Mestre da Sétima Arte, o diretor inglês Alfred Hitchcock tinha um exemplo simples para explicar, com bastante didatismo, a diferença entre surpresa e suspense. Imagine uma cena em que duas pessoas, sentadas à mesa, têm uma conversa banal. De repente, um estrondo e um clarão na tela: uma explosão, causada por uma bomba-relógio debaixo do móvel. São alguns segundos de surpresa e nada mais.
Imagine outra sequência parecida; desta vez, todavia, enquanto a dupla mantém seu diálogo, a câmera revela para a plateia que a bomba está lá. Sabemos que a explosão vai acontecer dali a pouco — o mostrador do relógio nos informa disso. “De súbito, a mesma conversa banal fica interessantíssima porque o público participa da cena”, observa Hitchcock. Agora, aqueles segundos parecem durar uma eternidade, dilatados pela antecipação do que está por vir: é o suspense.
O terror é um gênero cinematográfico distinto, é óbvio. Ainda assim, muitas vezes se vale de recursos idênticos: a surpresa, quando o monstro surge inesperadamente de um canto escuro; o suspense, quando a plateia vê o monstro lentamente se aproximar do protagonista, alheio ao perigo. O primeiro, conhecido como jump scare, gera um grito, uma palpitação, talvez um riso nervoso; já o segundo provoca uma agonia, um nó no estômago, uma vontade de berrar para a tela: “olha pra trás, idiota!”.
Os realizadores de Entrevista com o Demônio se mostram cientes dessa diferença — e é fácil perceber onde apostam suas fichas. Na trama, à frente do talk show Night Owls, o decadente apresentador Jack Delroy (David Dastmalchian) passa a recorrer a pautas e convidados polêmicos, em um esforço para reconquistar a audiência. Até que, no episódio especial de Halloween, ele decide trazer ao palco a parapsicóloga June Ross-Mitchell (Laura Gordon) e sua paciente, a garotinha Lilly (Ingrid Torelli), sobrevivente de um culto satânico e supostamente possuída por uma entidade maligna.
Embora convencional e apoiada em alguns lugares-comuns, a narrativa é explorada com eficiência pelos irmãos australianos Colin e Cameron Cairnes, responsáveis pelo roteiro e pela direção do longa-metragem. A abertura, por exemplo, consegue estabelecer logo de cara três elementos fundamentais: contexto, temática e estrutura.
Os dois primeiros vêm interligados. A introdução localiza a história nos EUA, no final dos anos 1970, destacando dois aspectos do cenário do país na época: a situação de crise econômica e o crescente interesse popular pelo ocultismo. Isso espelha a própria trajetória do protagonista, já que Jack é retratado como uma estrela de ascensão meteórica, mas que acaba entrando em declínio após uma tragédia pessoal — e seu envolvimento com uma sociedade secreta sugere uma possível ligação com forças nefastas.
Encenada como um documentário, a sequência inicial define ainda a estrutura do filme, apresentando o que vem a seguir como sendo a íntegra do episódio de Halloween de Night Owls, transmitido ao vivo — e cujo desfecho “chocou a nação”, como o narrador (Michael Ironside) faz questão de antecipar —, acrescido de “cenas inéditas” dos bastidores. Essa diferença é marcada visualmente: o talk show é exibido em fotografia colorida, em proporção de tela mais quadrada, típica das antigas televisões; já o making-of é em preto e branco, em proporção mais próxima à do cinema.

Além de abrir espaço para tais artifícios visuais, a alternância entre os dois momentos tem funções narrativas bastante específicas. A primeira é aprofundar o personagem principal, uma vez que ressalta o contraste entre o que Jack é na frente da câmera — charmoso, sensível, ponderado — e fora dela: obcecado com a audiência, assombrado pelo passado e egoísta, algo que demonstra especialmente no modo como lida reservadamente com a dra. June e com seu parceiro de programa, Gus (Rhys Auteri). Apesar de soar como um perfil repulsivo, o protagonista consegue ser cativante. Grande parte do mérito é de David Dastmalchian, cuja performance inspirada injeta uma boa e necessária dose de carisma e vulnerabilidade.
Voltando à estrutura, o que ela possibilita, acima de tudo, é a construção de uma lenta escalada rumo ao caos, em que a sensação inicial de perturbação vai ganhando novas camadas a cada evento estranho. Por exemplo: no primeiro bloco do talk show, o médium Christou (Fayssal Bazzi) faz uma demonstração de seus poderes psíquicos; no segundo, ele é parcialmente desmentido por Carmichael Haig (Ian Bliss), um ex-ilusionista que agora se dedica a desmascarar charlatões. Essa dinâmica de confronto entre o sobrenatural e o cético vai se repetindo nos blocos seguintes, com a chegada da dra. June e Lilly, deixando o público sempre no fio da navalha — inclusive, com o brilhante uso de quebra da quarta parede em determinado momento. Isso até o clímax, que abraça de vez a ambientação nos anos 70 e homenageia um ou dois clássicos do terror daquela era.
Não existem bombas-relógio em Entrevista com o Demônio — há um punhal, que, em vez de surgir do nada, é ostensivamente deixado sobre a mesa, à vista, para que o público fique o tempo todo antecipando o golpe. O filme não reinventa a roda no gênero, mas usa muito bem o suspense para transformar o que poderia ser uma conversa banal em algo fresco, instigante e angustiante.
O longa está em cartaz nos cinemas brasileiros.