Nem todas as tragédias de Star Wars acontecem em uma galáxia tão, tão distante. Nesta semana, recebemos a triste notícia de que a atriz e escritora Carrie Fisher morreu no hospital após sofrer uma parada cardíaca.
Carrie interpretou a Princesa e General Leia na franquia Star Wars no cinema. Leia se tornou um modelo a incontáveis pessoas ao redor do mundo, mostrando a força da personagem em liderar uma revolução contra um governo opressor ou mesmo usando as correntes que a prendiam para assassinar a criatura que ousou mantê-la como prisioneira — literalmente.
Muito se fala sobre o impacto que a morte de Carrie Fisher poderia ter na franquia Star Wars, se, por exemplo, poderia significar a morte da General Leia. Só que isso é apenas uma pequena e quase insignificante fração da perda real.
Personagens morrem o tempo todo em filmes, livros e séries (George R.R. Martin que o diga). Uma perda na ficção é algo que pode causar tristeza por um momento, mas é fácil revisitar a mesma história e acalmar a saudade ou mesmo encontrar outra forma de entretenimento que preencha aquele vazio.
Só que quando a morte envolve alguém real, mesmo que seja alguém que talvez você nem tenha conhecido pessoalmente, a dor é mais difícil de apaziguar. Cada um deixa uma marca única no mundo, e algumas deixam um legado positivo que vai muito além da própria carreira.
Expondo problemas reais e criando esperança
O impacto que Carrie causou no mundo se estendeu muito além de um papel importante para representatividade feminina em filmes de fantasia. Ela usou a fama para chamar a atenção para questões de saúde mental e sempre falava de maneira honesta e sem tabus, sobre transtornos mentais, tornando-se praticamente uma porta-voz de pessoas neuroatípicas.
No livro Wishful Drinking, ela explora um pouco mais sobre o que é viver com transtorno bipolar.
Uma das coisas que me deixam estarrecida (e existem poucas) é como ainda existe tanto estigma enraizado no que diz respeito a transtornos mentais, especificamente bipolaridade. Na minha opinião, viver com psicose maníaco depressiva requer uma tremenda dose de coragem. Não muito diferente de um passeio no Afeganistão (só que nesse caso as bombas e balas vêm de dentro). Às vezes, ser bipolar pode ser um desafio desgastante, exigindo muita energia e mais coragem ainda, então, se você está vivendo com essa doença e continua funcional, é algo para se ter orgulho, não vergonha.
Carrie era quase uma princesa na vida real. Filha de pais famosos, cercada de privilégios durante toda a vida, ela tinha tudo para ser apenas mais um rosto bonito em Hollywood e simplesmente ocultar tudo que se passava em sua vida pessoal. Entretanto, através de seus livros autobiográficos e entrevistas, ela conseguiu se aproximar dos fãs de uma maneira que poucos conseguiram por ser tão franca e bem-humorada sobre tudo que passou até aprender a lidar com o transtorno.
Em um post recente de sua coluna no The Guardian, Conselhos do Lado Sombrio, Carrie fala abertamente sobre sua condição:
Eu descobri que era bipolar quando eu tinha 24 anos, mas fui incapaz de aceitar esse diagnóstico até meus 28 anos, quando eu tive uma overdose e finalmente fiquei sóbria. Só então eu percebi que nada mais poderia explicar o meu comportamento.
Transtorno bipolar pode ser uma condição devastadora, dependendo da sua intensidade. Os sintomas podem incluir alucinações, ilusões de grandeza ou de inferioridade e variações de humor que passam por episódios de mania com atitudes compulsivas, perda do senso crítico, alteração no sono e euforia, até o extremo oposto, em um abismo de depressão.
Segundo estudos recentes, esse é o transtorno mental que mais causa suicídios, e estima-se que cerca de 15% dos indivíduos com esse transtorno chegam a se matar. Sem tratamento, a doença tende a ficar mais grave e as crises mais frequentes.
Depois de entender melhor a sua condição neurológica, a escritora e atriz passou a ajudar outros indivíduos neuroatípicas através de seus livros e conselhos oferecidos em sua coluna, encorajando-as a procurar tratamento e desmistificando alguns conceitos. A ilustradora e colorista Priscilla Tramontano foi uma das pessoas impactadas por essa atitude positiva:
Leia me inspirou a ser uma mulher gentil e forte, Carrie Fisher me ajudou a lidar com meus próprios transtornos mentais. Ela foi a primeira pessoa que eu vi falando abertamente e livremente sobre transtornos mentais e hoje, se eu consigo fazer o mesmo sem nenhum pingo de constrangimento, foi em grande parte por conta dela. Eu estou com o coração partido e vou continuar assim pelos próximos dias. Ela morreu cedo demais, mas tenho certeza que ela viveu uma vida plena.
Se unindo com a Força
Carrie já tinha se unido com a Força muito antes de sua morte, com as vidas que salvou através de mensagens sinceras que ajudaram a derrubar estigmas sobre viver com bipolaridade e sobre procurar ajuda. Ela relatou, por exemplo, que frequentar o AA a ajudou a perceber que existiam outras pessoas com problemas similares que encontraram uma maneira de falar sobre eles e encontrar um alívio e até uma forma de fazer piadas através disso.
Entretanto, a atriz e escritora comentou em um de seus textos recentes que no começo foi difícil aceitar fazer parte dos grupos de apoio:
No começo eu não gostava dos grupos. Eu sentia como se eu tivesse sido banida para sentir com um grupo de outros desajustados como para ficar parada por uma hora. Mas então alguém disse 'Você não tem que gostar desses encontros, você só tem que ir, vá até que comece a aproveitá-los'. Isso me pegou de surpresa. Eu não tinha que gostar de algo que eu fazia? Uau, que conceito. [...] Não importa quanto demorasse para conseguir ou quão injusto parecesse, era a minha obrigação fazer isso.
Esse tipo de dificuldade inicial e a superação eventual deu perspectiva à Carrie, que usou a oportunidade para ser um exemplo para outras pessoas neuroatípicas, incentivando-as que compartilhassem suas experiências, fossem reconfortadas ao saber que qualquer sintoma não é exclusivo delas e que é possível viver com isso, depois de encontrar o tratamento adequado.
Agora que Carrie Fisher partiu, depois de ter se banhado na luz na lua, estrangulada pelo próprio sutiã, um enorme vazio se abre para aqueles que usaram os conselhos dela como apoio ao buscarem tratamento para transtornos que talvez tivessem vergonha de admitir para os outros ou mesmo si mesmo.
Entretanto, ela deixa a esperança de que mais pessoas se inspirem pelo exemplo dela e ajudem a lutar contra os tabus que ela começou a derrubar ao falar tão honestamente sobre transtornos mentais. A Força está com todos nós.