Para os aficionados por videogames, competição já é algo rotineiro – embora, na maioria das vezes, os combates sejam apenas passatempo. Mas existem os que vão além do jogo e fazem dos embates digitais sua profissão de tempo integral.
Assim como o universo profissional de futebol, basquete, vôlei e tantos outros esportes já tidos como convencionais pelo grande público, a área dos esportes eletrônicos não fica para trás. Desde atletas profissionais com rotinas diárias de treinos de cerca de dez horas até uma equipe jurídica e de saúde destinada aos times, o ambiente do esport está cada vez mais próximo do mundo dos esportes físicos – trocando apenas o campo pela tela.
Futebol virtual, MOBAs, battle royales e diversos outros gêneros de jogos já estão criando seu próprio mercado de competições virtuais e realizando parcerias com marcas globais gigantes, como Louis Vuitton, Nike e BMW. Seja em gaming houses – casas ou mansões onde diversos atletas e profissionais de uma organização vivem e trabalham – ou gaming offices – com rotinas similares a de um Centro de Treinamento esportivo -, o esport evolui a cada dia.
Conheça a Netshoes Miners
Como exemplo de uma rotina de gaming office, a equipe Netshoes Miners – cujo anúncio do novo nome aconteceu hoje (24) – adotou esse método para a rotina de seus profissionais. Com oito salas alugadas no prédio comercial WeWork, na Avenida das Nações Unidas, em São Paulo, a organização que antes se apresentava como Cruzeiro Esports e E-Flix hoje aloca seus 32 atletas – além dos funcionários – em um dos grandes prédios comerciais da grande São Paulo.

De acordo com Marcelo Fadul, CEO da E-Flix, que é a empresa por trás da Netshoes Miners, cada time possui sua própria sala e os atendimentos realizados pelos profissionais de saúde e jurídicos também acontecem naquele ambiente:
Apesar de ser uma escolha mais custosa do que uma gaming house, acreditamos que esse seja o método mais profissional para auxiliar no amadurecimento de nossos atletas, visto que dentro do gaming office o único compromisso é com as atividades esportivas e da organização.
A E-Flix, que já está presente no cenário competitivo do jogo FIFA desde 2017, comanda a Netshoes Esports desde então e tem as parcerias com o mundo esportivo tradicional como uma prioridade, tratando o futebol virtual como sua única modalidade por quase três anos.
Após alguns anos de organização, porém, a necessidade de se expandir para outras modalidades veio. Em setembro de 2019, a empresa firmou uma parceria com o time Cruzeiro para usar sua imagem para promover o clube dentro do esporte eletrônico e vender a marca do clube mineiro para dentro do cenário digital. Assim como Santos, Corinthians e Flamengo, a torcida cruzeirense se tornou presente nas modalidades e, em sequência, o renomeado Cruzeiro Esports estava também disputando a Liga Brasileira de Free Fire e o Campeonato Brasileiro de League of Legends, duas das maiores competições nacionais de esports.
Após pouco mais de um ano de acordo, porém, o Cruzeiro e a E-Flix encerraram sua parceria em março de 2021, com alegações de que as visões de ambos para o futuro da organização e da imagem da marca não estavam mais em sintonia. O término do relacionamento abriu portas para que a E-Flix trouxesse a Netshoes para frente da marca novamente, com o nome de Netshoes Miners, agora com o respaldo da Magazine Luiza.

Em entrevista exclusiva ao NerdBunker, Fadul afirmou que um dos grandes pontos para o crescimento do esporte eletrônico é o conhecimento do mercado esportivo tradicional. Antes de se tornar dono de organização em tempo integral, o empresário atuava no meio da advocacia esportiva. "Nós temos marcas e profissionais muito bem envolvidos no esporte tradicional, o que nos tem sido muito importante. Acredito que, na parte de criação de conteúdo, o amor pelos games seja essencial, mas em outras áreas da empresa não temos isso como fator limitante", finalizou o dono.
Além da diretoria e das áreas de marketing de uma organização, seu funcionamento rotineiro é bastante similar ao de um time de esporte tradicional. Fisioterapeutas, psicólogos, diretores de modalidade – chamados de manager –, analistas e mais profissionais são requisitados diariamente para um bom funcionamento do time.
Dentro da Netshoes Miners, o manager Felipe “Fefo” Pereira é o responsável pelo gerenciamento geral da equipe de League of Legends. Tendo entrado no meio pelo cenário universitário de São Paulo, Fefo conseguiu seu primeiro trabalho profissional nos esports ainda na antiga Falkol Esports, como editor de vídeo, e foi mudando para a função de manager em alguns meses.
Com formação em Publicidade e Propaganda, ele conta que chegou na função ainda sem saber muito sobre os bastidores, já que não era uma tarefa muito comentada. "Você acaba sendo como uma voz sobre o time para a organização, diretoria e patrocinadores. Além de fazer a equipe funcionar, você atua como meio-campo e tem que ter uma boa postura para lidar com os mais diferentes atletas, sempre prezando pelo seu bom desempenho", disse Fefo.

A saúde dos atletas
Na área de saúde, o trabalho também deve ser praticamente rotineiro. A psicóloga do esporte Betina Damasceno falou ao NerdBunker que o principal ponto para atuar como psicólogo no meio é conhecer as peculiaridades de cada jogo e cenário:
Conhecendo a realidade de cada um, a gente consegue ter um guia melhor de como exercer o trabalho da psicologia e os cuidados da rotina de um jogador que, na grande maioria das vezes, não é estruturada como a de um atleta do meio convencional.

Mais focada nas equipes de FIFA e Free Fire da organização, Betina acredita que a profissionalização do psicólogo no meio está acontecendo lentamente. "O psicólogo precisa entender, principalmente, a interação entre o corpo do atleta e os movimentos dentro do jogo, como lidar com momentos de tensão emocional e situações de delay. Cada modalidade é muito específica, portanto o profissional deve estar atento ao contexto de onde está se inserindo e como lidar, também, com o pessoal e a grande exposição que o meio traz consigo", finalizou a psicóloga.
Além da psicologia, outra área da saúde que vem ganhando bastante relevância no meio do esporte eletrônico é a fisioterapia. O profissional Guilherme, atual fisioterapeuta da Netshoes Miners, comentou que a primeira barreira a ser quebrada para a profissionalização da área da saúde física no cenário é entender o esport como um esporte comum:
Há um desgaste físico, emocional, uma dedicação intensa diária similar a de um jogador de futebol. Assim como existem diferenças entre futebol e basquete, existem diferenças entre League of Legends e Free Fire, o que aproxima mais o trabalho de um fisioterapeuta do esporte tradicional do que se é esperado.
Utilizando especialmente conhecimentos de ergonomia e posicionamento corporal, Guilherme admite que o conhecimento teórico acadêmico focado em esporte eletrônico é mínimo, mas que a adaptação é possível. "O trabalho é focado na prevenção de lesões, trabalhos de relaxamento para evitar tensões musculares e ajuda a focar apenas no jogo", finalizou o fisioterapeuta.

Assim como Betina, Guilherme reforçou que é necessário ter o máximo de conhecimento possível sobre a modalidade na qual tem intenção de atuar, pois as necessidades de jogadores são diferentes dependendo dos jogos em que atuam.
Algumas organizações brasileiras também investem em profissionais de nutrição, especialmente quando as equipes optam pelo método de gaming houses e vivem constantemente no ambiente de trabalho. De acordo com Fadul, o tratamento de organizações de esports como clubes esportivos tradicionais é essencial para o crescimento e profissionalização de um meio que ainda está em sua infância como modalidade esportiva.