Brady Corbet (A Infância de Um Líder) se esforça para que essa noção nunca escape ao espectador e conta com grandes aliados para contar a história. O primeiro é Adrien Brody, cuja performance dá vida às camadas que László revela lentamente nas diferentes situações trazidas pelo duro contexto em que se encontra. Voltaremos a ele em breve.
Outros parceiros do cineasta são aqueles responsáveis por criar cuidadosamente o mundo que cerca o protagonista. O time de design de produção, liderado pela diretora de arte Judy Becker (Carol), recria os EUA do pós-guerra com um capricho invejável. Um apuro que ganha vida na cinematografia de Lol Crawley (O Diabo de Cada Dia), que materializa em tela a estética da época retratada tanto na imagética mais pura e idealista quanto na crueza dos aspectos menos glamourosos dessa vivência.
Os dramas e desafios de László se tornam ainda mais nítidos quando ele adentra o mundo de Harrison Lee Van Buren, empresário que parece ter conquistado o tal “sonho americano”. É a partir do encontro entre os dois que o longa ganha tração e leva a jornada a um novo patamar enquanto continua o estudo de seu protagonista, que ganha no patrão um contraste.
Van Buren é apresentado como um homem de posses caprichoso e irascível, cujo interesse por arte e cultura faz com que ele veja em László um parceiro em potencial. Um encontro no mundo das ideias que ganha materialidade quando o ricaço anuncia a construção de um espaço comunitário arquitetado por Tóth.
Assim como o protagonista, Harrison se revela aos poucos, em um trabalho impressionante de Guy Pearce. O ator é certeiro ao retratar um homem que se deixa enganar pelas próprias mentiras, brilhando em uma performance ambígua que sempre esconde algo por trás de uma fachada de simplicidade.
A chegada do magnata impacta diretamente a jornada de László, levando O Brutalista ao caminho das artes. Afinal, é só aí que descobrimos que o protagonista é um arquiteto com obras renomadas, que resistiram a uma guerra, e que agora ganha um mecenas que lhe contrata para construir algo inédito.
A partir daí, o longa volta a contar com a bagagem que o público adquiriu ao consumir obras focadas em artistas que se tornam cada vez mais obcecados pelo próprio trabalho. Porém, assim como no tratamento do “sonho americano”, a produção se nega a seguir trilhas consagradas anteriormente, fazendo com que cada passo de Tóth seja acompanhado de uma incerteza que alimenta uma tensão crescente.
É uma pena que os trabalhos artísticos do protagonista nunca sejam verdadeiramente aprofundados em O Brutalista. O pouco que o longa traz são imagens que passam rapidamente e descrições vagas, negando ao público o contato com uma parte fundamental dele. Falta a materialização dessa paixão que dita os rumos que ele escolhe.
Ao menos, a produção dá material o suficiente para que o público entenda como László encara a arte e o próprio trabalho. Um ingrediente que é adicionado sem interromper o que já estava sendo desenvolvido até ali, funcionando como mais uma engrenagem não só na cabeça do artista, como no mundo ao seu redor. Uma construção relevante para a segunda parte do filme – que se inicia após um intervalo de 15 minutos.
A metade final abre com a chegada de Erzsébet (Felicity Jones), esposa de László que havia ficado na Hungria junto à sobrinha, Zsófia (Raffey Cassidy). Ela chega como a peça que faltava ao tabuleiro, o que faz com que a trama e seu cozimento lento entrem em uma ebulição que se torna quase um ponto de ruptura para a experiência.
O principal trunfo é o trabalho de Brody, que ganha ainda mais material para explorar seu personagem. O astro traduz na performance o turbilhão de sentimentos, ideias, vícios e virtudes que compõem esse ser humano complexo. Alguém tão firme em suas convicções, mas que se deixa levar pela busca cega de uma redenção que pode muito bem ser negada por um mundo hostil.
É uma atuação magnética, que diz muito com gestos e trejeitos que o astro desenvolve calmamente ao longo da duração do longa. Algo que impressiona pela simplicidade com que ele traduz o fluxo entre emoções fortes e conflitantes. Especialmente quando o longa mergulha de vez na escuridão ao escancarar de vez a podridão que habita suas frestas.
Em contrapartida, O Brutalista parece não confiar que o público é capaz de acompanhar a complexidade da trama. O roteiro de Brady Corbet e Mona Fastvold (Vox Lux: O Preço da Fama) gradualmente abre mão das sutilezas e explica subtextos e temas de forma óbvia.
Tal decisão joga contra o projeto, que até então havia dedicado boa parte de sua longa duração a elaborar suas ideias e conflitos com um capricho que dá lugar a atalhos. E não ajuda que algumas das respostas oferecidas não estejam à altura dos conflitos desenvolvidos até o clímax, o que enfraquece algumas das bases da trama justo em seu ápice.
A confusão é alimentada por um epílogo aberto às mais variadas interpretações, mas que traz um último fôlego à produção, ao menos na experiência deste que vos escreve. Sem entrar em detalhes, a cena final tem uma ambiguidade que se esconde atrás de uma sequência de revelações, que fazem mais do que simplesmente preencher lacunas ou oferecer uma “moral” para essa história.
Uma conclusão muito apropriada para O Brutalista. Assim como seu protagonista, o longa se mostra cheio de ideias e capaz de feitos grandiosos e admiráveis, que só são possíveis graças a uma ambição que não se intimida pelo medo de falhar e de se contradizer. Tudo isso em uma experiência visualmente impressionante, que usa o poder da arte para oferecer um olhar menos caloroso para um passado idealizado para mostrar que velhas feridas ainda são capazes de sangrar.
O Brutalista está em cartaz nos cinemas do Brasil.