No dia 29 de junho, é comemorado o Dia do Dublador. A data é uma celebração aos profissionais que emprestam suas vozes a personagens de filmes, séries, animes, games, podcasts e além. Em 2021, a data acontece em um momento delicado para o mundo, que atualmente passa pela pandemia do novo coronavírus. Para entender como este momento afetou o mercado da dublagem, conversamos com Guilherme Briggs, uma das maiores e mais queridas vozes do país.
Voltando um ano e meio no tempo, Briggs relembrou que assim como em grande parte da indústria do entretenimento, a dublagem sofreu uma pausa no início da pandemia:
“Houve um represamento das produções. Os clientes não mandaram para tentar entender o que ia acontecer: se íamos gravar presencialmente nos estúdios com protocolos de segurança ou se iríamos gravar de forma remota. Então foi tudo caminhando, o presencial começou a colocar protocolos, como luz, máscaras e tudo no estúdio para proteger as pessoas. E o remoto foi se desenvolvendo para as que queriam ficar em casa.”
O ator e diretor lembra que, por um lado, os estúdios precisaram estudar maneiras de proteger os profissionais, já que as gravações ocorrem em um espaço sem janelas e com grande rotatividade de pessoas. Por outro, houve um grande investimento nas gravações remotas:
“Todo mundo ficou preocupado com relação à acústica, equipamento, microfones, e como seria a direção online — esse triângulo entre diretor, operador de áudio e o dublador. Tivemos várias reuniões, conversamos bastante entre nós e foi progredindo. Em tempos de guerra, como se diz, a tecnologia sempre avança. E no mundo todo isso estava acontecendo, não só na dublagem brasileira. A gente foi aprendendo cada vez mais”.
Esse período inicial foi conturbado para profissionais da dublagem. Como a categoria ficou paralisada por um tempo e, em grande parte, não conseguiu a ajuda do auxílio emergencial, foi lançada a campanha “Alô, Quem Fala?”. A ação teve como objetivo ajudar trabalhadores como dubladores, operadores e mais. A situação foi se normalizando aos poucos, com estúdios trabalhando de forma híbrida e uma grande expansão da dublagem remota.
“Foi um início complicado porque não se sabia o que ia fazer, mas com o remoto dando super certo, os clientes relaxaram, começaram a mandar trabalho e ficamos híbridos, trabalhando presencialmente e remotamente.”
Apesar do temor inicial sobre a qualidade das gravações feitas em casa, Guilherme Briggs afirma que não demorou para serem desenvolvidos plugins, filtros e até plataformas inteiras para a gravação online em um grande esforço para manter a mesma qualidade do trabalho feito presencialmente. Com essa evolução constante, o ator se sentiu seguro para migrar para o virtual:
“O que vejo no mercado é que quem trabalha remotamente vai ter frutos ainda maiores, porque o mercado absorveu bastante. Nunca trabalhei tanto em 30 anos de dublagem! Estou trabalhando mais remotamente do que eu trabalhei presencialmente, uma coisa incrível e até assustadora. Chego ao ponto de minha agenda ficar tão lotada, de trabalhar das 8 da manhã até 22h30, 23h, que às vezes tenho que recusar alguns trabalhos porque não dá. Eu fico sem agenda. E isso é muito bom.”
Essa agenda lotada se deve, em grande parte, porque virtualmente é possível superar limitações físicas dos estúdios:
“No virtual eu posso colocar vários diretores, operadores e trabalhar com todo mundo mais rapidamente. Teve um caso, por exemplo, de uma série que durou cinco anos, com 25 ou 26 episódios de 50 minutos por temporada. Se fosse gravar presencialmente, iria demorar muito tempo, mas essa empresa conseguiu gravar em dois meses. Tinham quatro diretoras, todos os dubladores e operadores trabalhando de casa em vários períodos e conseguimos fechar cinco anos de série com qualidade, super bem feito, o áudio direitinho. E isso me dá muita alegria, sabe? Porque faz com que o mercado se aqueça e tenha oportunidade de trabalho para as pessoas, todo mundo está trabalhando mais remotamente.”
Após o início conturbado, essa boa fase da dublagem brasileira parece ter vindo para ficar. Especialmente pelo grande volume de produtos audiovisuais que chegam ao Brasil, em sua maioria com opção dublada.
“A nossa profissão foi privilegiada. Porque o entretenimento nunca acaba. Agora com o streaming tem muita coisa para ser dublada, muitos projetos, de todos os tipos e a gente alimenta essas plataformas todas. Então assim, a profissão de dublagem está bombando de uma forma maravilhosa. Eu não posso reclamar nunca de falta de trabalho.”
Mais do que o aquecimento de um mercado, Briggs acredita que a retomada da dublagem tem também um papel fundamental para a saúde mental das pessoas. Em um período em que 53% dos brasileiros tiveram uma piora em seu bem-estar mental no último ano (segundo a BBC Brasil), o dublador acredita no entretenimento como uma força positiva:
“A gente liga a televisão e só vê notícia ruim. Aqui no Brasil principalmente, com a pandemia avançando, mais de 500 mil mortes, e isso deixa qualquer um muito triste, preocupado e indignado também. Então o entretenimento chega para dar aquele refresco, para a mente da pessoa sair um pouco daquilo e relaxar. O entretenimento e a dublagem são fundamentais, porque a maior parte da população brasileira gosta e consome produtos dublados, então é um papel maravilhoso que a gente tem na sociedade, o de entreter.”
O carinho dos fãs
A hipótese de Guilherme Briggs sobre a importância da dublagem pode ser comprovada por um grupo cada vez maior: os fãs. Não é de hoje que o público brasileiro é apaixonado pela dublagem, mas esse carinho tem se intensificado cada vez mais. O próprio Briggs recentemente foi parar nos Trending Topics — os assuntos mais comentados do Twitter — quando foi revelada a sua dublagem de Jojo’s Bizarre Adventure. Feliz com a repercussão, o dublador confessa ter ficado inicialmente espantado:
“Tomei um susto, porque quando entra nos TTs é porque aconteceu alguma coisa grave. Mas nesse caso específico foi uma alegria: as pessoas comemorando a dublagem de Jojo’s, um anime muito divertido e maluco que eu já era fã. Tive o prazer de ser convidado pelo Pedro Alcântara, um querido amigo meu, que me deu esse presente de dublar o Joseph Joestar. E eu sabia que muita gente queria que eu fizesse o Dio Brando, que foi dublado pelo Francisco Junior, mas eu acho que ele tá perfeito e me deixa com meu Joseph, que é quem eu gostaria de fazer (risos).”
Briggs confessou que nunca diz publicamente quais personagens gostaria de dublar por achar que não é ético, especialmente porque leva fãs a fazer campanhas e pressionar estúdios. Porém, foi um prazer ser escalado justamente para o personagem que mais gosta na saga:
“Foi uma alegria imensa para mim, e o carinho dos fãs é mágico. O que mais queria com Jojo’s era poder brincar com os fãs, postar memes dos Jojofags - que são os fãs mais intensos de Jojo’s. Todos nós estamos curtindo isso na internet, é uma festa. Até quero aproveitar esse espaço para mandar um beijo imenso para todos os fãs de Jojo’s, os Jojofags do Brasil inteiro. Estou com vocês, tamo junto e é uma alegria para mim fazer parte dessa comunidade, que foi muito carinhosa e nos recebeu com muito respeito, intensidade, energia e alto astral. Foi maravilhoso.”

Além dos aficionados por Jojo, Guilherme Briggs afirma ter uma grande alegria em manter contato e ajudar seus admiradores. Com orgulho, o dublador relembra o impacto positivo que teve em seus fãs, desde a inspiração para desenhar, pintar e esculpir, até questões pessoais como fazer as pazes com entes queridos. Para Briggs, sentir que está próximo e ajudando seu público é uma fonte enorme de alegria:
“Já tive fãs que tiveram ansiedade, depressão e muitos me abraçam em eventos, escrevem cartas ou nas redes sociais e dizem que os salvei, que foram procurar ajuda psiquiátrica e psicológica. Esse estímulo artístico que dou para que as pessoas queiram se entreter, informar, fazer arte, tratar todo mundo com amor e respeito… Trazer essa luz é maravilhoso. Não só levo entretenimento, como consigo tocar as pessoas, o coração delas, e isso para mim é maravilhoso mesmo sendo uma pessoa extremamente falha, com problemas — como qualquer outra —, mas acho que essa é a minha missão aqui.”
Mistério revelado: qual é o personagem favorito de Guilherme Briggs?
Guilherme Briggs é conhecido por dar voz a alguns dos mais icônicos personagens da cultura pop. De Superman a Buzz Lightyear, passando por Ele e Samurai Jack, são vários os papéis que moram no coração dos fãs brasileiros. Mas e no de Briggs? Questionado sobre seu predileto, o ator não hesitou:
“Sempre falo que meu personagem favorito de todos os tempos sempre foi e sempre será Daggett, de Castores Pirados. Coloquei muitos cacos, fiz muitas brincadeiras, alterei muito texto, coloquei toda a minha alma infantil nele. Me divertia tanto com esse personagem que os diretores riam comigo e ficavam ‘nossa, como você gosta e se entrega a esse personagem’. Parece que ele foi feito para mim. Achei que nunca ia ter um personagem que gostasse tanto quanto o Freakazoid e eu tive. Quando acabou Castores Pirados fiquei tão triste que até chorei. De tanto que gostei de fazer esse personagem.”

Ainda é cedo para dizer como as mudanças causadas pela pandemia vão impactar em definitivo a dublagem brasileira. O que temos como certeza é o empenho e a dedicação de milhares de profissionais como Guilherme Briggs, que usam suas vozes para alegrar, comover e inspirar um público cada vez mais apaixonado.